Frank Guggenheim: “Se o Greenpeace não existisse, teria que ser inventado”

Notícia - 2 - jun - 2008
Entrevista com o diretor-executivo do Greenpeace Brasil que está deixando a organização depois de seis anos dedicados a ela.

Frank Guggenheim, diretor-executivo do Greenpeace Brasil, apresenta o relatório Revolução Energética aos participantes do seminário Brasil: vento, energia e investimento, realizado em São Paulo em parceria com o Conselho Global de Energia Eólica.

Quando Frank Guggenheim visitou a Amazônia pela primeira vez, em 1975, era um estudande de Medicina na Universidade de Zurique, na Suíça. Ficou impressionado com a carência de médicos e pensou que poderia um dia ajudar. Voltou à região outras vezes, muitas delas como diretor executivo do Greenpeace, cargo que assumiu em 2002. "É um lugar com muitos problemas, mas cativante", diz Frank, nascido há 58 anos em Nova York, de família suíça e com 36 anos não-consecutivos de Brasil - chegou aqui pela primeira vez em 1956. Agora que está se desligando do Greenpeace, Frank pretende retomar seu antigo sonho: exercer a medicina na Amazônia. "Vou atuar como clínico geral para dar minha última contribuição à região antes de me aposentar."

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida à Revista do Greenpeace:

Depois de seis anos no Greenpeace Brasil, você está se desligando da organização. Qual o motivo?

Frank Guggenheim - As pessoas cumprem ciclos nas organizações e eu cumpri o meu no Greenpeace Brasil. Cumpri o meu mandato e agora está na hora de passar o bastão para uma pessoa mais jovem, com idéias novas que possam levar a organização adiante.

Faça uma pequena análise do que era o Greenpeace Brasil quando você chegou, em 2002, e o que você deixa de legado para as próximas gerações.

Havia uma certa crise institucional quando entrei na organização. Tinha perdido seus principais quadros, estava em dificuldade financeira, estava com um número muito baixo de colaboradores e não conseguia novos. Do ponto de vista institucional, o meu legado foi de fazer o Greenpeace dar a volta por cima e reconquistar quadros, formá-los dentro da organização, estabilizar a perda de colaboradores e ter um crescimento significativo de nossos colaboradores. Quando eu cheguei, havia em torno de 9 mil colaboradores no banco de dados. Hoje estamos com mais de 35 mil. A organização voltou a ter estabilidade e relevância no movimento ambiental.

Quais foram as principais vitórias do Greenpeace durante sua gestão?

Foram inúmeras vitórias. Um exemplo seria a Moratória da Soja, iniciada em 2006. Pela primeira vez se discutiu abertamente a questão agropecuária na Amazônia e seu potencial destrutivo, com os grandes comercializadores de grãos da região. Outro bom exemplo é a nossa proposta do desmatamento zero até 2015, que foi acolhida por uma série de governadores da região amazônica e também pelo BNDES e pelo governo federal, reconhecendo de que haveria a possibilidade de fazer a floresta em pé, com toda sua cultura e biodiversidade, ser mais valorizada do que derrubada.

E já que estou falando de mudanças climáticas, uma outra conquista importante aconteceu em 2003, quando lançamos as campanhas de energias renováveis e anti-nuclear, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Foi o início dessa campanha de clima no Brasil, culminando na discussão que veio à tona em 2007 com os relatórios do IPCC. O Greenpeace, mais uma vez, liderou a discussão.

Uma outra campanha de grande sucesso, lançada em 2003, foi o programa Cidade Amiga da Amazônia, que hoje inclui também estados da Amazônia. Esse programa levou o assunto para todo o país, mostrando que o problema é nacional, não apenas localizado.

E eu não poderia deixar de mencionar também a campanha de transgênicos, que é importante para a organização. Mesmo que eles não sejam mais proibidos no Brasil, ainda temos a obrigação da rotulagem. Em 2002, lançamos o Guia do Consumidor, que traz dezenas de empresas e marcas de produtos na lista verde, com a garantia de que são fabricados sem o uso de matéria-prima geneticamente modificada. E hoje vemos uma pressão muito grande tanto da população como do Ministério Público para se cumprir a lei de rotulagem.

Essas são, de forma geral, as principais conquistas do Greenpeace nesse período. É claro que aconteceram outras conquistas, como a vitória da campanha SOS Mogno, a demarcação das terras dos índios Dení, e assim por diante.

Qual campanha te marcou mais nesses seis anos?

