A área da gleba Nova Olinda, localizada entre os municípios de
Santarém e Juruti, no oeste do Pará, é palco de conflitos entre
madeireiros, grileiros e comunidades ribeirinhas desde 2002. Desde
que o governo do estado assumiu a aprovação de planos de manejo
florestal, há um ano, a situação tem ficado cada vez mais séria na
região, com o agravamento da extração ilegal de madeira, grilagem
de terras e violência contra as comunidades. O Greenpeace
sobrevoou, na semana passada, a região do conflito e se reuniu com
as comunidades locais e representantes dos governos federal e
estadual.
"Estivemos na região a pedido das
comunidades e verificamos que realmente existem planos de manejo
florestal aprovados sem vistoria prévia ou monitoramento adequado",
relata o engenheiro florestal Marcelo Marquesini da campanha da
Amazônia do Greenpeace.
O caso da gleba Nova Olinda é mais um exemplo de como a ausência
de governança continua provocando desmatamento e conflito fundiário
na Amazônia. A extração madeireira realizada dentro e fora de áreas
de manejo aprovadas pela gestão passada da Secretaria Estadual de
Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) é acompanhada por cooptações,
intimidações, ameaças de morte e expulsão de moradores
tradicionais.
Manuel Matos, secretário do Sindicato de Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Santarém (STR), é uma das lideranças que
enfrenta a violência permitida pela omissão do poder público. "De
2002 para cá, foram 41 ofícios enviados para diferentes órgãos
estaduais e federais, com relatos, documentos, abaixo-assinados,
denúncias e solicitações de providências para resolver os conflitos
na gleba. Nada aconteceu. Pelo contrário, só piorou, porque os
madeireiros se instalaram na área com autorizações dadas pelos
próprios governos", conta Matos.
O conflito que se arrasta nos últimos anos poderia ter sido
evitado com a criação de unidades de conservação ou projetos de
assentamentos agroextrativistas que visam garantir o direito à
terra aos moradores da região e o uso responsável dos recursos
naturais, combatendo as investidas de madeireiros e grileiros.
Desde 1997, quando a Reserva Extrativista Federal
Tapajós-Arapiuns, vizinha à área da gleba Nova Olinda, foi criada,
os comunitários demandam ações do governo para também ter
regularizado o seu direito à terra.
Entretanto, uma manobra dos madeireiros, com a conivência do
Instituto de Terras do Pará (Iterpa), teria precipitado a
demarcação de lotes individuais na gleba, facilitando a entrada de
grupos originários do sul do país a partir de 2004.
Com a descentralização da gestão florestal na Amazônia (veja
nota sobre a descentralização), intensificada pelo governo federal
a partir da aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, em
março de 2006, os grupos começaram a receber autorizações da Sectam
para explorar a madeira, ignorando o pleito das comunidades.
O Iterpa emitiu seis autorizações de detenção de imóvel rural,
em lotes cujas áreas variam entre 2 mil e 2,6 mil hectares, para
Alfredo Sippert, Francisco Souza, Jeferson Azulay, Rosenil Souza,
José Ramos de Oliveira e Erivan Rodrigues Apinagés. O sobrevôo do
Greenpeace identificou exploração madeireira fora das áreas de
manejo concedidas para os quatro primeiros nomes (veja mapa em alta resolução).
Além disso, as áreas em nome de Alfredo Sippert, José Ramos de
Oliveira e Rosenil Souza apresentam grande número de clareiras
provocadas por extração de madeira sem o uso de técnicas de redução
de impacto. "Os danos à vegetação remanescente são nítidos",
comenta Marquesini.
"Depois que entraram as máquinas, começaram a descer as balsas
carregadas de madeira. Eles saem no final de semana e sempre passam
sábado de noite em Santarém, no escuro", relata o secretário do
STR. Manuel Matos conta que os comunitários decidiram entrar em
contato com o Greenpeace porque estariam cansados de agir por meio
de documentos. "Tivemos pela primeira vez a oportunidade de
sobrevoar a área. A gente fica muito sentido de ver aquela floresta
como ela está sendo destruída, e a aquela população que era muito
tranqüila e agora vive com medo", lamenta.
"Atividades como licenciamento de propriedades rurais,
autorizações de manejo florestal e desmatamento, monitoramento e
fiscalização foram transferidas aos órgãos ambientais estaduais,
sem que tais órgãos adequassem sua estrutura operacional,
estabelecessem boas normas de governança, transparência
administrativa e controle social", explica Marquesini. "Isso é
particularmente grave no caso dos estados amazônicos, onde as
deficiências administrativas dos órgãos ambientais são notórias e
flagrantes", complementa.
Em 2003, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) já havia constatado crimes na área, mas
nada de efetivo foi feito para reverter o quadro de irregularidades
que envolvem a destruição de floresta primária, a abertura de
estradas sem autorização, o desmatamento para abertura de pistas de
pouso e a extração ilegal de madeira, inclusive em áreas de
preservação permanente. À época, foram apreendidas máquinas, armas
e munições, posteriormente devolvidas pela Justiça estadual. A
fiscalização do Ibama só retornou na área no final de 2006, após
muita solicitação das comunidades.
"Por ironia do destino, no mesmo dia em que documentávamos as
irregularidades, o ex-secretário da Sectam, Raul Porto, que assinou
as autorizações de manejo florestal na Gleba Nova Olinda, era preso
pela Polícia Federal por suspeita de corrupção", lembra
Marquesini.