No último final de semana, a campanha Agroecologia contra a Fome levou 493 cestas com comida de verdade para sete comunidades em três capitais do país.

No último final de semana, a campanha Agroecologia contra a Fome levou 493 cestas com comida de verdade para sete comunidades em três capitais do país.
Vanda Ortega, liderança do povo Witoto, recebe doação no Parque das Tribos, Manaus © Rodrigo Duarte/Greenpeace

Numa verdadeira rede de solidariedade que vai se tecendo, a campanha Agroecologia contra a Fome continua a percorrer o Brasil para levar comida de verdade e alguma esperança a pessoas que estão vivendo o desespero da fome. 

Cada cesta, composta de alimentos variados da agricultura familiar, tem entre 15 e 20 quilos, somando mais de 8 mil quilos de alimentos doados só no último final de semana. 

No dia 10 de julho, foram entregues 183 cestas em cinco comunidades de Fortaleza e 110 no Parque das Tribos, em Manaus. No dia 11, a ação foi em Maceió – 200 cestas distribuídas no Bairro da Levada. 

Em Fortaleza e em Maceió, como na maioria dos locais onde a campanha Agroecologia contra a Fome tem chegado, contamos duplamente com a parceria do MST. Primeiramente, porque os alimentos da agricultura familiar que estamos doando vêm de assentamentos da reforma agrária do MST. Em segundo, integrantes do movimento nos ajudam a identificar os bairros e a chegar às famílias mais carentes em cada local. Em Manaus, a Rede Maniva também faz os mesmos papéis, criando a ponte entre os agricultores e as famílias do Parque das Tribos. 


Quase 3 toneladas de alimento nas periferias de Fortaleza

Cestas sendo montadas no Instituto Frei Humberto, Fortaleza ©️ Aspásia Mariana / Greenpeace

“As ações têm sido, elas são e vão continuar, por muito tempo, sendo essenciais para muitas famílias que passam por uma situação extremamente difícil e dolorosa que é a fome. A pandemia evidenciou isso de uma forma muito cruel”, reflete Clarice Rodrigues, 38, da Direção Nacional do MST no Ceará, que ajudou o Greenpeace a realizar doações em 10 de julho, nas comunidades Bela Vista, Pirambu, Serrinha, Barra do Ceará e Conjunto Palmeiras

“Essa ação é duas vezes importante: comida na mesa de 183 famílias e geração de renda para famílias de sete assentamentos que, na pandemia, estão precisando vender”, complementa Clarice. 

As cestas foram montadas na Feira da Reforma Agrária, que acontece uma vez por mês no Instituto Frei Humberto, e seguiram para os bairros. Em cada comunidade, contamos com a parceria de pessoas que conhecem os caminhos e, sobretudo, os moradores, para organizarem a delicada tarefa de entregar as cestas. 


O corre-corre na Serrinha

Thalita Vaz entregando alimentos na comunidade Serrinha, em Fortaleza © Aspásia Mariana / Greenpeace

Em Serrinha, onde moram mais de 28 mil pessoas, Thalita Vaz, 22, conta que a relação com os movimentos Hip Hop e Levante Popular ajudam a saber onde o “corre” da entrega é mais urgente: “Serrinha é gigante. Tem vários segmentos lá dentro. Mas temos pontos de referência na comunidade. A maioria beneficiada foram mulheres. São sempre as mulheres que vão pro corre” conta Thalita. 

“Aqui, bem onde fica o campus da Universidade Estadual do Ceará, foi um dos bairros mais afetados pela 2ª onda da pandemia, muita gente morreu, muito perrengue. Eu, Moleque, Goiaba e Sagaz distribuímos primeiro as cestas para a galera da Vila. Esperamos o Correria, que chegou de moto para fazer as distribuições onde é mais difícil chegar. Solidariedade SA é um termo que usamos nos movimentos sociais, porque solidariedade não é uma pauta, é um princípio organizativo, um valor, uma forma de organizar as pessoas.”


Na Cozinha Popular de Pirambu

Moradoras da comunidade de Pirambu levam cestas para casa © Aspásia Mariana / Greenpeace

Helder Careca, 34, cresceu com a luta de seus pais na ocupação do território de Pirambu, nos idos de 80. “Desde meus 15 anos, comecei a ser referência na comunidade, acho que é genética”, brinca Helder. “Grande Pirambu, dividido em quatro bairros, chegou a ser a 2ª maior favela da América Latina na década de 90”, conta. Na pandemia, fizemos uma Cozinha Popular, iniciativa junto com o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), do qual faço parte.” 

“Na cozinha, são 12 mulheres chefes de família que, com doações de uma rede de amigos, conseguem produzir voluntariamente 200 quentinhas todo sábado. Nessa ação do Greenpeace, demos prioridade a essas e outras mulheres. São elas que estão com mais dificuldade, com filhos e sozinhas, ou em um relacionamento abusivo”, comenta Helder. 

“O que chamou muita atenção das pessoas na cesta foi a berinjela, porque ela é cara. Então a gente tá comendo a mesma coisa que morador bacana do Alphaville. Do mesmo roçado”, reflete Helder. “A gente só conhece pela televisão o Greenpeace. E ficamos contentes, pensando ‘como é que o Greenpeace enxerga nós aqui?’. Além do obrigado, é o olhar das famílias que toca a gente. Você sabe que os olhos falam pela alma.” 

