
Blocos vendidos somam mais de 16 mil km² na costa amazônica, região rica em biodiversidade e próxima de comunidades ameaçadas pela exploração de petróleo
Na terça-feira, 17 de junho de 2025, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou mais uma rodada da Oferta Permanente, um leilão que disponibilizou a petroleiras 172 blocos para exploração de petróleo e gás. Destes, 47 foram ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, uma das regiões de maior sensibilidade ecológica e sociocultural do país e onde está localizado também o Bloco 59, no holofote de um processo de licenciamento ambiental que já dura 12 anos.
Um total de 19 blocos foram arrematados nessa região, por dois consórcios: um formado pela Petrobras e a empresa ExxonMobil Brasil, que arrematou 10 blocos, e outro constituído por Chevron Brasil e CNPC Brasil, que comprou 9. Somando a extensão total dos blocos vendidos na região, são mais de 16 mil km² — o equivalente a mais de 13 milhões de piscinas olímpicas entregues às petroleiras.
O que dizem a ANP e o mercado
Em coletiva após o leilão, a diretora-geral interina da ANP, Patrícia Baran, e a diretora Symone Araújo, classificaram o resultado como positivo:
- A Petrobras foi a empresa que mais arrematou blocos.
- O leilão arrecadou um bônus recorde: 500% acima da expectativa prevista no edital.
- Blocos não arrematados voltarão ao edital no próximo ciclo, que já prevê cerca de 275 novos blocos.
- A agência negou sobreposição de blocos com terras indígenas ou unidades de conservação.
- A ANP afirmou que espera seguir oferecendo blocos na Bacia da Foz do Amazonas nos próximos ciclos.
“A realização do leilão não significa que a exploração de petróleo se inicia imediatamente. As empresas precisarão enfrentar longos e complexos processos de licenciamento ambiental, que podem se durar anos e não garantem retorno financeiro. O caso do Bloco 59 mostra como o avanço desse tipo de iniciativa encontra forte resistência da sociedade civil, da comunidade científica e de órgãos ambientais. A sensibilidade da região da Bacia da Foz do Amazonas, somada à pressão nacional e internacional por coerência climática, indica que a disputa em torno desses blocos está apenas começando.”
Mariana Andrade, Porta-voz do Greenpeace
Mas e os estudos ambientais?
Apesar do entusiasmo do setor, os alerta do Ministério Público Federal (MPF) permanecem válidos. Quatro dias antes do leilão, o MPF entrou com uma ação na Justiça Federal do Pará pedindo sua suspensão, apontando que os blocos foram ofertados sem o cumprimento de requisitos legais básicos:
- Estudo de impacto climático
- Avaliação ambiental de área sedimentar (AAAS)
- Levantamento sobre povos e comunidades tradicionais afetados
- Consulta prévia a esses grupos, conforme exige a Convenção 169 da OIT
Segundo o MPF, prosseguir com o leilão sem esses requisitos é:
“Cientificamente insustentável, legalmente indefensável e moralmente injustificável.”
Como funcionam esses leilões?
A lógica é parecida com a de qualquer leilão comercial — mas com implicações ambientais alarmantes:
- A ANP seleciona as áreas e define as regras.
- Empresas fazem lances e disputam as áreas selecionadas pela ANP, vencendo quem oferece mais investimento.
- Impactos ambientais e sociais não são critérios decisivos para os lances e arremates.
Essa lógica permite que blocos sejam arrematados mesmo:
- Sem estudos técnicos completos
- Sobre ecossistemas marinhos frágeis, como recifes e manguezais
- Em áreas próximas a territórios indígenas e comunidades ribeirinhas
Quais são os tipos de contrato?
No Brasil, os dois modelos em vigor são:
- Concessão: a empresa fica com o petróleo e paga uma parte ao governo, esse pagamento é o que se conhece como regalias ou royalties.
- Partilha: o petróleo é formalmente estatal, mas, diferente da concessão, a empresa contratada recebe uma parte da produção, ou seja, parte do petróleo que é extraído, como pagamento.
Em ambos os modelos, os riscos e impactos ambientais são públicos, enquanto os lucros ficam na mão de poucos.
Enquanto o mundo avança, o Brasil recua
A insistência em abrir novas frentes de exploração na Foz do Amazonas ocorre no momento em que a maioria dos países busca reduzir sua dependência de combustíveis fósseis. O próprio Brasil tem compromissos firmados no Acordo de Paris, e ao promover leilões, como esse que aconteceu, contraria a descarbonização, a transição energética e os princípios da justiça climática e ambiental.
Cálculos de Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto ClimaInfo, mostram que a queima dos combustíveis fósseis esperados para os 172 blocos do “leilão do fim do mundo” da ANP gerará mais de 11 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), volume maior do que o agronegócio emitiu em seis anos. Somente as 47 áreas da Foz do Amazonas despejariam quase 5 bilhões de tCO2e na atmosfera.
O que está sendo rifado não é só petróleo: são ecossistemas inteiros, vidas humanas e o futuro da Amazônia. Superar essa contradição entre política energética nacional e ambições climáticas globais será fundamental para o protagonismo do Brasil na COP30 e além dela.
Saiba mais e fortaleça essa mobilização
Este blog integra uma série de conteúdos sobre os riscos da exploração de petróleo na Amazônia. Veja também:
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