Frank Guggenheim, diretor-executivo do Greenpeace Brasil, apresenta o relatório Revolução Energética aos participantes do seminário Brasil: vento, energia e investimento, realizado em São Paulo em parceria com o Conselho Global de Energia Eólica.
Quando Frank Guggenheim visitou a Amazônia pela primeira vez, em
1975, era um estudande de Medicina na Universidade de Zurique, na
Suíça. Ficou impressionado com a carência de médicos e pensou que
poderia um dia ajudar. Voltou à região outras vezes, muitas delas
como diretor executivo do Greenpeace, cargo que assumiu em 2002. "É
um lugar com muitos problemas, mas cativante", diz Frank, nascido
há 58 anos em Nova York, de família suíça e com 36 anos
não-consecutivos de Brasil - chegou aqui pela primeira vez em 1956.
Agora que está se desligando do Greenpeace, Frank pretende retomar
seu antigo sonho: exercer a medicina na Amazônia. "Vou atuar como
clínico geral para dar minha última contribuição à região antes de
me aposentar."
Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida à Revista do
Greenpeace:
Depois de seis anos no Greenpeace
Brasil, você está se desligando da organização. Qual o motivo?
Frank Guggenheim - As pessoas cumprem ciclos nas
organizações e eu cumpri o meu no Greenpeace Brasil. Cumpri o meu
mandato e agora está na hora de passar o bastão para uma pessoa
mais jovem, com idéias novas que possam levar a organização
adiante.
Faça uma pequena análise do que era o
Greenpeace Brasil quando você chegou, em 2002, e o que você deixa
de legado para as próximas gerações.
Havia uma certa crise institucional quando entrei na
organização. Tinha perdido seus principais quadros, estava em
dificuldade financeira, estava com um número muito baixo de
colaboradores e não conseguia novos. Do ponto de vista
institucional, o meu legado foi de fazer o Greenpeace dar a volta
por cima e reconquistar quadros, formá-los dentro da organização,
estabilizar a perda de colaboradores e ter um crescimento
significativo de nossos colaboradores. Quando eu cheguei, havia em
torno de 9 mil colaboradores no banco de dados. Hoje estamos com
mais de 35 mil. A organização voltou a ter estabilidade e
relevância no movimento ambiental.
Quais foram as principais vitórias do
Greenpeace durante sua gestão?
Foram inúmeras vitórias. Um exemplo seria a Moratória da Soja,
iniciada em 2006. Pela primeira vez se discutiu abertamente a
questão agropecuária na Amazônia e seu potencial destrutivo, com os
grandes comercializadores de grãos da região. Outro bom exemplo é a
nossa proposta do desmatamento zero até 2015, que foi acolhida por
uma série de governadores da região amazônica e também pelo BNDES e
pelo governo federal, reconhecendo de que haveria a possibilidade
de fazer a floresta em pé, com toda sua cultura e biodiversidade,
ser mais valorizada do que derrubada.
E já que estou falando de mudanças climáticas, uma outra
conquista importante aconteceu em 2003, quando lançamos as
campanhas de energias renováveis e anti-nuclear, durante o Fórum
Social Mundial em Porto Alegre. Foi o início dessa campanha de
clima no Brasil, culminando na discussão que veio à tona em 2007
com os relatórios do IPCC. O Greenpeace, mais uma vez, liderou a
discussão.
Uma outra campanha de grande sucesso, lançada em 2003, foi o
programa Cidade Amiga da Amazônia, que hoje inclui também estados
da Amazônia. Esse programa levou o assunto para todo o país,
mostrando que o problema é nacional, não apenas localizado.
E eu não poderia deixar de mencionar também a campanha de
transgênicos, que é importante para a organização. Mesmo que eles
não sejam mais proibidos no Brasil, ainda temos a obrigação da
rotulagem. Em 2002, lançamos o Guia do Consumidor, que traz dezenas
de empresas e marcas de produtos na lista verde, com a garantia de
que são fabricados sem o uso de matéria-prima geneticamente
modificada. E hoje vemos uma pressão muito grande tanto da
população como do Ministério Público para se cumprir a lei de
rotulagem.
Essas são, de forma geral, as principais conquistas do
Greenpeace nesse período. É claro que aconteceram outras
conquistas, como a vitória da campanha SOS Mogno, a demarcação das
terras dos índios Dení, e assim por diante.
Qual campanha te marcou mais nesses
seis anos?
Isso é como perguntar a um pai qual o filho que ele mais ama -
ou seja, impossível responder. Mas é inegável que a campanha da
Amazônia é a mais emocional dentro do Greenpeace, e também mais
madura. Todas as discussões sobre clima, biodiversidade, uso da
terra, pecuária e várias outras acabam, de um jeito ou de outro, em
volta da Amazônia. O que não é de surpreender, porque estamos
falando de uma região que é quase metade do Brasil. É a nossa
campanha primogênita e tudo o que se faz lá é sempre muito
emocional, porque há populações inteiras diretamente envolvidas,
ameaçadas, expulsas de suas terras.
