Velho conhecido do desmatamento ilegal volta à cena na Amazônia
Um dos maiores pecuaristas do Pará, conhecido como Maranhense, dribla a lei para sair impune da destruição da floresta
A destruição da Amazônia é motivada por muitos fatores, mas um dos principais combustíveis que mantém a máquina do desmatamento funcionando é a impunidade, que permite que desmatadores encontrem espaço e mecanismos para continuar lucrando, custe o que custar.
Nesta nova denúncia, que faz parte da série que o Greenpeace Brasil vem publicando sobre os crimes cometidos no chão da floresta, é possível ver como a fragilidade de um sistema de registro de propriedades em áreas rurais tem sido usada como brecha para invasores da floresta, entre eles alguns já velhos conhecidos da justiça, driblarem a lei.
Segundo dados do DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2019 e maio de 2020, os alertas apontam para um desmatamento de mais de 6 mil quilômetros quadrados, 80% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado.
Entre 01 de Agosto de 2019 e 25 de Junho de 2020, os antigos limites da Fazenda Tiborna registraram 5.369 hectares de Desmatamento dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará. Foi o segundo maior desmatamento da Amazônia no período. É nessa mesma região que um velho conhecido do Greenpeace, que já foi alvo da Organização em uma investigação sobre a exploração ilegal e predatória de madeira, volta à cena. Seu nome é Antônio Lucena Barros, mais conhecido como “Maranhense”.
“Maranhense” é um dos maiores pecuaristas do Pará e vende gado para outros pecuaristas e para grandes frigoríficos, dentre os quais a gigante global de proteína animal, JBS. Ele é proprietário da Fazenda Tiborna (PA), situada justamente na APA Triunfo do Xingu. Depois de ter sua fazenda multada em mais de R$ 3 milhões e embargada por desmatamento, em setembro do ano passado, ele alterou no Cadastro Ambiental Rural (CAR) o registro dos limites dessa propriedade. De 58 mil hectares, a Fazenda Tiborna passou a ter 7 mil hectares. Parte significativa da antiga delimitação acabou “desaparecendo” e foi fatiada em vários polígonos com nomes de proprietários diferentes.
Valendo-se de cenário político favorável a quem deseja explorar ilegalmente a floresta com a certeza da impunidade, “Maranhense” simplesmente terceirizou a responsabilidade do embargo e da multa do IBAMA da antiga Fazenda Tiborna para a Fazenda Mata Verde, atualmente sob o domínio de Ronaldo Barreira dos Santos. E apesar da multa, que nunca foi paga, continuar no nome de Antônio Lucena Barros, a área embargada agora está na fazenda de outra pessoa.
Não por acaso, foi exatamente neste pedaço de terra do qual Maranhense escolheu “abrir mão” no novo Cadastro Ambiental Rural que, poucos meses depois, surgiu o desmatamento de 5.369hectares. Quando o assunto é desmatamento ilegal, a carteira de contravenções de “Maranhense” já acumula multas aplicadas pelo Ibama que chegam a R$ 45 milhões. Isso mostra que não estamos diante de um amador na “arte” de desmatar a floresta.
Maiores frigoríficos do Brasil recebem carne de origem incerta
A Fazenda Tiborna, que até setembro do ano passado era uma propriedade embargada por desmatamento ilegal, comercializou gado entre janeiro de 2018 e fevereiro de 2020 com 29 estabelecimentos diferentes. Entre eles, a Fazenda Nuvem Branca II, que também é de propriedade de Maranhense e abastece diretamente o Frigorífico JBS, em Redenção, no Pará.
Não é possível afirmar que os bois que saíram da fazenda Tiborna são os mesmos que foram abatidos pela JBS. Entretanto, sem o controle total da cadeia de fornecedores, há grande chance de haver uma contaminação por desmatamento no abastecimento de carne desse frigorífico. Essa prática, na qual o invasor da floresta tenta apagar da cadeia de produção a conexão entre o boi e a floresta desmatada, é chamada de lavagem ou esquentamento de gado. Ela acontece quando um produtor tem uma fazenda com embargo ambiental ou outra irregularidade e se vale de fazenda de uma terceira pessoa ou dele próprio que não tenha irregularidades para repassar seu gado aos frigoríficos.
Como se “limpa” esse rastro obscuro? O animal passa durante sua vida, do nascimento à engorda, em uma ou mais fazendas embargadas ou com outras irregularidades, que no caso do Maranhense é a Fazenda Tiborna, e depois é transferido para uma fazenda “ficha limpa”, a Nuvem Branca II, que também é de sua propriedade, mas que não possui restrições para vender animais para frigoríficos comprometidos em eliminar o desmatamento da cadeia produtiva.
Independente de onde estamos, ainda é difícil ter certeza de que ao comprarmos uma carne que ela vai ser livre de desmatamento. Praticamente nenhum frigorífico ou supermercado que compra gado e/ou derivados da Amazônia pode garantir a seus clientes que essas compras sejam totalmente livres de desmatamento e outras irregularidades – como a invasão de áreas protegidas e conflitos por terra, por exemplo.
O caso de “Maranhense”, dentre tantos outros que vêm sendo denunciados, revela que lavagem de gado não é apenas uma vulnerabilidade pontual de uma ou outra empresa. Contamina a credibilidade comercial de um setor inteiro.
Por mais que os governos não estejam colaborando para que o setor avance no controle e transparência nos elos da cadeia de produção de animais e nem atenda às demandas globais de produtos não vinculados a problemas socioambientais, as empresas não podem se esquivar de sua responsabilidade. Não podemos esquecer que diante da conjuntura política atual, casos como o de “Maranhense” só tendem aumentar.
“Este governo abriu mão do seu papel de proteger a Amazônia para incentivar o desmatamento. E assim acabam boicotando a economia do país porque muitos mercados relutam em estar vinculados a produtos tingidos com a destruição florestal. Não há mais espaço para passar a boiada. O mundo todo está de olho. E o Greenpeace seguirá incansável na exposição e cobrança de medidas para proteger a floresta e os povos que cuidam dela”, diz Rômulo Batista, da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil.
“Maranhense”, uma relação de longa data com a destruição
Antônio Lucena Barros começou a fazer fortuna no Pará quando a família investiu na extração ilegal de mogno nas terras dos indígenas Kayapó, no Sul do estado, em 1998. Na época, “Maranhense” teve de responder pelos vários crimes que cometeu, do desmatamento ilegal em terras indígenas à exposição de trabalhadores a condições degradantes e análogas ao trabalho escravo.
Com o fim da “era do Mogno”, época conhecida pela retirada criminosa da madeira que virou símbolo da atividade florestal predatória e da fiscalização corrupta no Pará, o fazendeiro transferiu seu interesse para a atividade pecuária.
APA Triunfo do Xingu
A Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu está localizada nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, no Pará. É uma das maiores Unidades de Conservação (UCs) que fazem parte da Terra do Meio, um mosaico de terras protegidas com grandes blocos contínuos de floresta primária.
Criada em 2006 para garantir a conservação da biodiversidade, dos recursos naturais, melhoria da qualidade de vida da população local e a contenção do desmatamento, a UC de 1,6 milhão de hectares vem sofrendo com ações de exploração ilegal de madeira, grilagem de terra e desmatamento.
Em 2019, o desmatamento dentro da Unidade teve aumento de 30%, segundo dados do Prodes, na comparação com 2018. Foi a UC que registrou o maior incremento do desmatamento até 2019, segundo os dados do Terra Brasilis e, de acordo com o Deter, no primeiro semestre de 2020, já foram identificados alertas de desmatamento em 18.214 hectares.