Cumprir a lei florestal só em 2030, alcançar metas para energias renováveis menores que as já praticadas e efetuar grandes investimentos em fontes fósseis são algumas das contradições

Deforestation and Water Crisis Banner in the Amazon.

Área recém desmatada em Roraima.

Neste domingo, 27 de outubro, a Presidente Dilma anunciou, em assembléia da ONU, os planos que o Brasil deve submeter oficialmente como sua contribuição no combate às mudanças do clima – e as metas apresentam pontos de incoerência preocupantes.

Para o governo, chegaremos em 2030 emitindo 1,33 bilhões de toneladas de carbono, número 33% maior do que as projeções do que seria possível fazer segundo proposta de organizações da sociedade civil. Apesar de ficarem aquém do desejável, o formato de metas absolutas e o fato de apresentar números de redução para os anos de 2025 e 2030 são bons indicadores. Porém, na área de florestas, setor do país que mais emite gases que aquecem o planeta, o governo derrapa e a conta não fecha, o que coloca boa parte do plano em suspensão.

“O discurso do governo impressiona a plateia, principalmente quando comparado com o deserto de promessas de muitos outros países. Mas quando olhamos com o cuidado necessário, a parte de florestas é baseada em premissas falhas e continua permitindo o desmatamento, além de perder oportunidades no setor de energia”, diz Marcio Astrini, do Greenpeace.

Florestas

Na parte de florestas, o plano se baseia em implementar a lei (código florestal), mas só daqui 15 anos, deixando claro que até lá permitirá novos desmatamentos compensados com replantio. Para o governo, isso seria suficiente para reduzir drasticamente as emissões do setor. Mas a conta não fecha.

Segundo estudo publicado na revista Science, os professores da Universidade Federal de Minas Gerais, Britaldo Soares e Raoni Rajao afirmam que a simples implementação da lei de florestas não será capaz de deter a perda de cobertura florestal, podendo, inclusive, permitir que mais de 88 milhões de hectares sejam liberados para o desmatamento, aumentando nossa conta de emissões.

Compensar áreas legalmente autorizadas indica que o desmatamento continuará, e a taxas não determinadas. Além disso, o replantio de novas áreas desmatadas não compensam economicamente, visto que é muito mais custoso do que preservá-las. A proposta de novos desmatamento perde ainda mais sentido devido ao fato de que o Brasil já detém áreas abertas em quantidade suficiente para assegurar o aumento da produção de alimentos sem a necessidade de novas derrubadas de vegetação.

Soma-se a isso o problema de que o caminho escolhido pelo governo para resolver a situação das florestas simplesmente ignora instrumentos como a criação de unidades de conservação e terras indígenas, que são seguramente a maneira mais eficiente de frear o desmatamento.

“Além da conta do plano para florestas não fechar, o anunciado traz um problema ainda mais grave, que é moral, ao ter como meta cumprir a legislação daqui a 15 anos (em 2030). Na prática, isso significa que, em sua gestão, o crime florestal vingará e ainda sentencia que os outros próximos três mandatos presidenciais seguirão o mesmo caminho. Tudo isso em um momento do país no qual as pessoas não aguentam mais ouvir falar em crime e má gestão. O exemplo é negativo e vem da Presidente. Lamentável”, completa Astrini.

Energia

Para energia, a meta de alcançar 23% das fontes eólica, solar e biomassa na matriz elétrica de 2030 é positiva, mas fica abaixo do ritmo atual de contratação dessas fontes em leilões. Para chegar nesse patamar, a contratação média anual necessária seria de 3,1 GW, mas, só em 2015, já contratamos 3,7 GW. A intenção de reduzir o consumo de eletricidade de 2030 em 10% por conta de medidas de eficiência energética não representa novidade, pois já vinha do Plano Nacional de Eficiência Energética.

O que fica mal explicado é a partir de quando e como o governo pretende mudar os rumos que vem adotando no setor até o momento.

Até agora, as medidas efetivas para o setor se concentraram em carbonizá-lo com políticas como o subsidio da gasolina, que levou ao declínio acentuado da indústria da cana, nos descontos no IPI para incentivar o uso de carros em detrimento de investimentos em transporte público, na negação de linhas de crédito para a energia solar distribuída e tecnologias de smartgrids. O plano decenal de energia, que é a expressão mais clara da visão do governo para a área, prevê que 70% de investimentos do setor para a próxima década ocorrerão em fontes fósseis.

“Poderia ser mais ousado. Mas o problema maior é que, no discurso, o plano apresenta um rumo, e na prática, os investimentos do governo ocorrem em outro”, afirma Astrini.

Agricultura

Não ficou claro quais serão os resultados em termos de redução para o setor. Iniciativas como a recuperação de áreas de pastagens e a promoção de modelos que combinem florestas e agricultura, com baixo carbono, já existem e são bem-vindas, mas, até o momento, não saíram do papel. Dos bilhões destinados anualmente para o setor, apenas uma ínfima parcela tem como objetivo promover a diminuição das emissões.

Este é um setor dos mais importantes. Na pecuária, por exemplo, poderemos ter uma solução matricial, que é resolver o problema de emissões entéricas, além de liberar áreas para o desenvolvimento da agricultura e diminuir a pressão sobre a floresta.

Eliminar o desmatamento, investir em renováveis e na melhoria de nossa agricultura não é um favor que fazemos ao mundo. É um investimento na garantia do nosso desenvolvimento e um benefício econômico ao país. Devemos perseguir estas metas independente do que os outros países farão e de toda essa discussão em torno da crise climática, pois é vantajoso do ponto de vista social, econômico e para nosso desenvolvimento.

Caso não cheguemos à um acordo, seremos um dos países mais impactados pelas alterações climáticas, o que trará consequências desastrosas para a economia, visto que boa parte dela é baseada na produção de alimentos, vulnerável ao clima, assim como nossa energia, que depende de estabilidade hídrica. Nesse contexto, as mudanças climáticas cobrarão uma conta que irá recair sobre os mais pobres. Acima de tudo, a questão climática é um problema social, ainda mais para o Brasil, e devemos liderar essa agenda. Qualquer falta de ambição em clima prejudicará diretamente as populações mais vulneráveis.

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