A legislação brasileira determina que alimentos transgênicos ou que tenham sido produzidos com matéria-prima transgênica tragam este símbolo em seus rótulos, mas a lei não vem sendo cumprida no país.
"Diferentemente da poluição química, os transgênicos se
auto-propagam e podem se tornar elementos fixos de nosso meio
ambiente. Com tamanha herança, me parece razoável e prudente
congelar qualquer novo lançamento de transgênicos até que tenhamos
uma melhor compreensão do DNA, e as ramificações de nossa
intervenção", afirma Smith, que esteve no Brasil em outubro e
participou do seminário
Alimentos transgênicos e seus impactos na saúde, no meio ambiente e na economia
. Em seguida, concedeu esta entrevista à Revista do
Greenpeace.
1 – Qual é a sua principal preocupação em relação aos transgênicos hoje em dia: contaminação genética, riscos à saúde humana ou a ameaça econômica dessa tecnologia?
R
- Eu me especializei nos perigos à saúde dos organismos
geneticamente modificados (OGMs), que hoje estão ligados a milhares
de doenças, casos de esterilidade e morte, milhares de reações
tóxicas e alérgicas em humanos, e danos a virtualmente todo órgão e
sistema estudados em animais de laboratórios. Esses perigos, no
entanto, ganham ainda mais força pelo fato dos OGMs contaminarem as
plantações não-transgênicas e as espécies selvagens, permanecendo
no meio ambiente por muito tempo.
2 – O governo francês anunciou recentemente que vai congelar o cultivo de transgênicos no país até que seja possível provar que esses organismos não oferecem risco aos humanos e ao meio ambiente. Outros países europeus fizeram o mesmo. Por outro lado, países como Brasil, China e Índia estão ampliando suas plantações de transgênicos. Como você explica isso?
R
- Está claro para mim que o assunto ganhou força no Brasil
graças a uma combinação de desinformação e forte influência da
Monsanto e outras corporações multinacionais, além dos Estados
Unidos. Isso é também verdade para outros países que estão
apostando nos transgênicos, mas sua adoção é um passo ruim em
termos econômicos para os agricultores e para a economia do país em
geral.
O impacto dos transgênicos nos Estados Unidos e no Canadá foi um
desastre econômico. As exportações de milho e canola para a Europa
se perderam, as vendas de soja estão baixas e o governo americano
gasta de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões por ano para assegurar os
preços das colheitas de transgênicos que ninguém quer. A expansão
dos transgênicos no Brasil prejudica a oportunidade do país de se
aproveitar do crescente mercado para produtos não-transgênicos.
3 – Muitos países têm regras sobre a rotulagem de produtos que são fabricados com matéria-prima transgênica, mas quase ninguém as respeita. No Brasil, acontece o mesmo. Como o direito do consumidor de escolher entre transgênicos e não-transgênicos pode ser respeitado?
R
- A rotulagem funciona bem na União Européia, mas é praticamente
ignorada no Brasil. Isso é uma vergonha terrível e deixa os
consumidores sem escolha de obter produtos não-transgênicos mais
saudáveis. Não conheço os recursos legais ou legislativos que os
brasileiro podem ter para forçar as empresas a seguir a lei. Nos
Estados Unidos, não temos regras de rotulagem para transgênicos.
Como uma alternativa, estamos promovendo um rótulo que diz
"Não-transgênico". Já os vi em alguns produtos no Brasil. Sem essa
afirmação (ou um rótulo de produto orgânico), consumidores teriam
que evitar todos os produtos brasileiros contendo derivados de soja
ou óleo de semente de algodão - que são plantados no país. Para
produtos americanos, os consumidores também teriam que evitar
derivados de milho e canola, que são em sua maioria
transgênicos.
4 – Em sua apresentação no seminário sobre transgênicos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, você observou que quanto mais os consumidores sabem sobre os transgênicos, mais eles o rejeitam. Que tipo de informação ainda não chegou ao público e que deveria chegar imediatamente, devido à sua importância?
R
- Variedades de milho e algodão são geneticamente modificados
para produzir uma proteína pesticida chamada toxina Bt (do Bacillus
thuringiensis). Ela é usada por agricultores na forma de spray e
por isso foi considerada inofensiva para o ser humano. Mas isso é
claramente equivocado. As pessoas expostas ao spray com a toxina Bt
tiveram todos os tipos de sintomas alérgicos e ratos que ingeriram
o Bt tiveram alterados seus sistemas imunológicos e apresentaram
crescimento anormal e excessivo de células. O Bt encontrado em
alguns transgênicos é mais tóxico e milhares de vezes mais
concentrado do que o spray, e vem sendo acusado por inúmeros casos
de doenças em humanos e outros seres vivos.
