Quem vai aprovar a PEC do Genocídio?

Notícia - 19 - out - 2015
Proposta de texto que paralisa a criação de áreas como territórios indígenas pode ser votada amanhã, consagrando o avanço do agronegócio e do desmatamento em detrimento dos direitos indígenas e das políticas climáticas

(© Alan Azevedo / Greenpeace)

Atualizado às 18h48 de 20/10/15

A votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, ou a PEC do Genocídio, está cada vez mais próxima. A iniciativa que prevê transferir o poder de demarcação de Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação (UCs) do Poder Executivo ao Congresso Nacional volta à pauta da Câmara dos Deputados amanhã, dia 21, ao meio-dia. O texto pode ser submetido à deliberação pelo presidente da Comissão Especial que analisa a PEC 215, deputado Nilson Leitão (PSDB/MT).

Hoje foi realizada uma audência deliberativa pela Comissão Especial e em uma manobra ruralista a presença dos índios no debate foi proibida. O plenário da reunião foi mudado de última hora e as lideranças indígenas e quilombolas que aguardavam no local original foram impossibilitadas pela segurança legislativa de entrar na nova sala.

Seguranças impedem entrada de indígenas no plenário (© Alan Azevedo / Greenpeace)

A portas fechadas, os deputados aprovaram as atas de reuniões passadas e discutiram o teor da proposta de forma acalorada. Nesse meio tempo, a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americano (OEA) recebia de lideranças indígenas denúncias sobre a violência do País contra os povos tradicionais.

A votação não aconteceu até o momento em que se abriu a ordem do dia, que é quando os deputados se encontram na plenária central para debater e votar propostas já aprovadas pelas comissões. No entanto, uma nova reunião foi marcada para amanhã ao meio dia.

Quem aponta é o presidente da mesa, deputado Nilson Leitão (PSDB/MT). Ao seu lado direito está o deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR). (© Alan Azevedo / Greenpeace)

A atual legislatura do Congresso conseguiu formar uma das maiores bancadas ruralistas da história: de 513 deputados, cerca de 250 apoiam indiretamente os interesses do agronegócio. É nesse contexto que mais de cem iniciativas do Legislativo atentam contra os direitos indígenas reconhecidos na Constituição Federal de 1988. A PEC 215, na prática, travaria todos os processos de demarcação e homologação de TIs, deixando inúmeros povos à mercê da grilagem de terra, garimpo ilegal, extração de madeira e toda a violência que essas atividades ilícitas trazem consigo – dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) revelam que apenas no ano passado 295 índios foram vítimas de tentativa de assassinato e outros 138 foram de fato assassinados.

TIs e UCs são áreas protegidas fundamentais ao equilíbrio climático e à manutenção dos mananciais de águas e outros serviços ambientais. Os territórios indígenas, inclusive, são comprovadamente as regiões com menores índices de desmatamento do Brasil. Levando em conta o atual cenário de negociações climáticas, controlar o desmatamento, que é um dos principais vetores de emissão de gases de efeito estufa, deveria ser a prioridade número um do governo brasileiro.

No entanto, segundo manifesto assinado por mais de 70 organizações da sociedade civil, com a aprovação da PEC 215 grandes empreendimentos serão permitidos dentro dessas áreas protegidas, tais como: hidroelétricas, mineração, agropecuária extensiva, implantação de rodovias, hidrovias, portos e ferrovias.

Para Danicley de Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, "A PEC do Genocídio tem o claro interesse de sujeitar o reconhecimento dos direitos territoriais das populações quilombolas, extrativistas e especialmente dos povos índígenas aos interesses do agronegócio nacional, incorporando ou mantendo estes territórios no vigoroso mercado de terras que alimenta o avanço da fronteira da agropecuária nacional”.

O Greenpeace defende que o Brasil já desmatou demais e tem um estoque de terras cultiváveis capaz de suportar toda a cadeia de produção agropecuária sem ter que derrubar mais nenhum palmo de floresta. Um exemplo claro disso é o estado do Mato Grosso do Sul. Segundo o IBGE, são mais de 21 milhões de cabeças de gado ocupando pouco mais de 20 milhões de hectares. Por outro lado, o povo Guarani Kaiowá ocupa 35 mil hectares com uma população total de 46 mil indígenas. Há mais pasto para um boi do que terra para uma família indígena criar os filhos, produzir o próprio alimento e enterrar seus mortos.

“Não tem fundamento o agronegócio reivindicar mais terra. As TIs somam apenas 12% de todo o território nacional, enquanto que a área ocupada por estabelecimentos agropecuários abocanha nada menos que 41%”, compara Aguiar, que conclui: “Se considerarmos a função constitucional dos territórios indígenas, o discurso ruralista de que é muita terra para pouco índio é uma falácia, que só se sustenta no ódio e no preconceito daqueles que negam aos povos tradicionais desse país o direito de existirem segundo suas próprias culturas”.

Caso a PEC 215 seja aprovada amanhã pela Comissão Especial que a analisa, o texto seguirá para ser apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados, onde por tradição deveriam estar traduzidos os interesses do povo brasileiro e não os interesses corporativos que suportam a PEC do Genocídio.