Não se pode afundar um arco-íris

Notícia - 12 - jul - 2010
Um dia para homenagear o passado e planejar o futuro: 10 de julho, data do ataque ao Rainbow Warrior I e do lançamento da 3ª geração do navio ícone do Greenpeace.

Protesto contra testes nucleares no Atol de Mururoa, no Pacífico. © Greenpeace / Steve Morgan

Há 25 anos, um símbolo da luta ambiental no mundo afundava. No dia 10 de julho lembramos o bombardeio do primeiro navio a ostentar o título de Rainbow Warrior, atacado pelo serviço secreto francês em águas neozelandesas. A data, este ano, é também de comemoração: é o lançamento do projeto do terceiro Rainbow Warrior, idealizado para ser um veleiro inovador, inteiramente sustentável e com baixa emissão de carbono.

Noite de 22 de junho de 1985, porto de Parengarenga, Nova Zelândia. Um barco atraca com quatro franceses, um bote inflável, aparelhos de mergulho e 25 quilos de explosivos escondidos a bordo. Equipamentos designados para realizar uma operação do governo francês de codinome Satânico.

Duas semanas após a secreta chegada da embarcação francesa, em 10 de julho de 1985, era noite de festa a bordo do navio Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-Íris), ancorado no porto da cidade neozelandesa de Auckland. Comemorava-se não apenas o aniversário do americano Steve Sawyer, diretor do projeto anti-nuclear do Pacífico Sul, como o sucesso em si da cruzada contra testes nucleares franceses na região, que já havia percorrido o Hawai, as Ilhas Marshall, Kiribati e Vanuatu e rumava para o Atol de Mururoa.

Enquanto o bolo era cortado na mesa da área comum do barco, os mergulhadores franceses Jacques Camurier e Alain Tonel, membros da operação Satânico, a mando do governo do presidente Francois Mitterrand, implantavam bombas no casco do Rainbow Warrior, uma sob a sala de máquinas, outra na hélice. Após realizarem esta missão, reuniram-se com comparsas em um carro alugado, deixando para trás o bote que usaram.

“Eu estava deitado na minha cabine, tinha acabado de cair no sono”, conta Peter Willcox, capitão do navio na época, “quando acordei com o barulho e o tremor da primeira explosão. Imediatamente imaginei que algum barco tivesse batido em nós, o que seria muito estranho, pois não tinha ouvido barulho de aproximação de barcos. Corri de toalhas amarradas na cintura para ver o que tinha acontecido”, conta.

Poucos minutos se passaram, apenas o suficiente para que Peter alcançasse a sala de máquinas já coberta de água e o segundo estrondo foi ouvido. Desta vez, a reação foi imediata: “Abandonar o navio”, disse o capitão. Na sala de encontro, onde os resquícios da pequena comemoração ainda entretinham alguns dos tripulantes, a luz que se apagou imediatamente após a primeira bomba levou o fotógrafo português Fernando Pereira a correr para sua cabine, no subsolo do navio, para buscar a máquina. Quando todos haviam alcançado terra firme e já assistiam ao navio começar a afundar, ele foi o único a não aparecer.

Galeria de fotos - Rainbow Warrior

Uma tragédia imprevisível

“Era do conhecimento público que o Greenpeace, com o Rainbow Warrior, em parceria com outros navios, iria a Mururoa para o protesto contra os testes nucleares franceses. Naquela noite, nossa tripulação e a dos outros barcos estavam reunidas para planejar a partida”, conta Rien Achterberg, um dos tripulantes. “Sabíamos que haveria oposição do governo francês, mas ninguém poderia prever aquela reação. Depois descobrimos que havia até uma espiã francesa trabalhando na sede do Greenpeace na Nova Zelândia como voluntária”, revela Achterberg.

