Enric Navarro, agricultor da cidade de Albons, na região da Catalunha, teve sua plantação de milho contaminada por transgênico mas se recusa a desistir.
Enric Navarro optou por uma vida sustentável. Tem um sítio
ecológico na cidade de Albons, localizada na região da Catalunha
(Espanha) e pratica uma agricultura ecológica, certificada, com
eletricidade obtida por meio de placas fotovoltaicas, aquecimento
da água também obtido por energia solar. Toda água usada em sua
propriedade é reutilizada para evitar ao máximo o desperdício.
Em 2005, seu sonho sustentável começou a desmoronar. Plantou 3,3
mil metros quadrados de milho orgânico. Sabendo que seus vizinhos
cultivavam variedades transgênicas, adiou em um mês o plantio das
sementes, para evitar a contaminação. Seus vizinhos mais próximos
estão entre 70 e 100 metros de distância.
Logo após a colheita, a decepção: as duas toneladas de milho que
colheu estavam contaminadas com a variedade transgênica dos
vizinhos. A contaminação, de 12,6% da safra, foi detectada pelo
Conselho Catalão de Produção Agrária Ecológica (CCPAE), que fez os
testes. Foram colhidas 20 amostras, sendo 10 do talo (das quais 1
era positiva para transgênicos) e 10 do grão (das quais 9 eram
positivas).
O fato da amostra do talo ter dado positiva para a contaminação
mostra que ela não se deu apenas por polinização cruzada. Ou seja,
o milho plantado já estava contaminado. No entanto, testes feitos
em sobras da semente que foi plantada por Enric mostraram que elas
não estavam contaminadas por transgênicos. Navarro explica que
existem três hipóteses para o seu caso de contaminação:
1. Mesmo depois de ter sido cuidadosamente higienizada, a
máquina que fez a semeadura pode ter ficado com alguma semente
transgênica. Como a máquina é alugada de um de seus vizinhos,
Navarro afirma que sempre faz uma rigorosa limpeza. No entanto,
pode ter sobrado alguma semente.
2. Apesar dos testes nas sobras das sementes plantadas terem
dado negativo, poderia existir uma pequena porcentagem transgênica
no saco de sementes.
3. A região registra ventos de até 120 km/h no verão, que
carregam palha e pedaços de espiga por longas distâncias. Segundo
Navarro, os blocos de palha chegam a atravessar a rodovia que fica
em frente à sua propriedade. Por isso, ele acredita que essa
hipótese seja a mais plausível para a contaminação registrada em
sua plantação.
Ao saber da contaminação, Navarro já tinha distribuído 700
quilos de sua colheita para vizinhos que criam galinhas - o milho
serviria de ração para as aves. Sobraram no entanto 1,3 tonelada de
milho contaminado, que já não podia mais ser vendido com o
certificado de orgânico. Um prejuízo e tanto.
"Resolvi queimar o que havia sobrado da minha colheita", lamenta
Navarro. "Acredito numa agricultura mais sustentável, mas não podia
arrumar confusão com meus vizinhos, mesmo que tenham sido eles os
responsáveis por essa contaminação. Queimar o milho contaminado por
transgênicos foi a maneira que encontrei para chamar a atenção para
o problema que estamos enfrentando aqui na região."
A pequena cidade de Albons tem cerca de 600 habitantes e está a
apenas 50 quilômetros da fronteira com a França. A decisão
intempestiva de Navarro estarreceu a todos. O agricultor conta que
passou quase dois meses sem poder sair de casa por causa da reação
da população local.
"As pessoas vinham aqui tirar satisfações. Antes eu dormia com a
casa toda aberta, mas tive que trancar tudo para evitar problemas",
lembra Navarro, que considera os transgênicos desnecessários.
"Nós temos diversas variedades tradicionais de milho, que são
muito melhores que as transgênicas. Não precisamos dessas sementes
que as empresas estão oferecendo".
Navarro também alerta para os custos com 'royalties' e as muitas
dúvidas que os organismos geneticamente modificados levantam sobre
seu impacto para a saúde das pessoas.
Em 2007, Enric Navarro reduziu a área plantada com milho para
2,5 mil metros quadrados e esperou mais de um mês para iniciar o
plantio de suas sementes convencionais. Ele espera colher duas
toneladas de milho orgânico novamente, mas afirma que não se
surpreenderá se aparecerem novas amostras contaminadas.
"Eu não vou deixar de plantar milho orgânico porque posso ser
contaminado. Pelo contrário, sei que insistir com ele é a única
maneira de continuar chamando atenção para o problema da
contaminação."