Entenda quem toma as decisões sobre a exploração de petróleo no Brasil, como funciona a autorização ambiental e por que isso coloca a Foz do Amazonas em risco

© Mapa: Andrew Murchie — Greenpeace Brasil 

Exatamente um mês após a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizar um leilão que colocou à venda 47 novos blocos para exploração de petróleo, incluindo áreas na Bacia da Foz do Amazonas, o Congresso Nacional aprovou o PL 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, no dia 17 de julho de 2025.

Coincidência? Parece que não…

Com 267 votos favoráveis, o projeto representa uma das maiores flexibilizações da legislação ambiental brasileira ao permitir a dispensa de licenças para diversos empreendimentos, limitar a atuação de órgãos técnicos como ICMBio, FUNAI e IPHAN, e substituir análises técnicas por autodeclarações, inclusive em projetos de médio impacto, como sondagens de petróleo e instalações offshore. A coincidência de datas não é mero acaso, é a “passagem da boiada” que escancara a prioridade dada à expansão dos combustíveis fósseis, mesmo às custas de ecossistemas sensíveis como a costa amazônica.

Entre as 29 emendas aprovadas, destaca-se uma proposta do senador Davi Alcolumbre (União-AP) que impõe prazo máximo de um ano para o Ibama responder a pedidos de licenciamento, mesmo em regiões de alta complexidade ambiental como a Foz do Amazonas. 

Isso acelera e simplifica o processo de exploração na Foz do Amazonas, abrindo caminho para que blocos já leiloados recebam sinal verde sem os devidos estudos técnicos ou consulta às comunidades tradicionais que habitam o território. 

“Em junho, as petroleiras, incluindo a Petrobras, compraram 19 blocos de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas como quem reserva apartamentos na planta: elas apostam na certeza política de que o prédio será erguido às pressas, beneficiados por um licenciamento de alicerces frágeis. Não à toa, 40% dos blocos ofertados nesta região foram leiloados para apenas quatro petroleiras. Certamente, já havia a expectativa de que o PL da Devastação será o alvará que elas precisam para liberar a construção de um futuro afundado nos combustíveis fósseis” 

Mariana Andrade, porta-voz do Greenpeace Brasil 

Como o PL impacta diretamente a Foz do Amazonas?

A nova legislação cria: 

  • Um ambiente legal favorável às petroleiras, reduzindo exigências de avaliação ambiental e retirando o poder de veto de órgãos especializados;
  • Enfraquece a proteção da biodiversidade e dos povos que vivem em regiões como a Foz do Amazonas;
  • Abre margem para que perfurações de poços na Amazônia sejam autorizadas com base em critérios vagos e sem participação social.

Entenda o contexto da exploração na Foz do Amazonas aqui. 

Mas antes de perfurar, o que realmente acontece em uma exploração de petróleo?

Para entender como a costa amazônica chegou a ser ameaçada por petroleiras que apostam em blocos ainda sem avaliação ambiental adequada, é preciso olhar para o funcionamento do processo que transforma áreas naturais em alvos da indústria fóssil. Da definição dos blocos aos leilões e licenças, existe uma engrenagem que, movida por interesses políticos e econômicos, atropela a ciência, os direitos das comunidades e os limites de nossos ecossistemas.

O que são blocos de petróleo?

Blocos de petróleo são áreas delimitadas no mapa, tanto em terra (onshore) quanto no mar (offshore), onde empresas podem pesquisar e explorar jazidas de petróleo e gás natural.

Pense assim:

  1. O governo brasileiro “divide” o território nacional em pedaços (os blocos). Idealmente, a própria definição dos blocos deveria passar por uma análise chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (ou AAAS), um tipo de estudo de impacto ambiental integrado e específico para esse tipo de empreendimento. Mas, na prática, o que ocorre é que os Ministérios do Meio Ambiente e de Energia oferecem uma análise, chamada de Manifestação Conjunta, que dá aval para que esses blocos sigam para a oferta.
  2. Depois, esses blocos entram em leilão, organizado pela ANP e em diversos formatos de concessão, permitindo que petroleiras e empresas do setor de energia disputem, arrematem e paguem por essas áreas, garantindo propriedade de uso sobre esse pedaço de terra ou mar.
  3. Quando arrematados, esses blocos precisam passar por um processo de licenciamento ambiental, que tem diversas fases: da pesquisa até a extração. Esse processo é acompanhado pela apresentação de estudos da empresa licitante e análises por parte do órgão licenciador, o Ibama.
Fonte: estudo IEPA/Greenpeace Brasil

