Entenda quem toma as decisões sobre a exploração de petróleo no Brasil, como funciona a autorização ambiental e por que isso coloca a Foz do Amazonas em risco

Exatamente um mês após a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizar um leilão que colocou à venda 47 novos blocos para exploração de petróleo, incluindo áreas na Bacia da Foz do Amazonas, o Congresso Nacional aprovou o PL 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, no dia 17 de julho de 2025.
Coincidência? Parece que não…
Com 267 votos favoráveis, o projeto representa uma das maiores flexibilizações da legislação ambiental brasileira ao permitir a dispensa de licenças para diversos empreendimentos, limitar a atuação de órgãos técnicos como ICMBio, FUNAI e IPHAN, e substituir análises técnicas por autodeclarações, inclusive em projetos de médio impacto, como sondagens de petróleo e instalações offshore. A coincidência de datas não é mero acaso, é a “passagem da boiada” que escancara a prioridade dada à expansão dos combustíveis fósseis, mesmo às custas de ecossistemas sensíveis como a costa amazônica.
Entre as 29 emendas aprovadas, destaca-se uma proposta do senador Davi Alcolumbre (União-AP) que impõe prazo máximo de um ano para o Ibama responder a pedidos de licenciamento, mesmo em regiões de alta complexidade ambiental como a Foz do Amazonas.
Isso acelera e simplifica o processo de exploração na Foz do Amazonas, abrindo caminho para que blocos já leiloados recebam sinal verde sem os devidos estudos técnicos ou consulta às comunidades tradicionais que habitam o território.
“Em junho, as petroleiras, incluindo a Petrobras, compraram 19 blocos de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas como quem reserva apartamentos na planta: elas apostam na certeza política de que o prédio será erguido às pressas, beneficiados por um licenciamento de alicerces frágeis. Não à toa, 40% dos blocos ofertados nesta região foram leiloados para apenas quatro petroleiras. Certamente, já havia a expectativa de que o PL da Devastação será o alvará que elas precisam para liberar a construção de um futuro afundado nos combustíveis fósseis”
— Mariana Andrade, porta-voz do Greenpeace Brasil
Como o PL impacta diretamente a Foz do Amazonas?
A nova legislação cria:
- Um ambiente legal favorável às petroleiras, reduzindo exigências de avaliação ambiental e retirando o poder de veto de órgãos especializados;
- Enfraquece a proteção da biodiversidade e dos povos que vivem em regiões como a Foz do Amazonas;
- Abre margem para que perfurações de poços na Amazônia sejam autorizadas com base em critérios vagos e sem participação social.
Entenda o contexto da exploração na Foz do Amazonas aqui.
Mas antes de perfurar, o que realmente acontece em uma exploração de petróleo?
Para entender como a costa amazônica chegou a ser ameaçada por petroleiras que apostam em blocos ainda sem avaliação ambiental adequada, é preciso olhar para o funcionamento do processo que transforma áreas naturais em alvos da indústria fóssil. Da definição dos blocos aos leilões e licenças, existe uma engrenagem que, movida por interesses políticos e econômicos, atropela a ciência, os direitos das comunidades e os limites de nossos ecossistemas.
O que são blocos de petróleo?
Blocos de petróleo são áreas delimitadas no mapa, tanto em terra (onshore) quanto no mar (offshore), onde empresas podem pesquisar e explorar jazidas de petróleo e gás natural.
Pense assim:
- O governo brasileiro “divide” o território nacional em pedaços (os blocos). Idealmente, a própria definição dos blocos deveria passar por uma análise chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (ou AAAS), um tipo de estudo de impacto ambiental integrado e específico para esse tipo de empreendimento. Mas, na prática, o que ocorre é que os Ministérios do Meio Ambiente e de Energia oferecem uma análise, chamada de Manifestação Conjunta, que dá aval para que esses blocos sigam para a oferta.
- Depois, esses blocos entram em leilão, organizado pela ANP e em diversos formatos de concessão, permitindo que petroleiras e empresas do setor de energia disputem, arrematem e paguem por essas áreas, garantindo propriedade de uso sobre esse pedaço de terra ou mar.
