Hoje não foi um bom dia para voar. Quando saímos de Belém, o
vento estava forte e as nuvens formavam um tapete cinza sob o
avião. As três aeronaves Cessna deixaram o aeroporto ao mesmo
tempo, mas o avião em que eu estava não conseguiu chegar à cidade
de Tucumã na primeira tentativa. Havia uma camada densa de nuvens
cobrindo a Serra dos Carajás, cadeia de montanhas que, em más
condições do tempo, se torna invisível para olhos não-acostumados.
Nós tivemos de voltar e esperar em Marabá durante quatro horas até
que o céu clareasse um pouco e tivessemos certeza de poder pousar
em Tucumã.
Sobrevoar o sul do Pará é uma experiência surpreendente,
especialmente se você já esteve em outras partes da Amazônia. Tudo
o que se pode ver são fazendas atrás de fazendas, grandes campos
vazios com estradas ligando às cidades mais próximas, e blocos de
floresta deixados aqui e ali. A única parte de floresta intacta
fica dentro dos territórios indígenas. Do alto, também se pode ver
pontos brancos se mexendo - são vacas. Só na região de Tucumã, há
cerca de 1,5 milhão cabeças de gado.
Nós sobrevoamos o Lago Tucuruí, formado em consequência da
construção da hidrelétrica de Tucuruí. Uma grande área de floresta
foi inundada para concentrar água suficiente para alimentar a
hidrelétrica. Tudo o que se vê do céu são árvores mortas boiando na
água como espinhos pretos. Mais de 80% da energia gerada em Tucuruí
é consumida pela Alcoa e pela Alunorte, duas produtoras de alumínio
localizadas no estado do Pará. As duas companhias exportam a maior
parte de sua produção para o Canadá e o Japão. Cerca de 60% do
custo de produção do alumínio é referente ao gasto com energia. A
conclusão é que o Brasil não está exportando alumínio e sim energia
- a um preço bastante reduzido.
Nós também vimos queimadas. Algumas vezes, o céu se tornava
turvo com a fumaça pálida que subia em espirais através do ar.
Perto da cidade de Marabá, apesar da chuva, pudemos ver uma linha
de grandes chamas avançando e engolindo as árvores. Milhões de anos
de evolução dando lugar a pastagens.
Às quatro e meia da tarde, finalmente chegamos à Tucumã. Viemos
direto para o Ouro Hotel, o melhor da cidade, e nos encontramos com
o resto da equipe do Greenpeace e com agentes do Ibama,
responsáveis pela "Operação Mogno". Fizemos uma longa reunião,
revimos mapas e coordenadas, rumores e fatos até definirmos os
objetivos dos próximos dias.
Também recebemos instruções de segurança. Todo mundo na cidade
sabe que somos do Greenpeace e que nossa campanha está prejudicando
o mercado de madeira ilegal. Por isso, não somos bem-vindos. Só
podemos fazer as refeições em um lugar, que sabemos que é seguro o
suficiente - há algum tempo, um agente do Ibama teve sua comida
envenenada. Duas pessoas foram assassinadas nos últimos 10 dias. É,
não é um bom lugar para se estar. Mas, como dissemos antes, não
vamos nos calar.
O Ibama está contando com as informações do Greenpeace para
prender a máfia do mogno. É assim que estamos contribuindo para que
o trabalho seja feito pelas autoridades: nós fornecemos serviço de
inteligência e algum apoio logístico, além de "testemunhar" as
ações e documentá-las em imagens e informações acessíveis ao
público. Estamos aqui, na linha de frente da batalha para salvar as
florestas remanescentes do estado do Pará - antes que seja tarde
demais.
Tucumã é um bom exemplo da realidade desta região do Brasil.
Devo dizer que fiquei surpresa com esta vila de 10 mil habitantes,
distante dos grandes centros urbanos. Primeiro, é fácil notar que é
uma cidade rica. O dinheiro vem do corte de mogno e da criação de
gado - e do tráfico de drogas, alguns dizem. Há boas lojas vendendo
roupas de marca, vários mercados e, com poucas exceções, é possível
encontrar qualquer produto que se queira. É uma cidade movimentada,
com muitos carros - alguns novos e motocicletas; a maioria das
estradas é asfaltada.
Todos foram para a cama cedo, já que não tínhamos certeza do que
esperar para amanhã. Um silêncio profundo caiu sobre Ouro
Hotel.