Outro problema é que os genes inseridos nesses organismos
geneticamente modificados podem ser transferidos da comida para a
bactéria que temos em nosso aparelho digestivo ou outros órgãos
internos. Essa possibilidade foi descartada antes baseada suposição
de que genes ingeridos são destruídos rapidamente pelo sistema
digestivo. Não é bem assim.Estudos em animais demonstraram que o
DNA ingerido por viajar pelo corpo, até mesmo até o feto por meio
da placenta. Os transgenes de plantações geneticamente modificadas
ingeridos por animais foram encontrados no sangue, fígado e rins. O
único teste publicado sobre alimentação humana com comida
transgênica verificou que o material genético inserido na soja
transgênica foi transferido para o DNA das bactérias do
intestino.
Agora, junte os dois riscos acima a um terceiro. Se o gene do
milho que cria a toxina Bt for transferido para as bactérias de
nosso sistema digestivo (como partes do gene da soja vem fazendo),
nossa flora intestinal pode ser transformada numa fábrica viva de
pesticida.
Além desse problema, animais de laboratório alimentados com
comida transgênica tiveram problemas de crescimento, no sistema
imunológico, sangramento estomacal, crescimento anormal e
potencialmente cancerígeno de células no intestino, desenvolvimento
anormal de células sanguíneas, problemas nas estruturas celulares
do fígado, pâncreas e testículos, alteração da expressão genética e
do metabolismo celular, lesões no fígado e rins, fígados
parcialmente atrofiados, rins inflamados, cérebros e testículos
menos desenvolvidos, fígados, pâncreas e intestinos inchados,
redução das enzimas digestivas, alta no açúcar no sangue,
inflamação no tecido pulmonar, e aumento nas taxas de mortalidade.
Dezenas de agricultores relataram que variedades transgênicas de
milho causaram esterilidade em seus porcos e vacas, pastores
afirmam que 25% de suas ovelhas morreram ao comer plantas de
algodão Bt (cerca de 10 mil ovelhas mortas), e outros afirmam que
vacas, búfalos, galinhas e cavalos também morreram após comerem
plantações transgênicas. Agricultores filipinos em pelo menos cinco
vilarejos ficaram doentes quando o milho Bt de plantações vizinhas
estava polinizando e centenas de trabalhadores na Índia relataram
reações alérgicas ao manusear algodão Bt.
5 – Pessoas que comem produtos transgênicos por longos períodos podem ter problemas de saúde? Há casos ou evidências disso?
R
- Uma das afirmações mais anti-científica e perigosa já feita
pela indústria de biotecnologia é que milhões de pessoas nos
Estados Unidos comeram alimentos transgênicos durante uma década e
ninguém ficou doente. Pelo contrário, os transgênicos já podem
estar contribuindo para sérios problemas de saúde, mas como ninguém
estava monitorando isso, pode levar várias décadas até que seja
possível identificar esses problemas.
Nos anos 80, cerca de 100 americanos morreram e entre 5 mil e 10
mil ficaram doentes devido a um suplemento alimentar transgênico
chamado L-tryptophan. Apesar de ter havido um esforço concentrado
para desviar a culpa para outras causas, é quase certo que a
epidemia aconteceu devido ao processo de engenharia genética. A
epidemia quase foi ignorada. A razão pela qual foi descoberta foi
que os sintomas eram únicos, agudos e apareceram rapidamente.
Na Inglaterra, alergias à soja dispararam em 50% depois que a
soja transgênica foi introduzida no mercado. Mas sem pesquisas e
testes clínicos em seres humanos, não podemos saber se a soja
transgênica é realmente a culpada. Os alimentos transgênicos podem
estar contribuindo para vários tipos de problemas de saúde nas
pessoas, mas a essa ligação pode não ser descoberta em anos, se é
que vai.
6 – Em suas apresentações pelo mundo e em seus livros, você fala sobre vários estudos que relatam sérios problemas com os transgênicos. Sendo assim, como órgãos governamentais nos Estados Unidos, Brasil e na Europa aprovam esses produtos?
R
- Autoridades governamentais pelo mundo têm sido coagidas,
pressionadas e pagas pela indústria de biotecnologia. Na Indonésia,
a Monsanto pagou propinas e fez pagamentos questionáveis a pelo
menos 140 autoridades, para ter seu algodão transgênico aprovado.