Martini Gotje, primeiro imediato do Rainbow Warrior, ainda se recorda do acontecimento com uma pontada de culpa pela morte do amigo Fernando Pereira, a quem assistiu descer para a cabine na hora do primeiro estrondo. “Permanece sempre na minha cabeça o arrependimento de não ter pego o Fernando pelo pescoço e impedido que ele descesse”, revela Gotje. “Mas ele fez o que achou certo, não havia como prever a tragédia”. A polícia acredita que Pereira, ou perdeu a consciência no momento da bomba, ou ficou preso na cabine e morreu afogado.

O carro alugado pelos franceses, visto por testemunhas na noite do crime, assim como indícios deixadas no bote abandonado após a operação conduziram a polícia neozelandesa sem muita dificuldade à captura dos agentes secretos envolvidos na missão. “Nós brincamos que os franceses deixaram para trás todas as pistas necessárias para serem descobertos. Só faltou esquecerem uma baguette com uma garrafa de vinho no bote”, conta Willcox.

O bombardeio encerrou a trajetória do primeiro Rainbow Warrior, navio que havia sido recuperado pelo Greenpeace em 1977 de um atracadouro em Londres, comprado em parceria com a World Wildlife Fund (WWF), remodelado e que levantou âncora pela primeira vez em 1978, orgulhosamente ostentando as bandeiras do Greenpeace e das Nações Unidas, para caracterizar o internacionalismo de sua tripulação. Hoje jaz no fundo do mar da Ilha Cavalli, na Nova Zelândia, como recife artificial.

Afundaram um navio, não o arco-íris

Em substituição ao primeiro, o Rainbow Warrior que hoje navega por mares mundiais é um navio de 1957, também inglês. Comprado pelo Greenpeace em 1987, passou dois anos em reforma para se tornar uma embarcação própria para ações. Sua primeira e única visita ao Brasil aconteceu durante o evento Eco-92, no Rio de Janeiro, para a abertura do escritório da organização no Brasil.

Confira a webcam ao vivo do navio Rainbow Warrior II.

Seguindo os passos do primeiro antecessor, o navio já enfrentou todo tipo de empreitada, desde ajuda humanitária a pessoas de áreas contaminadas por radiação e ameaçadas por tsunamis, até protestos e ações contra a caça de baleias, o aquecimento global e outros crimes ambientais. Em breve, chegará o momento deste velho guerreiro também descansar.

“Quando o Rainbow Warrior original foi bombardeado, os tempos eram outros. A ameaça dos testes nucleares era o nosso maior temor e as preocupações sobre mudanças climáticas estavam apenas começando”, diz Kumi Naidoo, Diretor Executivo do Greenpeace. “O navio sempre esteve à frente do desafio de promover mudanças ambientais no mundo, tornando-se um símbolo de ação não-violenta e um estandarte de esperança para milhões. Mais do que nunca, o mundo precisa de esperança, de ação. O mundo precisa de um Guerreiro do Arco-Íris”, complementa.

Ilustração do Rainbow Warrior III feita pela empresa marítima Dykstra. © Dykstra

O Rainbow Warrior III tem como projeto, pioneiro no mundo, ser um barco totalmente sustentável, com reduzida emissão de carbono. Idealizado pela empresa holandesa Gerard Dijkstra, especializada em engenharia naval, ele será um veleiro – que usa energia dos ventos no lugar de combustíveis fósseis -, podendo mudar sua operação para motor, no caso de condições climáticas adversas.

O barco usará tecnologia energeticamente eficiente e o casco será desenhado para aproveitar ao máximo o uso de combustível. O calor criado pelos geradores será reaproveitado no aquecimento da água utilizada a bordo e para o pré-aquecimento das máquinas.

“A construção do Rainbow Warrior III é a melhor forma do Greenpeace afirmar que acredita no futuro do planeta. Eu permaneço um otimista. Construir um navio inteiramente sustentável usando apenas o dinheiro de doações de pessoas físicas, sem o envolvimento de empresas, ou de governos, é a maior prova de que ainda podemos promover sérias mudanças”, conclui o capitão Peter Willcox.

Tópicos