Contaminação por milho transgênico quase acaba com sonho sustentável

Notícia - 26 - jun - 2007
Enric Navarro, agricultor da cidade de Albons, na região da Catalunha, teve sua plantação de milho contaminada por transgênico mas se recusa a desistir: "Tenho que insistir porque é a única maneira de chamar a atenção para o problema."

Enric Navarro, agricultor da cidade de Albons, na região da Catalunha, teve sua plantação de milho contaminada por transgênico mas se recusa a desistir.

Enric Navarro optou por uma vida sustentável. Tem um sítio ecológico na cidade de Albons, localizada na região da Catalunha (Espanha) e pratica uma agricultura ecológica, certificada, com eletricidade obtida por meio de placas fotovoltaicas, aquecimento da água também obtido por energia solar. Toda água usada em sua propriedade é reutilizada para evitar ao máximo o desperdício.

Em 2005, seu sonho sustentável começou a desmoronar. Plantou 3,3 mil metros quadrados de milho orgânico. Sabendo que seus vizinhos cultivavam variedades transgênicas, adiou em um mês o plantio das sementes, para evitar a contaminação. Seus vizinhos mais próximos estão entre 70 e 100 metros de distância.

Logo após a colheita, a decepção: as duas toneladas de milho que colheu estavam contaminadas com a variedade transgênica dos vizinhos. A contaminação, de 12,6% da safra, foi detectada pelo Conselho Catalão de Produção Agrária Ecológica (CCPAE), que fez os testes. Foram colhidas 20 amostras, sendo 10 do talo (das quais 1 era positiva para transgênicos) e 10 do grão (das quais 9 eram positivas).

O fato da amostra do talo ter dado positiva para a contaminação mostra que ela não se deu apenas por polinização cruzada. Ou seja, o milho plantado já estava contaminado. No entanto, testes feitos em sobras da semente que foi plantada por Enric mostraram que elas não estavam contaminadas por transgênicos. Navarro explica que existem três hipóteses para o seu caso de contaminação:

1.    Mesmo depois de ter sido cuidadosamente higienizada, a máquina que fez a semeadura pode ter ficado com alguma semente transgênica. Como a máquina é alugada de um de seus vizinhos, Navarro afirma que sempre faz uma rigorosa limpeza. No entanto, pode ter sobrado alguma semente.

2.    Apesar dos testes nas sobras das sementes plantadas terem dado negativo, poderia existir uma pequena porcentagem transgênica no saco de sementes.

3.    A região registra ventos de até 120 km/h no verão, que carregam palha e pedaços de espiga por longas distâncias. Segundo Navarro, os blocos de palha chegam a atravessar a rodovia que fica em frente à sua propriedade. Por isso, ele acredita que essa hipótese seja a mais plausível para a contaminação registrada em sua plantação.

Ao saber da contaminação, Navarro já tinha distribuído 700 quilos de sua colheita para vizinhos que criam galinhas - o milho serviria de ração para as aves. Sobraram no entanto 1,3 tonelada de milho contaminado, que já não podia mais ser vendido com o certificado de orgânico. Um prejuízo e tanto.

"Resolvi queimar o que havia sobrado da minha colheita", lamenta Navarro. "Acredito numa agricultura mais sustentável, mas não podia arrumar confusão com meus vizinhos, mesmo que tenham sido eles os responsáveis por essa contaminação. Queimar o milho contaminado por transgênicos foi a maneira que encontrei para chamar a atenção para o problema que estamos enfrentando aqui na região."

A pequena cidade de Albons tem cerca de 600 habitantes e está a apenas 50 quilômetros da fronteira com a França. A decisão intempestiva de Navarro estarreceu a todos. O agricultor conta que passou quase dois meses sem poder sair de casa por causa da reação da população local.

"As pessoas vinham aqui tirar satisfações. Antes eu dormia com a casa toda aberta, mas tive que trancar tudo para evitar problemas", lembra Navarro, que considera os transgênicos desnecessários.

"Nós temos diversas variedades tradicionais de milho, que são muito melhores que as transgênicas. Não precisamos dessas sementes que as empresas estão oferecendo".

Navarro também alerta para os custos com 'royalties' e as muitas dúvidas que os organismos geneticamente modificados levantam sobre seu impacto para a saúde das pessoas.

Em 2007, Enric Navarro reduziu a área plantada com milho para 2,5 mil metros quadrados e esperou mais de um mês para iniciar o plantio de suas sementes convencionais. Ele espera colher duas toneladas de milho orgânico novamente, mas afirma que não se surpreenderá se aparecerem novas amostras contaminadas.

"Eu não vou deixar de plantar milho orgânico porque posso ser contaminado. Pelo contrário, sei que insistir com ele é a única maneira de continuar chamando atenção para o problema da contaminação."

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