Uma dívida para sempre com o Xingu

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Notícia - 17 - nov - 2016
Roda de conversa realizada em Alter do Chão discute impactos causados por Belo Monte e a preocupação com as futuras hidrelétricas planejadas para o rio Tapajós

Roda de conversa sobre os impactos das hidrelétricas na Amazônia, durante o Festival das Águas (© Greenpeace)

 “As experiências de Belo Monte são as piores possíveis”. É assim que Antonia Melo, liderança do movimento Xingu Vivo, define, cerca de um ano após o enchimento do reservatório, o que aconteceu e continua acontecendo em Altamira e no rio Xingu, com a instalação de Belo Monte.

A fala aconteceu durante uma roda de conversa que reuniu lideranças, pesquisadores, representantes de movimentos sociais e organizações não governamentais para discutir as hidrelétricas na Amazônia. O evento foi parte da programação do Festival das Águas, realizado em Alter do Chão, no Pará, no rio Tapajós, para mobilizar a sociedade sobre a importância das águas e dos rios para o Planeta.  

A trajetória de Antonia Melo na luta contra Belo Monte teve início quando o projeto ainda estava no papel. Desde então, ela viu Belo Monte ser cancelada para depois ressurgir com força total durante o governo Lula. Quando a obra se tornou realidade, Antonia teve que deixar sua casa, suas memórias e a história de uma vida para trás. Hoje Belo Monte está construída, com cinco turbinas em funcionamento, mas isso não significa que a luta tenha chegado ao fim. Os impactos causados por esse “monstro”, como Antônia e muitos outros que acompanharam de perto a hidrelétrica a definem, continuam acontecendo a olhos nus e precisam ser monitorados e discutidos para não se repetirem com a construção de novas hidrelétricas na Amazônia.

“Belo Monte para nós não é fato consumado, é uma desgraça, eles têm uma dívida para sempre com as populações do Xingu”, disse Antonia. “A luta contra essa forma de gerar energia destruindo o rio, as florestas e as populações continua. Gostaríamos que vocês ficassem atentos para todas as lições que Belo Monte trouxe para os povos do Xingu e que não queremos que se repitam no Tapajós”.

Altamira, no Pará, onde está Belo Monte, sofre com problemas graves na área da saúde, educação e violência, especialmente contra mulheres, crianças e adolescentes. A obra está mudando ainda todo o ecossistema da região sediada abaixo da barragem, afetando a vida dos povos indígenas que vivem a jusante do reservatório e que hoje não conhecem mais o rio que é vital para a sua sobrevivência, pois a água que agora chega para eles depende do controle da vazão realizado pela barragem.

Quando o lago da usina começou a ser formado, entre o final do ano passado e começo deste ano, foi constatada a morte de mais de 16 toneladas de peixes na região de Altamira. Atualmente, os peixes mostram sinais de doenças, como cegueira e a presença de parasitas. “Hoje em dia a gente sai pra pescar mas não sabe se vai pegar comida, não sabe o que vai acontecer. Antes, quando o rio enchia, você sabia os tipos de peixe que ia encontrar, hoje não existe mais isso”, disse Elinalva Juruna.

Acari, peixe muito comum na região de Altamira, cego e com parasitas (Foto: © Torkjell Leira)

Lições que não podem se repetir

“O pior de Altamira é que o mundo está vendo a lição ali na frente e estão tentando acabar mais ainda”, disse Raimunda Gomes, pescadora afetada por Belo Monte. Para além desta hidrelétrica, existem mais de cem projetos que o governo insiste em propor para a Amazônia, como é o caso das barragens no rio Tapajós, onde vive o povo Munduruku.

“As hidrelétricas são parte de uma visão estatal que enxerga a Amazônia como província mineral e energética, apenas, como se não houvesse ninguém vivendo nela”, explicou Danicley de Aguiar, do Greenpeace. “Mas o rio, na Amazônia, é o elemento principal do bioma, se você começa a bloquear o fluxo de sedimento e toda a vida que está no rio, a pergunta é o que acontece com o bioma, o que acontece com a bacia amazônica. Está tudo em risco”, afirmou ele.

Recentemente, a maior hidrelétrica prevista no rio Tapajós foi cancelada, porém, ainda existem pelo menos outras 40 planejadas ou já em construção apenas na bacia do rio Tapajós. O povo Munduruku luta para que nenhuma dessas hidrelétricas saia do papel e para que seu território tradicional no médio Tapajós seja finalmente demarcado. Mais de 1,2 milhão de pessoas ao redor do mundo também apoiam essa causa. “Hoje a nossa luta tem que ser com argumentos, com a Constituição, a Convenção 169”, disse Karo Munduruku. “Quero chamar a todos vocês para se unirem na luta contra esse mal que está tirando o sono dos caciques, das crianças e de todos que moram no rio”, finalizou ele.

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