PL de acesso à biodiversidade atende aos interesses das grandes indústrias

Notícia - 2 - mar - 2015
Após reunião com o secretário-executivo do MMA, representantes dos povos tradicionais e pequenos agricultores temem aprovação apressada do PL 7.735

“Esse Projeto de Lei tramitou rasgando nossos direitos. Esse PL corta uma série de conquistas históricas”. Esse era o tom dos representantes dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares do Brasil após a reunião da sexta-feira passada no Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o secretário-executivo Francisco Gaetani. O encontro tratou do Projeto de Lei nº 7.735, que prevê regulamentar o acesso, a exploração econômica e a repartição de benefícios da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, como também dos conhecimentos tradicionais associados. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue para o Senado em regime de urgência.

Segundo os representantes – Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Marciano Toledo da Silva, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Puyr Tembé, da APIB –, o projeto que pretende anular e restringir direitos de povos tradicionais e pequenos agricultores foi formulado a portas fechadas, excluindo-os do processo de elaboração. A falta de debate ou consulta é uma clara violação à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e também à Constituição Federal.

Curiosamente, sua formulação excludente contradiz o que diz o próprio texto. O PL prevê, no art. 8º § 1º e no art. 10º incisos III e IV, que os povos/comunidades precisam ser consultados quanto ao uso sustentável e repartição de benefícios sobre seus conhecimentos tradicionais associados.

Uma coletiva de imprensa foi organizada em frente ao MMA após a reunião, dando voz à comissão que repudia o PL. “O pedido que fizemos ao secretário é retirar o status de urgência da tramitação”, explicou Toledo. Segundo ele, o formato do texto não permite grandes mudanças: “há muitas brechas para que nossas demandas não sejam contempladas. Ficamos decepcionados”.

Coletiva de imprensa do lado de fora do MMA com os representantes dos povos tradicionais e pequenos agricultores. Com a voz, Marciano Toledo (© Alan Azevedo / Greenpeace)

 

Atendendo aos interesses dos setores farmacêuticos, de cosméticos e do agronegócio, o PL expropria a biodiversidade e conhecimentos seculares dessas comunidades e ameaça programas sociais para a segurança e soberania alimentar. Um exemplo claro é a descaracterização das sementes crioulas, sementes orgânicas desenvolvidas por pequenos agricultores após muitas trocas e experiências. “O texto diz que o Estado vai definir o que é semente crioula, ou seja, desconstruir um trabalho nosso de gerações”, explica Belo, que continua: “Políticas públicas como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] estão em risco, sendo que elas garantem o sustento de muitas famílias produtoras”.

Para a índia Puyr Tembé, liderança do Povo Tembé do Pará, esse ataque violento e reducionista é mais um sinal de que o Governo brasileiro não tem olhos para os povos tradicionais. “Essa Casa não vai ficar em paz. Estaremos aqui toda semana!”, prometeu.

“Muito interessado”

Após a coletiva, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente Francisco Gaetani e sua equipe receberam os jornalistas para esclarecimentos.

Perguntado por que os povos tradicionais e os agricultores familiares foram excluídos do desenvolvimento do PL, o secretário disse que “houve participação, houve conversas, mas não com a frequência que o pessoal gostaria”.

Para Danicley Aguiar, coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, “não se pode tolerar que um governo tenha dois pesos e duas medidas em relação a participação popular”. Ele explica que, quando interessa ao governo, como na construção do novo marco regulatório da comunicação, “mobiliza-se céus e terras para garantir diferentes posições; mas, ao mesmo tempo, se ignora solenemente as vozes do povo quando o tema é a agenda ambiental”.

Sobre o regime de urgência, Gaetani afirmou que o pedido foi feito em junho pelo setor privado, “muito interessado no projeto”, e desde então o PL tramita velozmente pelos plenários. “A ministra [do MMA, Izabella Teixeira] conversou com o Renan Calheiros [presidente do Senado] sobre a importância do projeto, mostrando o apoio do Ministério. O PL é encorpado, robusto e deve ir pra frente”.

Secretário-executivo do MMA, Francisco Gaetani atende imprensa para esclarecer o PL 7.735 (© Alan Azevedo / Greenpeace)

 

Protocolo de Nagoya

No entanto, para Gaetani, o texto deve ser aprimorado. O secretário-executivo ressaltou que ele contém dois pontos muito importantes para o governo: um diz respeito às competências do Ibama e, o outro, ao Protocolo de Nagoya, acordo internacional sobre o acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios de sua utilização, do qual o Brasil não faz parte.

“Para destravar Nagoya, precisamos da legislação nacional. Então é necessário que a legislação nos dê conforto para avançar nessa questão”. Os países que assinam o Protocolo de Nagoya se obrigam a respeitar mutuamente o direito uns dos outros. No entanto, segundo Gaetani, “nossas leis internas ainda não são suficientes para incorporarmos o País no Protocolo”. E completou: “o Brasil vai ser um dos grandes beneficiários do acordo, graças a lei internacional de repartição de patrimônio. Todos vão ganhar”.

No entanto, fica claro que alguns já começaram perdendo. “O Congresso não foi criado para atender ao interesse do setor privado, mas sim ao do setor público”, explica Danicley. Da mesma forma que outros temas nacionais são atropelados pelas demandas do setor privado, como o Código Florestal, o Código de Mineração e a construção de hidrelétricas na Amazônia, a aprovação desse PL mostra uma vez mais a força que as empresas privadas exercem tanto no Poder Executivo como no Congresso Nacional.