Crônica da bagunça anunciada

Notícia - 20 - mai - 2011
Toneladas de urânio paradas por dias no pátio de um batalhão da polícia no interior da Bahia chegaram hoje ao seu destino final. Fim de uma trama de descaso do setor nuclear.

Greenpeace testemunha chegada de carregamento de urânio na mina da INB. Em Caetité, presenciamos os desmandos do setor nuclear brasileiro. Juliana Tinoco/Greenpeace

Foram seis dias de novela. Os personagens, a população de duas cidades do interior da Bahia de um lado e representantes do setor nuclear brasileiro de outro. A trama: nove caminhões carregados de urânio viajam 1500 km de Iperó (SP) em direção à Caetité (BA) e são barrados pelos moradores locais. Sem rumo, vão parar no pátio de um batalhão de polícia na cidade vizinha, Guanambi e lá esperam, a céu aberto e à revelia dos moradores. Um enredo de falta de compromisso e despreparo por parte das autoridades.

Um acordo fechado ao final da tarde de quinta-feira, 19 de maio, pôs fim ao impasse. Comprometendo-se a finalmente apresentar os documentos necessários tanto para o transporte, quanto para a garantia da segurança e manutenção da carga, os representantes oficiais designados para o caso convenceram as lideranças locais da cidade de Caetité a entrar com os caminhões na sede da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). O imbróglio, no entanto, está longe do fim. A carga permanecerá lacrada por tempo indeterminado até que sejam preenchidos todos os quesitos de segurança, segundo consta na nova documentação.

(O Greenpeace acompanhou a viagem do comboio, que saiu por voltas das 3h da manhã do dia 20.05 e terminou duas horas depois. A equipe foi barrada pela polícia. Assista ao vídeo abaixo.)

A carga de 90 toneladas de urânio, de propriedade da marinha, veio para a Bahia para ser reembalada na mina administrada pela INB, empresa responsável pelo carregamento, e em seguida enviada para fora do país. Segundo a INB, o motivo da vinda do urânio seria o de complementar a produção da única mina do país, em Caetité, que está abaixo do esperado.

Pensaram os burocratas do setor nuclear que no silêncio da noite daquele domingo, 15.05, os nove caminhões carregados de material radioativo passariam despercebidos. O fato é que a população de Caetité, já cansada dos impactos da mineração de urânio na cidade, decidiu barrar o carregamento, que pensaram, por falta de informação prévia, se tratar de rejeito nuclear. Três mil pessoas, quase 10% da população, fizeram um cordão humano e desviaram o comboio.

Sem apresentarem de pronto os documentos necessários para o transporte de carga radioativa, os caminhões rumaram então para o pátio do batalhão de polícia militar da cidade vizinha, Guanambi. Começava aí uma negociação entre representantes locais, gente que acompanha de perto os impactos da atividade do urânio na vida da população, e os representantes da INB e na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão que ao mesmo tempo autoriza e fiscaliza o programa nuclear brasileiro.

“Enquanto o carregamento de urânio esperava ao relento no batalhão de polícia, atraindo curiosos e deixando a população de cabelos em pé, ninguém via a cara das autorizações de transporte, havia o temor de que se tratasse de lixo atômico, medições de radiação apontavam valores diferentes e, em meio ao caos instaurado, IBAMA e  Ministério de Ciência e Tecnologia mantinham-se em silencio”, diz Pedro Torres, da Campanha de Clima e Energia.

“Transporte de carga radioativa é um tema sério, que envolve a segurança da população. O episódio mostra que a bagunça nos órgãos responsáveis pelo programa nuclear brasileiro resulta em displicência, falta de comprometimento e transparência”, afirma Torres. O Brasil não precisa de energia nuclear, que é cara, suja e perigosa. Podemos ser 100% renováveis com solar, eólica e biomassa, as verdadeiras energias do futuro”, conclui.

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