Texto por Rodrigo Jesus, porta voz da Campanha de Justiça Climática do Greenpeace Brasil
O mês de novembro é um dos momentos do ano no qual rememoramos a luta contínua do movimento negro e quilombista no Brasil. Foi pela luta, resistência e articulação do Quilombo dos Palmares, a partir do protagonismo de Zumbi e Dandara, que o Dia da Consciência Negra se estabeleceu em 20 de novembro.
As demandas históricas pela garantia de direitos e reparação da população negra ainda se encontram interrompidas, pouco céleres e despriorizadas no contexto institucional da tomada de decisão política. Isso revela que a sociedade brasileira ainda mantém o racismo como um dos pilares principais da manutenção do poder e dos privilégios, resultando em desigualdades sociais. O reflexo desse racismo institucional está na falta de demarcação de territórios quilombolas e indígenas; na ausência de saneamento básico e de infraestrutura digna de moradia e escolas nas periferias brasileiras; na falta de atendimento nas unidades básicas de saúde; na baixa arborização das cidades, principalmente em bairros populares; e na naturalização das mortes decorrentes de deslizamentos de terra, enchentes, inundações e ondas de calor que atingem populações que vivem em áreas de risco e/ou em situação de rua. Esse modus operandi é sintoma latente de um sistema colonial que ainda persiste nos dias atuais, tornando a necropolítica uma ação prioritária nas vielas, comunidades, aldeias, quilombos, assentamentos, ocupações, subúrbios e quebradas do território brasileiro.
No contexto socioambiental, essas ausências podem ser explicadas pelo racismo ambiental, conceito cunhado por Benjamin Chavis no final da década de 1980, nos Estados Unidos, que se refere a como instituições e organizações, em suas escolhas, processos e decisões, direcionam impactos negativos ou danos ambientais para territórios majoritariamente compostos pela população negra, pobre e trabalhadora. O racismo ambiental, no cenário de intensificação de eventos climáticos extremos, nos ajuda a compreender por que a população negra e as periferias compõem a maioria das mortes e dos desabrigados em situações de enchentes, ondas de calor e deslizamentos de terra. Reflete também por que a população indígena e quilombola não tem seus direitos territoriais respeitados e por que, para determinados segmentos ou grupos sociais, a barbárie é justificada pela suposta necessidade de expansão do modelo de desenvolvimento econômico.
Mesmo diante de incessantes violações de direitos humanos, movimentos, grupos e coletivos organizados seguem resistindo e propondo mudanças estruturais significativas. As ruas, as audiências e as redes continuam sendo ocupadas por protestos, denúncias, proposições e mobilizações em busca de justiça social e reparação histórica. Um exemplo recente ocorreu durante a COP30, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada em Belém do Pará, que resultou na presença de mais de 70 mil pessoas ocupando as ruas na Marcha pelo Clima, além de inúmeros espaços populares de debate espalhados pela cidade. Cabe destacar a histórica menção aos afrodescendentes nos textos de negociação internacional sobre adaptação climática, gênero e transição energética justa, bem como o lançamento inédito da Declaração de Belém no combate ao racismo ambiental. Esses documentos reúnem o reconhecimento da necessidade de inserir afrodescendentes, indígenas, comunidades tradicionais e populações vulnerabilizadas no centro da priorização das decisões políticas. Definem a participação desses grupos como fundamental para a garantia da resiliência climática, evidenciando que os saberes e conhecimentos advindos desses povos são essenciais para frear a crise climática.
As periferias, aldeias, quilombos e assentamentos já articulam diferentes possibilidades para enfrentar o desafio global das mudanças climáticas. A preservação e a manutenção das florestas, da fauna, dos modos de vida, da cultura e do Bem Viver estão incorporadas no corpo, na mente e no espírito de quem entende que a justiça social, racial e climática é indissociável.
É nessa tentativa de articulação e mobilização que o Greenpeace Brasil tem somado esforços com diferentes redes e organizações que pautam a adaptação climática de base comunitária e antirracista; a justiça climática a partir da cultura periférica rap, slam e hip-hop; a garantia de direitos constitucionais; e a demarcação de territórios indígenas, além de evidenciar as soluções florestais dos povos. O GT Quilombo, uma articulação de colaboradores organizada internamente na instituição em 2023, também se insere nessa confluência institucional para afirmar que a luta por justiça climática é uma luta antirracista.
Referências:
- Benjamin Chaves Jr. Toxic Wastes and Race in the United States. Disponivel em: https://www.nrc.gov/docs/ml1310/ml13109a339.pdf
- Menção a afrodescendentes na COP 30. Disponivel: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/copy2_of_noticias/mencao-a-afrodescendentes-e-legado-historico-da-cop30
- Declaração de Belém sobre o combate ao racismo ambiental. Disponivel em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-de-belem-sobre-o-combate-ao-racismo-ambiental#:~:text=Adotada%20em%207%20de%20novembro,particularmente%20da%20justi%C3%A7a%20social%2C%20nas
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