PEC do Genocídio avança na Câmara

Notícia - 28 - out - 2015
Sonho antigo dos ruralistas, mudança à Constituição que acaba com os direitos dos índios no Brasil foi aprovado em Comissão da Câmara dominada pela bancada símbolo do retrocesso

Deputados em favor dos direitos indígenas deixam sessão antes do início da votação para deslegitimar o processo. (© Gustavo Lima / Agência Câmara)

“Vamos votar. Ficou só nós agora”. A fala do deputado Nilson Leitão (PSDB/MT), que é investigado pelo Ministério Público por atuar contra os índios e preside a Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, resume bem o que aconteceu ontem, dia 27, na votação que aprovou o texto que muda o processo de demarcação de Terras Indígenas e quilombolas. Após os deputados do PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL e Rede que defendem os direitos indígenas se retirarem da votação levantando placas em protesto contra a PEC 215, os ruralistas aprovaram a emenda.

Segundo o texto, que recebeu alterações de última hora, o reconhecimento e homologação desses territórios passarão a ser feitos por lei de iniciativa do Executivo ao invés de decreto. Com isso, a palavra final ficaria a cargo do Congresso Nacional ou, em outras palavras, nas mãos da bancada ruralista. Assim, novas demarcações ficariam inviabilizadas, além de colocar em risco muitas das que já existem. Não é à toa que os indígenas a chamam de PEC do Genocídio.

“Quando essa Comissão foi criada, achei que era com o objetivo de ser uma Comissão de negociação. Mas na verdade era uma Comissão de imposição e perdemos as esperanças de qualquer tipo de conciliação”, disse o deputado Sarney Filho (PV/MA) e defendeu, exaltado: “Se amanhã tivermos mortes, se amanhã tivermos uma revolução indígena, a culpa vai ser dos senhores”.

O deputado Alessandro Molon (Rede/RJ) foi o último a defender os direitos indígenas antes de um protesto organizado pelos deputados desfavoráveis à proposta:  “A história do Brasil é a história da opressão e do massacre dos que estavam aqui antes. E nós não queremos ver mais mortes. Não vamos votar para não legitimar esse processo. Vamos nos retirar, e que o senhor registre em ata. [A PEC 215] Vai provocar um banho de sangue no campo brasileiro”.

Indígenas ficaram do lado de fora cantando e mostrando cartazes (© Alan Azevedo / Greenpeace)

Mais uma vez os indígenas foram impedidos de participar da sessão e tiveram de ficar do lado de fora. Houve empurra-empurra com os seguranças, mas a situação logo se acalmou e os índios iniciaram cantos e danças em protesto. Além disso, índios de todo o Brasil fecharam quatorze rodovias de dez estados diferentes contra a votação da PEC 215.

“Na floresta, os índios são constantemente amaçados por madeireiros, pela invasão do agronegócio, pelas queimadas, pelo garimpo, pela grilagem... Mas são nas salas refrigeradas de Brasília que está sendo confeccionado o exterminio em massa dessas populações. Ao negar os direitos indígenas os deputados da bancada ruralista, sob a falsa alegação de representarem quem produz comida nesse país, promovem o que existe de mais atrasado e preconceituoso na política nacional”, defende Danicley de Aguiar, da campanha da Amazônia do Greenpeace.

Alterações no texto

Ao longo da sessão, parlamentares contra e favor da proposta criaram um debate tenso, principalmente porque o texto havia sido modificado mais cedo, na mesma manhã, após reunião pela manhã com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Segundo o relator Osmar Serraglio (PMDB/SC), a principal mudança prevê uma tramitação semelhante à de uma Medida Provisória, que é um Projeto de Lei de iniciativa do Executivo e deve ser votado pelo Congresso Nacional. Serraglio anunciou também a criação de uma vaga de Deputado Federal que representaria os interesses dos índios – isso frente a cerca de 200 cadeiras controladas pelos ruralistas.

Além dos novos pontos, vale lembrar que o texto também proíbe a ampliação de territórios indígenas já demarcados, estabelece o direito de indenização aos proprietários de terra e estabelece o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituinte, como marco temporal para definir o que são terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e quilombolas.

A PEC 215 é de 2000, ou seja, tramita há 15 anos na Casa. Agora ela segue para votação do Plenário da Câmara dos Deputados. Em seguida ela vai para apreciação do Senado, que já se manifestou contrariamente à emenda em um manifesto assinado por 48 senadores.