- Quando arrematados, esses blocos precisam passar por um processo de licenciamento ambiental, que tem diversas fases: da pesquisa até a extração. Esse processo é acompanhado pela apresentação de estudos da empresa licitante e análises por parte do órgão licenciador, o Ibama.

Pesquisadores analisaram as intensas correntes marítimas da Foz do Amazonas com o auxílio de boias com GPS e concluíram que um derramamento tanto na Foz do Amazonas, quanto no Bloco 59 — poço de interesse da Petrobras — atingiria a costa do Amapá, e chegaria a três países vizinhos. Mapa demonstra caminho dos equipamentos que foram lançados para monitorar as correntes marítimas da bacia da foz do Amazonas.
Quem define onde ficam os blocos?
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é a responsável por:
- Estudar as áreas com potencial petrolífero.
- Dividir essas áreas em blocos.
- Organizar os leilões para concessão ou partilha dos blocos.
Quem aprova essas ofertas de blocos é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ligado ao Ministério de Minas e Energia.
Saiba como funciona o leilão de blocos de petróleo aqui.
Antes de perfurar um bloco, a empresa precisa de licenças ambientais emitidas pelo Ibama.
Etapas:
- Licença Prévia (LP): avalia a viabilidade do empreendimento.
- Licença de Instalação (LI): autoriza a montagem da infraestrutura.
- Licença de Operação (LO): permite a perfuração e extração.
O licenciamento ambiental só acontece depois que o bloco já foi leiloado, ou seja, a área é vendida antes de sabermos todos os riscos ambientais e se de fato tem petróleo ali.
Por que a Foz do Amazonas está ameaçada?
A chamada Margem Equatorial brasileira tem sido visto como uma nova fronteira de exploração de petróleo, por haver a expectativa de que guarde reservas de petróleo semelhantes as dos países vizinhos, como Guiana Francesa e Suriname. A Margem Equatorial é formada por 5 bacias sedimentares, sendo a Foz do Amazonas uma das mais visadas por petroleiras, como a Petrobras.
Mas o problema é que:
- Trata-se de uma região que abriga grande sociobiodiversidade.
- Próxima a manguezais, recifes de corais e territórios indígenas e quilombolas.
- Caracterizada por correntes marítimas complexas, que podem espalhar o óleo rapidamente por grandes distâncias em caso de vazamento.
Em 2023 e 2024, o Ibama negou duas vezes o pedido de licenciamento da Petrobras para perfurar na região, citando lacunas nos estudos ambientais. Mas, apesar de evidências e argumentos técnicos sobre os riscos desse tipo de atividade na região, o projeto segue em avaliação, bastante pressionado por forças políticas que miram o lucro, ignoram o impacto socioambiental e esquecem que o Brasil precisa ser coerente em suas metas climáticas. Precisamos de uma transição energética justa, longe dos combustíveis fósseis e atenta às mudanças climáticas.
Novas regras para o licenciamento
A longo prazo, a nova legislação pode trazer consequências negativas para todos, ao comprometer ecossistemas sensíveis como os manguezais, que protegem a costa de desastres naturais, e colocar em risco a pesca artesanal, a segurança alimentar, a biodiversidade marinha e a estabilidade climática.
Apesar de hipotéticos ganhos imediatos com empregos ou royalties, os prejuízos a médio e longo prazo tendem a superar os benefícios. Vazamentos de petróleo, por exemplo, podem afetar seriamente o turismo e a pesca na região, prejudicando as economias locais e a nacional.
O enfraquecimento das instituições ambientais e da participação social também compromete a imagem do Brasil como líder climático, afastando investimentos e acordos internacionais. Ao insistir em combustíveis fósseis, o país atrasa sua transição energética e mantém um modelo extrativista desigual, em vez de apostar em alternativas mais justas e sustentáveis.
Apoie as ações do Greenpeace e junte-se à mobilização pelo veto integral da PL da Devastação. Veta tudo, Lula.
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