Pesquisadores analisaram as intensas correntes marítimas da Foz do Amazonas com o auxílio de boias com GPS e concluíram que um derramamento tanto na Foz do Amazonas, quanto no Bloco 59 — poço de interesse da Petrobras — atingiria a costa do Amapá, e chegaria a três países vizinhos. Mapa demonstra caminho dos equipamentos que foram lançados para monitorar as correntes marítimas da bacia da foz do Amazonas. 

Quem define onde ficam os blocos?

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é a responsável por:

  • Estudar as áreas com potencial petrolífero.
  • Dividir essas áreas em blocos.
  • Organizar os leilões para concessão ou partilha dos blocos.

Quem aprova essas ofertas de blocos é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ligado ao Ministério de Minas e Energia.

Saiba como funciona o leilão de blocos de petróleo aqui. 

Antes de perfurar um bloco, a empresa precisa de licenças ambientais emitidas pelo Ibama.

Etapas:

  • Licença Prévia (LP): avalia a viabilidade do empreendimento.
  • Licença de Instalação (LI): autoriza a montagem da infraestrutura.
  • Licença de Operação (LO): permite a perfuração e extração.

O licenciamento ambiental só acontece depois que o bloco já foi leiloado, ou seja, a área é vendida antes de sabermos todos os riscos ambientais e se de fato tem petróleo ali.

Por que a Foz do Amazonas está ameaçada?

A chamada Margem Equatorial brasileira tem sido visto como uma nova fronteira de exploração de petróleo, por haver a expectativa de que guarde reservas de petróleo semelhantes as dos países vizinhos, como Guiana Francesa e Suriname. A Margem Equatorial é formada por 5 bacias sedimentares, sendo a Foz do Amazonas uma das mais visadas por petroleiras, como a Petrobras.

Mas o problema é que:

  • Trata-se de uma região que abriga grande sociobiodiversidade.
  • Próxima a manguezais, recifes de corais e territórios indígenas e quilombolas.
  • Caracterizada por correntes marítimas complexas, que podem espalhar o óleo rapidamente por grandes distâncias em caso de vazamento.

Em 2023 e 2024, o Ibama negou duas vezes o pedido de licenciamento da Petrobras para perfurar na região, citando lacunas nos estudos ambientais. Mas, apesar de evidências e argumentos técnicos sobre os riscos desse tipo de atividade na região, o projeto segue em avaliação, bastante pressionado por forças políticas que miram o lucro, ignoram o impacto socioambiental e esquecem que o Brasil precisa ser coerente em suas metas climáticas. Precisamos de uma transição energética justa, longe dos combustíveis fósseis e atenta às mudanças climáticas.

Novas regras para o licenciamento

A longo prazo, a nova legislação pode trazer consequências negativas para todos, ao comprometer ecossistemas sensíveis como os manguezais, que protegem a costa de desastres naturais, e colocar em risco a pesca artesanal, a segurança alimentar, a biodiversidade marinha e a estabilidade climática.

Apesar de hipotéticos ganhos imediatos com empregos ou royalties, os prejuízos a médio e longo prazo tendem a superar os benefícios. Vazamentos de petróleo, por exemplo, podem afetar seriamente o turismo e a pesca na região, prejudicando as economias locais e a nacional.

O enfraquecimento das instituições ambientais e da participação social também compromete a imagem do Brasil como líder climático, afastando investimentos e acordos internacionais. Ao insistir em combustíveis fósseis, o país atrasa sua transição energética e mantém um modelo extrativista desigual, em vez de apostar em alternativas mais justas e sustentáveis.

Apoie as ações do Greenpeace e junte-se à mobilização pelo veto integral da PL da Devastação. Veta tudo, Lula.

Sua voz é essencial nesta luta.

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação mensal hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!