Isso é como perguntar a um pai qual o filho que ele mais ama - ou seja, impossível responder. Mas é inegável que a campanha da Amazônia é a mais emocional dentro do Greenpeace, e também mais madura. Todas as discussões sobre clima, biodiversidade, uso da terra, pecuária e várias outras acabam, de um jeito ou de outro, em volta da Amazônia. O que não é de surpreender, porque estamos falando de uma região que é quase metade do Brasil. É a nossa campanha primogênita e tudo o que se faz lá é sempre muito emocional, porque há populações inteiras diretamente envolvidas, ameaçadas, expulsas de suas terras.  

Você costuma dizer que a Amazônia alterou um pouco o modo de atuar do Greenpeace. Como foi isso?

O Greenpeace nasceu nos Estados Unidos, mas até meados dos anos 90 era uma organização basicamente européia, com um modo de se expor, de lutar e de comunicar muito européia. A partir do começo dos anos 90, a organização começou a crescer de um lado na América Latina e de outro na Ásia e Rússia também - e este ano vai para a África. O Greenpeace deixou de ser uma organização eurocêntrica para se tornar uma organização global de fato. E isso, inevitavelmente, traz ao Greenpeace as visões dos países em desenvolvimento, como Índia, China, Brasil, etc, com suas demandas e problemas.

Obviamente que fazer campanha pela moratória da exploração de minérios na Antártica ou a moratória da caça às baleias, em que o Greenpeace esteve fortemente engajado, é bem diferente do que fazer campanha para proteção da floresta amazônica, onde existem 20 milhões de pessoas que precisam sobreviver, se alimentar.

Quando começamos a fazer campanha aqui no Brasil, aprendemos a trabalhar com a população local. Quer dizer, a organização tinha que deixar de ser egocêntrica, de uma certa forma, e trabalhar em grupo. Eu acho que a gente fez esse processo com muito sucesso e hoje o movimento social nos reconhece como um parceiro importante e confiável. As ciumeiras iniciais já não existem mais, conseguimos mostrar que estamos ao lado deles nos momentos bons e nos momentos ruins, que a gente é um megafone para a voz deles. Foi muito bom esse aprendizado e hoje os mesmos métodos são usados no sul asiático. Essa mudança no estilo de trabalho, de atuar mais com as comunidades locais e de forma coletiva, foi muito importante para a organização.

Você pretende morar na Amazônia agora que se desligou do Greenpeace. O que levou você a tomar essa decisão?

Eu conheci a Amazônia muito anos antes do Greenpeace existir no Brasil. Estive lá pela primeira vez em 1975. Sempre tive um carinho muito grande pela Amazônia. Tem muitos aspectos negativos, como falta de governança, violência, mas também muitos positivos: a população é extremamente aberta e os valores das pessoas ainda estão bem mais conservados do que nas grandes metrópoles. E acredito que, como médico, eu possa dar minha última contribuição à região antes de me aposentar.

Você é suíço, mas nasceu em Nova York (EUA) e passou mais da metade de sua vida aqui no Brasil. Foi você quem escolheu o Brasil ou o Brasil te escolheu?

Eu cheguei ao Brasil pela primeira vez em 1956. Tinha sete anos e, portanto, nem eu escolhi o Brasil nem o Brasil me escolheu - vim a tiracolo da minha mãe, que tinha vivido sua juventude no país e resolveu retornar porque gostava muito daqui. Fiquei no Rio de Janeiro até completar o segundo grau, no Colégio Andrews, em 1968.

Nessa época, eu fui para a Suíça, porque queria estudar matemática pura e aplicada, mas no Brasil só tinha esse curso na pós-graduação. Não podemos esquecer que em 1968 os tempos estavam difíceis no Brasil. Foi quando o governo militar emitiu o Ato Institucional número 5 (AI-5), que provocou - entre outras coisas - o fechamento do Congresso Nacional brasileiro. Não era um momento histórico dos mais agradáveis do Brasil.

Na Suíça estudei matemática e física teórica, me formei, trabalhei alguns anos como professor e depois comecei a estudar medicina (em 1974), me formando em 1980. Lá conheci minha esposa e tive filhos, mas sempre planejei voltar ao Brasil, mas a idéia foi sendo postergada. Já tinha até desistido quando minha companheira de um novo impulso à idéia. Então a gente veio em 1988.

O que o Greenpeace significou para você?

Foi extremamente enriquecedor. O Greenpeace é uma organização muito interessante. Mesmo pessoas conservadoras, que não concordam 100% com nossas idéias, fazem doações porque acreditam que a radicalidade da organização ajuda a defender o futuro das próximas gerações. Eu costumo dizer que, se o Greenpeace não existisse, teria que ser inventado.

Nesses seis anos, não atingi todos os objetivos traçados mas consegui atravessar uma fase tumultuada com sucesso e levar a organização a um patamar mais alto, tanto do ponto de vista institucional como político.