Audiência no Congresso expõe inviabilidade de Belo Monte

Notícia - 10 - jul - 2015
Norte Energia cumpre 30% das condicionantes de mitigação de impactos da obra e mesmo assim pressiona por última licença ambiental; para Ibama "não há pendência"

Com a sessão cheia, maioria dos participantes questionaram a Norte Energia e o poder público por má gestão e, segundo procuradora do MPF, "etnocídio" (© Alan Azevedo / Greenpeace)

Em audiência pública que debateu o cumprimento das condicionantes da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, realizada na quarta-feira (8) na Câmara dos Deputados, os dados apresentados pelo Consórcio Norte Energia, responsável pela construção do empreendimento, e os esclarecimentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em relação às licenças ambientais da obra mostraram uma realidade totalmente diferente do que é constatado na região.

Considerada a terceira maior hidrelétrica do mundo, a Usina de Belo Monte fica no Rio Xingu, no estado do Pará, e está com 70% de sua construção concluída. Agora a Norte Energia aguarda a Licença de Operação, último aval ambiental que permitirá o alagamento de parte do rio para a criação do reservatório. No entanto, a licença final só pode ser concedida com o cumprimento integral de todas as condicionantes de mitigação de impacto. Segundo o vice-governador do Pará, Zequinha Marinho, apenas 30% das condicionantes foram executadas, o que gera um estado de abandono e caos na população afetada.

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Mas outra história foi contada por Thomaz Toledo, representante do Ibama. Segundo os laudos técnicos realizados pelo órgão, 80% dos programas planejados foram instalados adequadamente, enquanto 15% estão em adequação e apenas 5% não estaria concluído. “Das vinte e três condicionantes, não há nenhuma pendência. Isso não quer dizer que está tudo bem. Temos pendente a discussão do plano de enchimento [do reservatório] e metas para o reassentamento da população”, disse ele.

Seu discurso foi alinhado ao de José Anchieta dos Santos, diretor socioambiental do Consórcio Norte Energia, que por sua vez apresentou diversos dados de beneficiamentos oferecidos às populações dos municípios afetados: “Em saúde, todos os hospitais foram entregues, falta apenas um. Para educação foram 54 obras concluídas de 76 planejadas, beneficiando 22 mil alunos. O saneamento teve investimento de 485 milhões de reais e construímos 250km de rede de esgoto...”, entre outros.

Mas esses números ficam longe da realidade quando advogados, pesquisadores, organizações da sociedade civil e movimentos sociais representando os impactados expõem suas experiências com a obra.

“Como pode o Ibama dizer que não há pendência de condicionantes? Basta uma visita a região que fica claro, à primeira vista, o desrespeito com as populações locais”, pondera Danicley de Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil. “Das 31 condicionantes estipuladas ao componente indígena, apenas 18 foram atendidas. Na verdade, nem os planos emergenciais, que precedem a primeira licença ambiental, foram cumpridos”, diz ele.

A Procuradora do MPF no Município de Altamira, Dra. Thais Santi, que acompanha a questão in loco desde 2012, classificou como “etnocídio” o que a empresa Norte Energia e o poder público vem fazendo na região do Rio Xingu. “Em 2009 foram definidos o Plano de Proteção Territorial para Terras Indígenas e Unidades de Conservação, mas nada foi feito. E esses são os planos emergenciais, não condicionantes, que deveriam ter sido feitos ainda antes do início da obra”, explicou ela.

Com o lançamento do “Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação” pelo Instituto Socioambiental (ISA), é possível confirmar o acúmulo dos impactos gerados pela obra na vida das populações locais. Os dados foram expostos por Carolina Reis, do ISA,  que confrontou os posicionamentos dos representantes do Ibama e Norte Energia. “0% de esgoto tratado, aumento de 80% nas taxas de homicídio [...] a Terra Indígena Cachoeira Seca, sem um programa de proteção,  é hoje a mais desmatada do Brasil”, afirmou ela, e perguntou: “O Ibama disse que para ter a Licença de Operação, deveria ser concluída a rede de esgoto, mas as casas ainda não estão integradas à rede. Vão conceder a Licença mesmo assim?”.

O reassentamento de mais de 27 mil pessoas também tem sido uma marca do desrespeito da empresa construtora e do poder público com as populações da região, uma vez que famílias são realocadas longe de suas atividades e modos de vida originais ou recebem uma quantia irrisória de indenização. Para Claudio Santos, da Defensoria Pública da União (DPU) do Pará, os cidadão impactados foram deixados de lado e não tiveram nenhum auxílio para negociar com a Norte Energia – a DPU só chegou na cidade de Altamira no começo desse ano.