Você costuma dizer que a Amazônia
alterou um pouco o modo de atuar do Greenpeace. Como foi isso?
O Greenpeace nasceu nos Estados Unidos, mas até meados dos anos
90 era uma organização basicamente européia, com um modo de se
expor, de lutar e de comunicar muito européia. A partir do começo
dos anos 90, a organização começou a crescer de um lado na América
Latina e de outro na Ásia e Rússia também - e este ano vai para a
África. O Greenpeace deixou de ser uma organização eurocêntrica
para se tornar uma organização global de fato. E isso,
inevitavelmente, traz ao Greenpeace as visões dos países em
desenvolvimento, como Índia, China, Brasil, etc, com suas demandas
e problemas.
Obviamente que fazer campanha pela moratória da exploração de
minérios na Antártica ou a moratória da caça às baleias, em que o
Greenpeace esteve fortemente engajado, é bem diferente do que fazer
campanha para proteção da floresta amazônica, onde existem 20
milhões de pessoas que precisam sobreviver, se alimentar.
Quando começamos a fazer campanha aqui no Brasil, aprendemos a
trabalhar com a população local. Quer dizer, a organização tinha
que deixar de ser egocêntrica, de uma certa forma, e trabalhar em
grupo. Eu acho que a gente fez esse processo com muito sucesso e
hoje o movimento social nos reconhece como um parceiro importante e
confiável. As ciumeiras iniciais já não existem mais, conseguimos
mostrar que estamos ao lado deles nos momentos bons e nos momentos
ruins, que a gente é um megafone para a voz deles. Foi muito bom
esse aprendizado e hoje os mesmos métodos são usados no sul
asiático. Essa mudança no estilo de trabalho, de atuar mais com as
comunidades locais e de forma coletiva, foi muito importante para a
organização.
Você pretende morar na Amazônia agora
que se desligou do Greenpeace. O que levou você a tomar essa
decisão?
Eu conheci a Amazônia muito anos antes do Greenpeace existir no
Brasil. Estive lá pela primeira vez em 1975. Sempre tive um carinho
muito grande pela Amazônia. Tem muitos aspectos negativos, como
falta de governança, violência, mas também muitos positivos: a
população é extremamente aberta e os valores das pessoas ainda
estão bem mais conservados do que nas grandes metrópoles. E
acredito que, como médico, eu possa dar minha última contribuição à
região antes de me aposentar.
Você é suíço, mas nasceu em Nova York
(EUA) e passou mais da metade de sua vida aqui no Brasil. Foi você
quem escolheu o Brasil ou o Brasil te escolheu?
Eu cheguei ao Brasil pela primeira vez em 1956. Tinha sete anos
e, portanto, nem eu escolhi o Brasil nem o Brasil me escolheu - vim
a tiracolo da minha mãe, que tinha vivido sua juventude no país e
resolveu retornar porque gostava muito daqui. Fiquei no Rio de
Janeiro até completar o segundo grau, no Colégio Andrews, em
1968.
Nessa época, eu fui para a Suíça, porque queria estudar
matemática pura e aplicada, mas no Brasil só tinha esse curso na
pós-graduação. Não podemos esquecer que em 1968 os tempos estavam
difíceis no Brasil. Foi quando o governo militar emitiu o Ato
Institucional número 5 (AI-5), que provocou - entre outras coisas -
o fechamento do Congresso Nacional brasileiro. Não era um momento
histórico dos mais agradáveis do Brasil.
Na Suíça estudei matemática e física teórica, me formei,
trabalhei alguns anos como professor e depois comecei a estudar
medicina (em 1974), me formando em 1980. Lá conheci minha esposa e
tive filhos, mas sempre planejei voltar ao Brasil, mas a idéia foi
sendo postergada. Já tinha até desistido quando minha companheira
de um novo impulso à idéia. Então a gente veio em 1988.
O que o Greenpeace significou para
você?
Foi extremamente enriquecedor. O Greenpeace é uma organização
muito interessante. Mesmo pessoas conservadoras, que não concordam
100% com nossas idéias, fazem doações porque acreditam que a
radicalidade da organização ajuda a defender o futuro das próximas
gerações. Eu costumo dizer que, se o Greenpeace não existisse,
teria que ser inventado.
Nesses seis anos, não atingi todos os objetivos traçados mas
consegui atravessar uma fase tumultuada com sucesso e levar a
organização a um patamar mais alto, tanto do ponto de vista
institucional como político.