
Pressionado por lobistas da indústria petroquímica, o Comitê Intergovernamental de Negociações adia decisão crucial para enfrentar a crise da poluição plástica
Todo mundo tem aquele amigo que diz: “se você não for, eu também não vou”. Pois foi exatamente esse clima que tomou conta da sala de negociações em Genebra, onde mais de 180 países estavam decidindo o futuro do Tratado Global contra a poluição plástica, capaz de mudar o rumo da crise dos plásticos em todo o planeta.
Prevista para ser a última etapa do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC 5.2), a conferência que se encerrou nessa sexta-feira, 15 de agosto, reuniu centenas de governadores e tinha um objetivo:
Definir regras claras para reduzir a produção, regular químicos tóxicos e promover soluções integradas de reciclagem.
Mas o resultado foi decepcionante. Alguns países foram “Maria vai com as outras” e seguiram aqueles que davam bom exemplo, defendendo um tratado forte e justo. Outros, e infelizmente o Brasil estava nessa turma do fundão, estavam muito mais alinhados com interesses de petroquímicas, falsas promessas de reciclagem e velhos lenga-lengas que conhecemos bem.
Diante da falta de consenso, a conferência terminou sem qualquer acordo, adiando mais uma vez a decisão e deixando o mundo sem orientações para conter o avanço de uma crise que já ameaça ecossistemas, saúde humana e a estabilidade climática.
“Enfrentar a poluição por plástico no mundo significa confrontar a indústria dos combustíveis fósseis. Não à toa, os maiores produtores de petróleo foram justamente os que travaram essa nova rodada de negociações pelo fim da poluição plástica”, explica a coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade.
Por que o mundo precisa se unir contra a poluição plástica?
Esse comitê (chamado de INC), criado para negociar um grande Tratado Global contra a poluição plástica funciona como uma grande mesa de diálogo multilateral e participam delegações governamentais e observadores, que incluem:
- Especialistas;
- Sociedade civil, ou seja, o povo;
- O setor privado, como empresas;
- Organizações internacionais.
Reunidas em sessões plenárias e grupos de trabalho, as decisões são tomadas por consenso, ou seja, caso um país ou grupo discorde, pode travar todo o processo. Havendo um consenso, o tratado ainda precisaria ser assinado e ratificado por cada país.
E foi justamente a exigência de decisão por consenso que permitiu que um pequeno grupo de países bloqueasse propostas apoiadas pela maioria, levando a reunião a se encerrar mais uma vez sem um tratado ambicioso e eficaz para enfrentar a poluição por plástico.
Por que precisamos do Tratado Global dos Plásticos?
Um acordo de impacto poderia transformar todo o ciclo de vida do plástico, garantindo:
- Redução da fabricação de plásticos virgens;
- Escolha de materiais mais seguros e recicláveis;
- Implementação de sistemas eficientes de coleta e reciclagem, evitando que resíduos cheguem a rios, oceano e ao corpo humano.
Com isso, ecossistemas, comunidades costeiras e todo mundo sofreriam menos impactos da poluição, preservando a saúde humana por meio da redução da ingestão de microplásticos e produtos químicos nocivos.

Os impasses e bastidores das negociações
As negociações em Genebra foram intensas. Versões cada vez menos ambiciosas do texto do acordo foram divulgadas e trabalhadas pelos negociadores. Um dos principais entraves foi a forte presença de lobby de empresas de petróleo, petroquímicas e da indústria do plástico, que resistiram à redução de suas produções poluentes e se fizeram muito presentes nos espaços de negociação. Segundo o relatório Plastics, Profits & Power, essas empresas produziram, desde o início das negociações, plástico suficiente para encher incríveis 6,3 milhões de caminhões de lixo, ou seja, cerca de cinco caminhões por minuto.
Enquanto isso, o impacto global da poluição por plástico segue alarmante: mais de 11 milhões de toneladas por ano acabam nos oceanos, e microplásticos já foram detectados no sangue, placenta e leite materno, sinalizando riscos reais à saúde humana.
Fonte: ScienceDirect
O que a ciência e a sociedade civil defendem ser incluído no tratado:
- Redução global e obrigatória da produção de plástico virgem;
- Regras internacionais vinculativas, não apenas compromissos voluntários;
- Controle das substâncias químicas prejudiciais;
- Proteção da saúde humana e dos direitos das comunidades afetadas;
- Critérios universais de segurança, sustentabilidade e transparência;
- Apoio financeiro garantido a países em desenvolvimento.
O que os países alinhados à indústria petroquímica queriam:
- Ausência de metas obrigatórias para reduzir a produção;
- Foco restrito à gestão de resíduos, sem abordar todo o ciclo de vida do plástico;
- Propostas voluntárias e de alcance limitado;
- Obrigações financeiras condicionadas com linguagem vaga como “dentro das capacidades”.
Brasil entre liderança e contradição
O Brasil chegou as reuniões da INC 5.2 com visibilidade internacional, por ser país-sede da COP30 e um dos mais representativos em biodiversidade global. No entanto, a posição brasileira se distanciou de propostas mais ousadas, como o banimento de certos plásticos, e passou a defender uma abordagem “balanceada”, atrelando ações a financiamentos. Também foi cofacilitador em discussões complexas sobre saúde humana, mas não impulsionou a redução da produção de plástico.
“A poluição por plástico e as mudanças climáticas são duas ameaças conectadas e rastreadas até os combustíveis fósseis. Como o Brasil pretende presidir negociações climáticas relevantes sem sustentar uma posição firme diante da causa da crise da poluição? Essa não é uma conversa diferente da que precisamos ter na COP30.” — Mariana Andrade, porta-voz da Frente de Oceanos do Greenpeace Brasil.
Novas rodadas de negociação estão previstas, mas ainda não há definição sobre quando ou onde ocorrerão. Até lá, a poluição plástica continua a avançar, enquanto o mundo aguarda um tratado realmente capaz de enfrentar a crise global.
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