Presidente Henrique Eduardo Alves recebe comitiva indígena na Câmara dos Deputados (JBatista / Câmara dos Deputados).

 

O terceiro dia da Mobilização Nacional Indígena foi agitado. E terminou com um saldo positivo para os mais de 600 índios de cerca de 100 diferentes povos de todo o Brasil presentes em Brasília. Durante a reunião com uma comitiva de lideranças na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Enrique Eduardo Alves (PMDB-RN), se comprometeu a não aprovar ou deixar que siga para votação, até que haja um consenso, a Proposta de Emenda Constitucional que visa passar para o Congresso Nacional a prerrogativa de decisão sobre a demarcação de terras indígenas.  

“Sem consenso, a PEC 215 não irá para plenário. Esse é o meu compromisso”, assumiu o deputado federal. O presidente da Câmara ressaltou ainda que “por mais forte numericamente que possa ser a bancada (ruralista), eu digo a vocês que com a responsabilidade que eu tenho não posso ser instrumento de uma proposta que fere as nações indígenas”. 

Segundo avaliação da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), essa foi uma vitória, ainda que modesta. “Apesar de não ter sido um compromisso por escrito, ele afirmou isso na presença de várias lideranças indígenas, da imprensa e dos demais parlamentares presentes. E nós fizemos questão de nos assegurar e reiterar que ele estava falando mesmo em consenso, e não na vontade da maioria, já que essa Casa é composta por uma maioria ruralista e anti-indígena”, afirmou Sonia Guajajara.

Após a reunião, a comitiva seguiu para o Senado Federal, para uma conversa com o presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL). Barrar a PEC 38, de teor semelhante ao da 215, com a diferença de que dá ao Senado a competência para aprovar os processos demarcatórios, foi o pedido dos indígenas ao senador. Um pouco mais enfático do que seu colega de partido e cadeira, Calheiros refutou o avanço destas PECs e garantiu que durante a sua presidência, o destino delas será a gaveta: “Não passarão”.

Enquanto isso, no gramado do lado de fora, o restante do grupo aguardava seus representantes entoando cânticos e danças. Integrantes do Movimento Uma Gota no Oceano, que tem como bandeira principal a campanha Tamuaté-aki, em apoio às demandas indígenas, os atores Maria Paula e Tony Garrido marcaram presença na mobilização, conversando e dando depoimentos junto aos índios.

Nas redes sociais, até o pré-candidato à presidencia pelo PV, Eduardo Jorge, se pronunciou em defesa dos índios. “Precisamos reconhecer o direito dos povos indígenas à terra e de tomar suas próprias decisões. Reconhecer também a contribuição de sua cultura ao patrimônio universal. Não podemos deixar passar uma PEC como a 215, que torna exclusividade do Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas. O governo brasileiro como um todo deve garantir os direitos dos habitantes ancestrais do Brasil.”

Coletiva denuncia violência

Durante a tarde também aconteceu uma coletiva de imprensa, convocada pelo Comitê Popular da Copa, organizador na marcha de terça-feira, para devolver a violência a quem lhe é de direito, ou seja, denunciar os ataques feitos pela polícia contra a sociedade civil – e não o contrário, como noticiaram maliciosa e oportunistamente alguns veículos da grande mídia.

Segundo balanço divulgado pelo comitê, quatro mil pessoas participaram da passeata que parou o centro de Brasília no final da tarde de ontem. Pelo menos oito manifestantes ficaram feridos, entre eles seis indígenas.

Na entrevista, os representantes do comitê reforçaram que a marcha era pacífica e que foi fechado um acordo prévio com a Polícia Militar para que ela seguisse tranquilamente até o Estádio Mané Garrincha. Segundo os índios que apoiaram o protesto, eles estavam dançando e cantando quando foram surpreendidos pela cavalaria e pela tropa de choque da PM.

“Os indígenas foram vítimas da repressão do Estado em uma caminhada pacífica”, salientou Marcos Xukuru, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). Ele informou que depois que a tropa de choque barrou a passagem dos manifestantes, eles foram atacados por uma saraivada de bombas de gás e de balas de borracha. Xukuru ressaltou que, se houve reação de alguns indígenas, foi em legítima defesa.

Xukuru e outras lideranças indígenas presentes à coletiva voltaram a condenar o fato de o governo gastar bilhões com os estádios e obras da Copa, enquanto as demarcações de terras indígenas continuam paralisadas e as políticas de educação, saúde e proteção dos territórios seguem precárias.