Vanguarda do retrocesso

Notícia - 16 - mai - 2014
Em resposta ao artigo "O verde que escraviza" publicado pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), Greenpeace defende agroecologia e relação de mais liberdade com o Estado.

Em 2009, três ativistas do Greenpeace foram detidos no Senado após tentarem entregar à senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) uma faixa de Miss Desmatamento. Episódio marcou MP da Grilagem’, assim conhecida por permitir a legalização da invasão de terras na Amazônia. (©Greenpeace)

A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), em artigo “O verde que escraviza”, publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 3 de maio, fez duras críticas à Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional.

Afirmou que a organização defende um modelo de produção agrícola em que não há espaço para a liberdade e para o indivíduo proposto por Naidoo durante participação no Global Agribusiness Fórum. Seria “um paraíso verde, cheio de escravos, pesadelo com o qual não queremos sonhar” nas palavras da senadora.

O Greenpeace publicou, hoje, uma resposta na Folha de S. Paulo à senadora e aponta para o problemático modelo de relação com o Estado que, na verdade, é proposto por Kátia. 

Leia na íntegra:

Em seu artigo “O verde que escraviza”, a senadora e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Katia Abreu (PMDB-TO), acusa o Greenpeace de propor um modelo de produção agrícola em que não há espaço para a liberdade e para o indivíduo.

Tal atribuição é absurda já que, em sua recente visita ao Brasil, o diretor-executivo internacional do Greenpeace, Kumi Naidoo, defendeu a transição para a agroecologia e não “um paraíso verde cheio de escravos” como a senadora afirma.

A agroecologia permite maior diversidade de culturas, o que significa mais qualidade para a lavoura e a diminuição das perdas provocadas pelas pragas que atingem a monocultura. Só a ferrugem asiática, por exemplo, levou a perdas de US$25 bi nos últimos dez anos para o país.

O problema da senadora Kátia Abreu é que ela mantém com o Estado uma relação oportunista. Acredita que este existe para satisfazer seus desejos e os dos grupos mais atrasados da agricultura nacional, defendendo sua mão pesada quando é para proteger seus interesses. Já quando se sente ameaçada – por exemplo, quando o Greenpeace pede a ação do Estado para proteger o meio ambiente – ela o ataca.

A agroecologia é acusada pela senadora de propor que o Estado tome as terras de seus proprietários para distribuí-las entre os pequenos produtores. Irônico ou não, isso já vem sendo feito no país. As terras saem do controle do Estado para irem para as mãos de particulares, só que apenas dos grandes produtores e latifundiários. Vale lembrar o que aconteceu em 2009 quando o governo editou a MP458, muitíssimo defendida pela senadora, e conhecida como ‘MP da Grilagem’ por permitir a legalização da invasão de terras na Amazônia.

Foram 66 milhões de hectares, um território igual ao da França e da Alemanha, somados, que foram para particulares, configurando um estímulo permanente para que leis sejam confrontadas, florestas sejam depredadas e índios e trabalhadores rurais sejam desrespeitados.

Outro momento memorável relacionado a ‘MP da Grilagem’ é que a senadora Kátia, esta ferrenha defensora da liberdade, justamente perdeu um processo contra o Greenpeace no qual pedia indenização por danos morais após protesto em que era chamada de ‘Miss Desmatamento’. A decisão unânime dos desembargadores indicou que "não houve (...) exercício abusivo da liberdade de manifestação do pensamento e da expressão" e que "a liberdade de pensamento não pode ser tolhida nesse caso, já que atende plenamente ao interesse da sociedade".

Falando em “paraíso verde cheio de escravos”, é a senadora Kátia quem tem empregado esforços para alterar a PEC do Trabalho Escravo e para barrar a Lista Suja do Trabalho Escravo no Supremo Tribunal Federal. Para engrossar o caldo, a CNA também se opôs à formação de um cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravos.  

Além disso, ao opor-se às atribuições da Anvisa de controlar o uso de agrotóxicos no país (em 2013 foram consumidos um bilhão de litros no Brasil, uma cota per capita de 5,2 litros por habitante, das maiores do mundo) e ao afirmar que milhares de brasileiros que ganham salário mínimo precisam se alimentar com agrotóxicos, fica claro que para a senadora Kátia o Estado não serve à defesa da sociedade civil e dos indivíduos. O que ela quer, na verdade, é que este atenda aos interesses da vanguarda do atraso da agricultura brasileira da qual é líder.

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