São Paulo – Somente entre janeiro e abril deste ano, a área com alertas de desmatamento em Unidades de Conservação acumulam alta de 167% em relação ao mesmo período do ano anterior. Neste contexto, fruto de uma investigação, o Greenpeace denuncia hoje o caso do o Parque Estadual Ricardo Franco, localizado no município de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso. Apesar de ser um local prioritário para a conservação de espécies raras e únicas de biodiversidade, o parque é alvo de pressões políticas exercidas por fazendeiros, omissão do estado na sua implantação e de um mercado que indiretamente fomenta a criação de gado no seu interior. O caso reúne diversas irregularidades que colocam em risco o parque e sua rica biodiversidade
Prestes a comemorar o dia internacional do meio ambiente – que tem como tema a biodiversidade – nem empresas e nem governos cumpriram as promessas que fizeram para proteger a biodiversidade até 2020. No Brasil, a destruição em áreas protegidas na Amazônia, fundamentais para a conservação da biodiversidade, tem crescido significativamente em meio a um clima político favorável ao crime ambiental e ao desmantelamento dos órgãos públicos de fiscalização. Isso demonstra a falha de governos em garantir a efetiva proteção desses territórios e também a falha de empresas que não cumpriram suas promessas de eliminar o desmatamento de suas cadeias produtivas.
O Parque Estadual Serra Ricardo Franco foi criado em 1997, cobrindo 158.000 hectares – o equivalente a área da cidade de São Paulo – na fronteira do Mato Grosso do Brasil com a Bolívia.
Na região do parque Serra Ricardo Franco, foram identificadas 472 espécies de aves, o que equivale a aproximadamente um quarto de todas as espécies de aves identificadas no Brasil. Entre as espécies estão a Sporophila nigrorufa, popularmente conhecida como caboclinho-do-sertão, classificada como “vulnerável” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, e a arara-azul, antes avistada em toda a Amazônia, no Cerrado e na Caatinga, mas hoje tem avistamentos concentrados em pequenas regiões, entre elas o Parque Estadual Ricardo Franco. Além das aves, a região também é rica em outras espécies, incluindo mamíferos ameaçados de extinção tais como a ariranha (Pteronura brasiliensis) e também vulneráveis, como o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla).
Devido à sua importância para a biodiversidade, o parque foi criado sob a categoria de proteção integral. De acordo com análise do Greenpeace, desde a criação do parque mais de 12.000 hectares foram desmatados e na prática, 71% de sua área é reivindicada como propriedade privada através do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e muitas dessas “fazendas” produzem gado, o que é incompatível com os objetivos da Unidade de Conservação.
Das 137 fazendas (segundo registros do CAR) existentes no parque, duas chamam atenção: Paredão I e II, que somam mais de 4 mil hectares, dos quais pelo menos 2 mil hectares foram desmatados ilegalmente. O ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha aparece como sócio-proprietário em uma das fazendas, junto com seu ex-assessor e sócio, Marcos Antonio Assi Tozzatti. Em 2016 essas fazendas foram alvo de Ações Civis Públicas do Ministério Público do Estado de Mato Grosso por cometerem danos ambientais nas propriedades.
A investigação conjunta entre Greenpeace e Repórter Brasil verificou que, entre abril de 2018 e junho de 2019, animais provenientes dessas fazendas foram comercializados com outra propriedade localizada fora do parque, também registrada em nome de Tozzatti, e que é fornecedor significativo dos principais frigoríficos do Brasil: JBS, Marfrig e Minerva. Esse esquema é conhecido como “lavagem de gado”. Tratam-se dos casos em que o boi que nasceu, cresceu e transitou por fazendas com irregularidades é transferido (na prática ou apenas na documentação) para uma fazenda sem histórico de irregularidades, podendo assim ser livremente fornecido para frigoríficos comprometidos publicamente há mais de 10 anos a não comprarem matéria prima originada de áreas com desmatamento e invasão de áreas protegidas em suas cadeias de produção.
Atualmente os frigoríficos monitoram, majoritariamente, apenas a última fazenda que o animal passou antes do abate. Ao não monitorar todos seus fornecedores de gado, incluindo os indiretos, os frigoríficos permitem a contaminação da cadeia com animais de dentro de Unidade de Conservação.
“Existe no Brasil um sistema problemático de ocupação e produção na Amazônia que destrói a floresta, comete crimes ambientais, invade terras públicas colocando em risco a nossa rica biodiversidade”, afirma Cristiane Mazzetti da campanha da Amazônia do Greenpeace.
“O Parque Ricardo Franco retrata uma situação que se repete em muitos outros lugares na Amazônia. Assistimos uma escalada do desmatamento em áreas protegidas e, por consequência, a extinção de espécies únicas da Amazônia sequer estudadas pela ciência. Esse aumento de desmatamento está diretamente relacionado aos estímulos promovidos pelo governo federal. Os governos têm a obrigação de fiscalizar essa e outras áreas protegidas assim como as empresas ligadas ao setor da pecuária devem, mais do que nunca cumprir por completo a promessa que fizeram há mais de 10 anos – monitorar toda a cadeia, de ponta a ponta, evitando que a carne contaminada com irregularidades chegue nas mesas dos consumidores dentro e fora do Brasil”, completa.
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