O projeto Horto Natureza, no Rio de Janeiro, prova que fortalecer saberes locais e garantir participação das comunidades é essencial para reduzir riscos e proteger vidas

Nas comunidades, favelas, baixadas e periferias, a emergência climática já chegou faz tempo. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cerca de 4 em cada 10 pessoas no planeta vivem em contextos de alta vulnerabilidade climática. E o que se acumula não é apenas água e calor, mas desigualdade: a casa que alaga, a água que falta, a coleta de lixo que não chega, o transporte que para, a vida que segue em risco.
Mesmo assim, é desses territórios que muitas vezes nascem as respostas mais urgentes à crise climática e ao agravamento das desigualdades. São soluções criadas pela própria comunidade, não porque querem, porque precisam. Mas falta. Falta reconhecimento dessas vozes nos espaços de tomada de decisão, falta apoio e falta financiamento para que as ações se antecipem às consequências da emergência climática.
Se antecipar é se adaptar, é proteger vidas. No Horto, zona sul do Rio de Janeiro, a história da adaptação começa a partir da relação ancestral com o território e com o próprio rio. Uma história que prova que políticas públicas e financiamento só são eficazes quando construídas junto com quem mais sente.

Resistência e cuidado coletivo
A bicentenária Comunidade do Horto é um território ancestral formado há mais de duzentos anos por famílias descendentes de pessoas escravizadas que trabalharam na construção do antigo Horto Real, hoje Jardim Botânico.

“A comunidade do Horto tem uma origem de mão de obra operária”, explica Emília Maria de Souza, moradora e cofundadora do Museu do Horto. “Quando Dom João veio fundar o Horto Real, em 1808, ele trouxe casais escravizados para trabalharem na construção do parque. Com o tempo, essas famílias passaram a viver aqui, próximas ao Jardim Botânico, para prestar serviço.”
Cercada pela Mata Atlântica e pelo Rio dos Macacos, a comunidade abriga cerca de 600 famílias que resistem há décadas às tentativas de remoção, e que transformaram essa luta em cuidado ambiental, pertencimento e memória.
“A articulação do direito à permanência se deu através da preservação”, conta Roberto Fonseca, morador e fundador do projeto Horto Natureza. “A gente se uniu para mostrar que o direito à moradia também está ligado ao cuidado com o nosso habitat.”
O projeto surgiu após as enchentes de 2021, quando os moradores decidiram agir para evitar novas tragédias. Passaram a realizar ações que vão da limpeza e manutenção do Rio dos Macacos ao replantio de árvores nativas e à revitalização de muros e fachadas. “O projeto Horto Natureza é história, resistência e sustentabilidade”, resume Roberto. “Ele nasceu como um coração pegando fogo em mostrar o amor que a gente tem pelo lugar.”

Um rio limpo, a verdade e o acesso à coleta
Com o trabalho coletivo, o que antes era visto como um problema virou símbolo de orgulho. O lixo que no passado se acumulava por falta de coleta passou a ser recolhido pela comunidade, que a partir de um trabalho intenso de luta por direitos, conseguiu que fosse realizada pela COMLURB, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Em resposta às falsas acusações sobre a responsabilidade da comunidade na poluição do Rio dos Macacos, em 2021, Roberto decidiu agir: denunciou despejos ilegais de esgoto e produtos químicos no rio, o que resultou em multas aplicadas à CEDAE e a uma indústria têxtil. Apesar disso, a poluição ainda é uma ameaça, proveniente de indústrias situadas ao redor da comunidade. Mas no trecho em que corta a comunidade, sua conservação é garantida.
Hoje, as enchentes diminuíram, as casas possuem saneamento e o rio flui mais livre. “A gente luta para viver com dignidade, deixar um legado para as próximas gerações e mostrar que cuidar da natureza é cuidar da saúde”, diz Roberto.

Educação ambiental e futuro
Oficinas de educação ambiental e visita de estudantes de escolas e de universidades fazem parte da rotina do projeto, que serve de referência em articulação comunitária.
Janaína de Souza Gama, moradora da Comunidade do Horto, trabalha como Guardiã da Mata. O programa Guardiãs da Mata, da Prefeitura do Rio de Janeiro, capacita mulheres para mapear, acompanhar e fiscalizar áreas verdes, atuando como guardiãs que alertam sobre o desmatamento e outros problemas ambientais.
Em parceria com o projeto Horto Natureza, Janaína faz um trabalho de conscientização da comunidade, dos turistas que frequentam a área e também com as crianças das escolas do bairro.
“Tudo começa pelas crianças”, diz Janaína. As atividades nas escolas envolvem plantio, oficinas e mutirões de limpeza. “As crianças levam para casa o que aprendem, multiplicando a consciência ambiental dentro da comunidade” destaca.

Adaptação se faz com quem está na base
O exemplo do Horto mostra que a articulação entre comunidade e poder público é um dos caminhos mais eficazes para enfrentar a crise climática e enfrentar a crise climática, que impacta as desigualdades construídas historicamente.
“Os órgãos oficiais precisam estar mais presentes, dando voz à comunidade e apoiando os projetos que ajudam a própria comunidade”, defende Roberto.
O reconhecimento de décadas de luta chegou no dia 13 de outubro de 2025, quando foi assinado o Acordo Coletivo entre a Associação de Moradores do Horto, o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico, o Ministério Público e a Prefeitura do Rio de Janeiro, garantindo a permanência de mais de 600 famílias no território.
Museu do Horto: memória que não se remove
A luta pela permanência e por justiça climática também se cruza com a luta pela memória. Diante de décadas de criminalização e de processos de reintegração de posse, os moradores entenderam que preservar a própria história era também uma forma de garantir o reconhecimento de seus direitos.
Em 2010, com o apoio da Rede de Museologia Social, nasceu o Museu do Horto, um museu vivo, construído com histórias, objetos e lembranças dos próprios moradores. “Através do Museu do Horto, nós começamos a divulgar a verdadeira história da comunidade e conscientizar que memória não se remove”, explica Emília. “O museu fortalece a permanência da comunidade e registra a identidade do povo que aqui vive e sobrevive.”

Justiça climática é garantir direitos
A experiência do Horto evidencia que adaptação climática é garantia de direitos, preservação da memória, valorização dos saberes e dos modos de vida. Financiar os saberes comunitários que respondem à crise climática é investir em justiça climática, soberania dos territórios e proteção da vida.A Adaptação Baseada na Comunidade (AbC) reforça que políticas e financiamentos precisam ser orientados por quem mais sente e mais faz. É necessário garantir recursos diretos, participação real e salvaguardas de direitos para reconhecer e ampliar o conhecimento local.
Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação mensal hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!