Em Bela Vista, “chegou uma cesta diferente”

Voluntárias da Cozinha Popular recebem caixas com alimentos em Bela Vista, Fortaleza © Aspásia Mariana / Greenpeace

Foi entre as panelas de outra Cozinha Popular que também aconteceu uma doação em Fortaleza. Na Grande Bela Vista, onde residem cerca de 30 mil pessoas, Thiago Nascimento, 34, chapeiro da cozinha, ajudou a organizar a distribuição das cestas, depois da entrega das 200 quentinhas semanais. 

Assim como nos demais bairros, é a olho nu que se vê o acirramento do que o próximo Censo deve apontar: baixo IDH, alta taxa de homicídio, pessoas em situação de rua e/ou pedindo esmola no farol. A insegurança alimentar sempre faz parte desse pacote. “Muitas coisas faltam, ainda mais com a diminuição do auxílio emergencial”, conta Thiago, também membro do MTD.

“Priorizamos as cestas para quem está mais vulnerável. Uma senhora cadeirante, uma casa cheia de crianças… A maioria é para mulheres. Acabou sendo uma cesta muito diferente. Geralmente não tem café, fruto, é só aquela coisa enrolada no saco. Mas isso aqui é coisa boa. O feijão sem buiú, sem pedra. Jerimum, macaxeira, fubá, batata doce, goma… Além de serem coisas da agricultura familiar tem esse aspecto regional”, pondera Thiago. 

Tem sinal de vida na Barra do Ceará

Moradoras da Barra do Ceará, em Fortaleza, recebendo os alimentos © Aspásia Mariana / Greenpeace

“Nasci na Barra do Ceará. Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira” afirma a moradora Edlane de Sousa, 35. “Já passei necessidade na minha infância. E o que eu passei, não quero para minhas filhas, uma de 12 e outra de 4 anos.” 

A convite da mais velha, Edlane começou a fazer parte do projeto “Aqui tem sinal de vida”. “Se chama assim porque o morro existe. Existe gente aqui. É uma área esquecida pelas autoridades. Aqui ainda tem casa que não é de alvenaria”, diz. 

“Como conhecemos as famílias mais carentes, vemos para quem dar. Algumas pessoas vieram retirar na minha casa. Outras, não conseguiram carregar. Era muito pesado. Peguei a Kombi do trabalho do meu marido e fui lá levar. 

Vi que uma mãe dividiu com a outra. Saíram dividindo goma, fruta… E ouvi as crianças falando assim ‘Olha, mãe, vamos comer banana! Vamos comer ovo!’. Ver uma criança falar isso é muito especial.  É uma cesta cheia de nutrientes.”

Cestas para o Parque das Tribos, aldeia urbana em Manaus

Terceira doação da campanha no Parque das Tribos, Manaus © Rodrigo Duarte/Greenpeace

“Foi a primeira vez que realmente juntamos presencialmente as duas pontas”, conta Renata Peixe-Boi, 37, da Rede Maniva, que atua para a promoção da agroecologia no Amazonas. “Dona Mirian, que planta com sua família e outros agricultores na redondeza do município de Rio Preto da Eva (AM), foi ao Parque das Tribos acompanhar a doação para 110 famílias. Foi muito bonito.” 

É a terceira doação que realizamos no bairro, que tem mais de 3 mil indígenas de 30 diferentes etnias. Dessa vez, a ação aconteceu no dia 10 de julho direto na Segunda Etapa, área ribeirinha mais carente do bairro e contou com a ajuda de Vanda Ortega e sua irmã. “Moradora do Parque das Tribos, Vanda é uma liderança do povo Witoto, a primeira vacinada no Estado, uma mulher muito importante na luta pela saúde e educação indígena”, comenta Renata. 

Como água no deserto – 4 toneladas em Maceió

Voluntários e moradores recebendo os alimentos da agricultura familiar no Bairro da Levada, em Maceió © Leonardo André/Greenpeace

No dia 11 de julho, domingo, a doação de 200 cestas aconteceu no Bairro da Levada, periferia de Maceió. “É a mesma coisa que você estar num deserto, com sede, e lá chegar água”, descreve Débora Nunes, 41, nossa parceira do MST de Alagoas que colaborou na organização. “A fome não é uma retórica. Não voltou apenas ao mapa. Voltou pra vida, pro cotidiano, pra realidade de muita gente.” 

“A ação da Campanha é um ponto de encontro da solidariedade com a falta. A comida distribuída veio de dois assentamentos e um acampamento”, conta Débora. “Doaram com força, sem pena. Tinha batata, macaxeira, banana, laranja, feijão, farinha. Tudo que o ser humano precisa pra ser feliz, veio”, conta a moradora Flávia Fernandes dos Santos, 42, mãe de 5 filhos, que não recebe o kit merenda da escola há mais de um ano. “Eu sou meio que um microfone. Fui avisando que íamos dar coisa na praça. De repente, estava cheia a praça, com pessoas do Bairro da Levada, do Bairro do Bom Parto e uma comunidade da Beira da Lagoa. Não teve briga nem aglomeração. Deu tudo certo. Desde domingo, que recebemos a cesta, a gente tá comendo na fartura”, comemora Flávia, que atuou na organização.

Essas ações só foram possíveis por conta das pessoas que estão contribuindo com o Greenpeace. A campanha continua: infelizmente, são quase 20 milhões de pessoas passando fome! Você quer continuar colaborando?

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