Ao subirmos, Christine me alertou: não acenda nenhuma luz, inclusive a do celular. E com um sorriso, emendou: “Hoje é dia das mulheres. Eu e a Kai-Jie estamos no comando do navio!"

Kai-Jie (esq), de Taiwan, é a terceira-oficial do navio Esperanza. Christine Weiss (dir), da Alemanha, é marinheira de convés. Quando Kai-Jie está na ponte de comando do navio, Chistine é quem faz a observação das embarcações ao redor. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace

 Após partirmos do porto de Belém para a segunda etapa de nossa expedição, desta vez em direção à região norte dos corais, encontrei Christine, a marinheira alemã que pilota botes, fazendo a ronda noturna do navio. Ela me contou que também estava de plantão na ponte de comando, lugar onde se dirige o navio. Eu nunca havia estado lá à noite, então resolvi acompanhá-la no início de seu turno de quatro horas – das 20h à meia noite.

Ao subirmos, Christine me alertou: não acenda nenhuma luz, inclusive a do celular. E com um sorriso, emendou: “Hoje é dia das mulheres. Eu e a Kai-Jie estamos no comando do navio!" Kai-Jie é a terceira-oficial do Esperanza. Uma jovem doce e pequenina taiwanesa, que pela timidez, conversa pouco e se mantém concentrada.

O motivo de não acender nenhuma luz é porque seus olhos têm que estar atentos para perceber qualquer coisa na água, de pequenos barquinhos de pesca a icebergs (claro que na linha do Equador, onde estamos, eles não existem, mas vocês entenderam a ideia). Foi num desses momentos, sozinha na ponte de comando, que ela foi presenteada com uma das imagens mais marcantes da sua vida: duas orcas reluzentes que nadavam como um dança sincronizada em torno do barco, em meio a águas repletas de nauctiluca, um micro-organismo que faz as águas brilharem à noite pelo seu efeito fluorescente verde-azulado. Sem conseguir dormir, chocada e com lágrimas nos olhos por tamanha beleza, ela conta só conseguiu processar o que tinha visto limpando o chão do refeitório com o esfregão às 4h da manhã.

O que mais me chama atenção em Christiane é de fato o seu olhar, profundo e atento, mesmo em uma simples conversa. Ela me contou que já passou por diversas áreas no escritório do Greenpeace na Alemanha. Quando teve a oportunidade de embarcar em um dos navios da organização pela primeira vez, em uma passagem pela Europa, decidiu ser marinheira. Tentou por muito tempo, com e-mails, telefonemas e pedidos, conquistar uma vaga a bordo, o que aconteceu três anos depois, no retorno do navio à Europa.

Quando Christiane sorriu ao mencionar as mulheres na ponte de comando, compreendi plenamente que este é um ambiente normalmente dominado por homens, que ela tira de letra. Mas esta noite seria nossa! Juntei-me a elas e pude ver um pouco do seu trabalho. Enquanto Kai-Jie se mantinha atenta à rota do navio, ajustando-a quando necessário, Christine dava instruções a ela baseadas na posição de outros barcos avistados no horizonte, sempre usando os binóculos. Ela me explicou que todo barco tem uma luz vermelha a estibordo (o lado esquerdo da embarcação) e uma verde no bombordo (o lado direito). As luzes ajudam a identificar a direção que os barcos estão se movendo à noite. Assim você consegue entender minimamente a rota deles só de olhar pelo binóculo.

O navio em que estamos é o mais rápido do Greenpeace, chega a 14 nós de velocidade. Nesta noite, devido a grandes ondas e fortes correntezas, não conseguíamos passar dos 6,1 nós enquanto estive na ponte. As ondas castigam o casco do navio e nos deixam mareados.  Às 22h30, com o sono e o balanço do barco se manifestando em meu corpo, decidi retornar à minha cabine. Deixei as duas no que restava de seus turnos, mas me sentindo um pouco mais orgulhosa e confiante de saber que seguiríamos firmes e fortes em nosso caminho pelo oceano para conhecer e defender os Corais da Amazônia.

Juliana Costta é Social Media do Greenpeace e está há 11 dias embarcada no navio Esperanza