“Efeitos colaterais criminosos”

A audiência pública sobre o tema foi solicitada via requerimento dos deputados Júlia Marinha (PSC/PA), Arnaldo Jordy (PPS/PA), Janete Capiberibe (PSB/AP), Simone Morgado (PMDB/PA), Beto Salame (PROS/PA), Zé Geraldo (PT/PA), Altineu Cortes (PR/RJ) e Joaquim Passarinho (PSD/PA), representando as Comissões da Amazônia, Comissão de Meio Ambiente, Comissão de Minas e Energia e Comissão de Direitos Humanos.

Com a sessão cheia, parlamentares aguardavam para se pronunciar sobre as obras de Belo Monte. Mais de uma dúzia de deputados participaram  do debate e ajudaram a construir o cenário da região.

“Estivemos na região e presenciamos um verdadeiro clamor da população”, disse Júlia Marinha. “Cerca de 20 mil trabalhadores da obra serão demitidos esse ano. Para onde eles vão?”, questionou Passarinho. “Quero saber no pós-barragem, quem vai administrar quando a Norte Energia tiver ido embora”, provocou Zé Geraldo.

Mas o destaque ficou para a fala de Arnaldo Jordy, que integra a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia:

“Essa audiência aprovada em quatro comissões simultâneas da Casa revela a gravidade do que estamos vendo em Belo Monte. É a sexta audiência pública ou mesa redonda promovida pela Câmara dos Deputados nos últimos anos em relação ao complexo Belo Monte. Este enclave acontece no estado do Pará, mas que é paradigmático para outras hidrelétricas projetadas para a Amazônia. O objetivo é de produzir 10 milhões de kW de energia, o que vai tonar o Pará maior produtor e distribuidor de energia do Brasil – já que mais de 80% da energia produzida por Belo Monte será destinada a região Sudeste.”

Deputado Arnaldo Jordy segura na mão panfleto com promessas da Norte Energia de 2012 que não foram cumpridas (© Alan Azevedo / Greenpeace)

“O que nós estamos assistindo hoje é praticamente a última fase para a conclusão da obra e as chamadas condicionantes, que eram para mitigar e evitar os efeitos colaterais brutais – e diria que alguns deles criminosos – praticados contra populações indígenas, ribeirinhas, urbanas, assentados, pessoas pobres, que estão hoje sendo vítimas da execução do seu deslocamento e do aviltamento dos direitos mais elementares que o ser humano pode ter em pleno século XXI na execução da maior obra do PAC. Segundo o depoimento ontem do presidente do TCU, mais de 80% dos recursos dessa obra são oriundos do Tesouro, via BNDES e outras instituições. E o que estamos vendo hoje são famílias desesperadas [...].”

“Ao estado do Pará, esse projeto não interessa quase nada. Esse projeto, esse modelo de desenvolvimento – entre aspas – não traz quase nada para o estado do Pará. Esse enclave vai servir aos interesses da produção e do equilíbrio energético brasileiro, mas lá vai ficar o passivo ambiental, social, humano, cultural... e depois, se essa Licença de Operação for autorizada sem que essas condicionantes estejam minimamente cumpridas, vai ser o fim do mundo. É o leite derramado [...].”

“É um apelo que estamos fazendo no sentido que a Licença de Operação não seja liberada até que esse processo possa ser no mínimo equilibrado, para que as populações, nos direitos mais elementares, sejam minimamente respeitadas. Não podemos entrar para a história sendo omissos nessa questão”.

O que preocupa o Greenpeace é que a sanha pelo dito desenvolvimento da nação está longe de oferecer reais ganhos ao povo brasileiro. No entanto, ele continua a ser reproduzido: “esse modelo de ‘desenvolvimento’ perpetuado em Belo Monte, que ignora direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição brasileira, será replicado no Rio Tapajós, onde o mesmo governo, ao propor a construção de sete hidrelétricas, demonstra sua incapacidade de pensar um processo de desenvolvimento nacional em que não precise sacrificar o povo da Amazônia, nem seus rios e suas florestas”, defende Aguiar.

O Consórcio Norte Energia espera que a Licença de Operação seja concedida até setembro, quando é o período da seca do Rio Xingu – única janela do ano onde é possível a finalização da obra. A mesa de trabalhos da sessão deve marcar uma nova audiência pública com os afetados pela obra, Ibama, Norte Energia e o Ministro de Minas e Energia para as próximas semanas.