Na Índia, uma autoridade alterou o relatório sobre o algodão Bt da
Monsanto para melhorar os dados de rentabilidade do produto. No
México, uma autoridade governamental ameaçou um professor da
Universidade da Califórnia, afirmando saber qual escola os filhos
dele frequentavam, tentando obrigá-lo a não publicar uma evidência
incriminadora que adiaria a aprovação de transgênicos no país. A
maior parte da manipulação e pressão política é mais sutil, mas na
FDA americana (órgão que fiscaliza a produção de alimentos e
medicamentos nos Estados Unidos), a pessoa encarregada das
políticas de transgênicos era Michael Taylor, ex-advogado da
Monsanto e depois, vice-presidente da empresa. A FDA afirmava que
os transgênicos não eram substancialmente diferentes e que nenhum
estudo de segurança era preciso. Anos depois, documentos da FDA
tornados públicos após uma ação judicial mostraram que a afirmação
do órgão era uma fraude. O consenso entre os cientistas da própria
agência era que alimentos transgênicos eram perigosos e podeia
criar alergias difíceis de se detectar, além de toxinas, novas
doenças e problemas nutricionais. Eles exigiram de seus superiores
novos estudos de segurança.
Outras agências reguladores estão sob a mesma influência da
indústria de biotecnologia. Além disso, uma análise pormenorizada
das pesquisas enviadas pelas empresas mostram como eles são
meticulosamente rigorosos em evitar a descoberta de problemas nos
transgênicos.
7 – Quando o assunto está em debate, alguns dizem que a tecnologia dos transgênicos é importante para a humanidade enfrentar (e vencer) a forme. Você acredita nisso?
R
- Alimentos transgênicos não contribuem para combater a fome no
mundo. Se os transgênicos fossem uma solução verdadeira para a
fome, todos as cinco afirmações abaixo deveriam ser verdadeiras.
Então, os transgênicos deveriam ser:
1 - seguros;
2 - produzir colheitas maiores;
3 - promover colheitas consistentes e confiáveis;
4 - Ser melhores que as opções concorrentes;
5 - Ser a fome solucionada pelo aumento da produtividade nas
colheitas.
Todas as cinco afirmações são falsas. Os alimentos transgênicos
não são seguros. As colheitas de transgênicos podem ser perigosas
inconsistentes. Milhares de agricultores de algodão Bt endividados
na Índia cometeram suícidio. Outros métodos são bem melhores para
melhorar as colheitas e a vida dos agricultores. O aumento na
produtividade da plantação não erradica, por si só, a fome.
Especialistas e organizações mundo afora condenam as empresas de
biotecnologia por afirmarem que as plantações de transgênicos
resolverão a fome no mundo. Um relatório da ActionAid concluiu que
em vez de aliviar a fome no mundo, a tecnologia dos transgênicos
"pode exarcebar a insegurança alimentar, aumentando o número de
pessoas com fome."
8 – Você escreveu um livro – Sementes da Enganação – para expor os erros da indústria. Teve algum sucesso? A indústria mudou a forma de agir?
R
- O livro se tornou o livro sobre transgênicos mais vendido do
mundo e a base de informação para muitos sobre o assunto. Também
teve um grande impacto nos responsáveis por elaborar políticas
públicas. Por exemplo, fui informado de que membros do board de
supervisores do condado de Trinity, na Califórnia leram o livro e
criaram uma zona livre de transgênicos na região. Teve também
impacto crucial no estado de Vermont, nos EUA, que se tornou o
primeiro no país a regular os transgênicos.
O livro é uma série de histórias, e sendo assim se torna difícil
de ser usado como referência específica em relação a problemas com
transgênicos. Meu segundo livro, Roleta Genética, é muito mais
fácil para ser usado pelos responsáveis por políticas públicas. Tem
um guia de duas páginas sobre os 65 riscos mais comuns dos
transgênicos, cada um deles com um sumário executivo. Pode ser
então lido com rapidez ou estudado em detalhe. Tem sido fornecido
para governos em todo o mundo como uma evidência de que o alimento
transgênico é inseguro e precisa ser banido.
9 – Muitos cientistas afirmam que a tecnologia transgênica não está pronta para chegar ao mercado consumidor. Estará algum dia?
R
- Difícil dizer se vamos aprender como alterar o DNA de plantas
de uma forma segura e previsível. Hoje não estamos nem perto disso;
as empresas estão oferecendo produtos de uma ciência que ainda está
em seu estágio infantil para milhões de pessoas e liberando eles no
meio ambiente onde podem alterar permanentemente o ecossistema.
A terapia de genes humanos e medicamentos transgênicos tem uma
relação de risco/benefícios bem diferente do que a tecnologia
aplicada em alimentos e plantações. A exposição é menos e o
controle é maior. É mais fácil justificar o emprego dessas
tecnologias, mas os processos têm riscos únicos que devem ser
respeitados.
10 – Você afirma: “Os transgênicos podem ser o próximo grande problema, depois do aquecimento global e do lixo atômico.” Por que?
R
- Diferentemente da poluição química, os transgênicos se
auto-propagam e podem se tornar elementos fixos de nosso meio
ambiente. Me parece razoável e prudente congelar qualquer novo
lançamento de transgênicos até que tenhamos uma melhor compreensão
do DNA, e as ramificações de nossa intervenção.
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