Conflito no Pará aguarda ação do governo

Notícia - 21 - mar - 2007
Cresce tensão na gleba Nova Olinda, onde omissão dos governos acirra atritos entre comunidades, madeireiros e grileiros. Até quando?

A área da gleba Nova Olinda, localizada entre os municípios de Santarém e Juruti, no oeste do Pará, é palco de conflitos entre madeireiros, grileiros e comunidades ribeirinhas desde 2002. Desde que o governo do estado assumiu a aprovação de planos de manejo florestal, há um ano, a situação tem ficado cada vez mais séria na região, com o agravamento da extração ilegal de madeira, grilagem de terras e violência contra as comunidades. O Greenpeace sobrevoou, na semana passada, a região do conflito e se reuniu com as comunidades locais e representantes dos governos federal e estadual.

"Estivemos na região a pedido das comunidades e verificamos que realmente existem planos de manejo florestal aprovados sem vistoria prévia ou monitoramento adequado", relata o engenheiro florestal Marcelo Marquesini da campanha da Amazônia do Greenpeace.

O caso da gleba Nova Olinda é mais um exemplo de como a ausência de governança continua provocando desmatamento e conflito fundiário na Amazônia. A extração madeireira realizada dentro e fora de áreas de manejo aprovadas pela gestão passada da Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) é acompanhada por cooptações, intimidações, ameaças de morte e expulsão de moradores tradicionais.

Manuel Matos, secretário do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STR), é uma das lideranças que enfrenta a violência permitida pela omissão do poder público. "De 2002 para cá, foram 41 ofícios enviados para diferentes órgãos estaduais e federais, com relatos, documentos, abaixo-assinados, denúncias e solicitações de providências para resolver os conflitos na gleba. Nada aconteceu. Pelo contrário, só piorou, porque os madeireiros se instalaram na área com autorizações dadas pelos próprios governos", conta Matos.

O conflito que se arrasta nos últimos anos poderia ter sido evitado com a criação de unidades de conservação ou projetos de assentamentos agroextrativistas que visam garantir o direito à terra aos moradores da região e o uso responsável dos recursos naturais, combatendo as investidas de madeireiros e grileiros.

Desde 1997, quando a Reserva Extrativista Federal Tapajós-Arapiuns, vizinha à área da gleba Nova Olinda, foi criada, os comunitários demandam ações do governo para também ter regularizado o seu direito à terra.

Entretanto, uma manobra dos madeireiros, com a conivência do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), teria precipitado a demarcação de lotes individuais na gleba, facilitando a entrada de grupos originários do sul do país a partir de 2004.

Com a descentralização da gestão florestal na Amazônia (veja nota sobre a descentralização), intensificada pelo governo federal a partir da aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, em março de 2006, os grupos começaram a receber autorizações da Sectam para explorar a madeira, ignorando o pleito das comunidades.

O Iterpa emitiu seis autorizações de detenção de imóvel rural, em lotes cujas áreas variam entre 2 mil e 2,6 mil hectares, para Alfredo Sippert, Francisco Souza, Jeferson Azulay, Rosenil Souza, José Ramos de Oliveira e Erivan Rodrigues Apinagés. O sobrevôo do Greenpeace identificou exploração madeireira fora das áreas de manejo concedidas para os quatro primeiros nomes (veja mapa em alta resolução).

Além disso, as áreas em nome de Alfredo Sippert, José Ramos de Oliveira e Rosenil Souza apresentam grande número de clareiras provocadas por extração de madeira sem o uso de técnicas de redução de impacto. "Os danos à vegetação remanescente são nítidos", comenta Marquesini.

"Depois que entraram as máquinas, começaram a descer as balsas carregadas de madeira. Eles saem no final de semana e sempre passam sábado de noite em Santarém, no escuro", relata o secretário do STR. Manuel Matos conta que os comunitários decidiram entrar em contato com o Greenpeace porque estariam cansados de agir por meio de documentos. "Tivemos pela primeira vez a oportunidade de sobrevoar a área. A gente fica muito sentido de ver aquela floresta como ela está sendo destruída, e a aquela população que era muito tranqüila e agora vive com medo", lamenta.

"Atividades como licenciamento de propriedades rurais, autorizações de manejo florestal e desmatamento, monitoramento e fiscalização foram transferidas aos órgãos ambientais estaduais, sem que tais órgãos adequassem sua estrutura operacional, estabelecessem boas normas de governança, transparência administrativa e controle social", explica Marquesini. "Isso é particularmente grave no caso dos estados amazônicos, onde as deficiências administrativas dos órgãos ambientais são notórias e flagrantes", complementa.

Em 2003, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já havia constatado crimes na área, mas nada de efetivo foi feito para reverter o quadro de irregularidades que envolvem a destruição de floresta primária, a abertura de estradas sem autorização, o desmatamento para abertura de pistas de pouso e a extração ilegal de madeira, inclusive em áreas de preservação permanente. À época, foram apreendidas máquinas, armas e munições, posteriormente devolvidas pela Justiça estadual. A fiscalização do Ibama só retornou na área no final de 2006, após muita solicitação das comunidades.

"Por ironia do destino, no mesmo dia em que documentávamos as irregularidades, o ex-secretário da Sectam, Raul Porto, que assinou as autorizações de manejo florestal na Gleba Nova Olinda, era preso pela Polícia Federal por suspeita de corrupção", lembra Marquesini.

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