Conheça as estratégias de greenwashing e lobby do Agronegócio para reorientar a narrativa, minimizar a importância de suas emissões e influenciar as regulações ambientais.

Estamos agora em Belém, no coração da Amazônia, acompanhando a COP30 junto a muitos representantes da sociedade civil. Esse é o momento em que líderes do mundo inteiro precisam mostrar coragem e ambição para garantir um futuro possível e um planeta mais habitável para todos nós. E estamos aqui para cobrar exatamente isso: decisões que coloquem as pessoas e o planeta acima dos lucros.

Mas quem já acompanha as COPs sabe que nem só de compromissos climáticos vive o evento. Além dos governos, cientistas e sociedade civil, as conferências estão cheias de lobistas e, desta vez, não apenas os do petróleo. Como a COP acontece na Amazônia, o agronegócio marca presença em peso1, com destaque para a JBS, maior produtora de carne do mundo e símbolo de um modelo de produção marcado pelo desmatamento e pela expansão da pecuária sobre ecossistemas sensíveis.

A agropecuária é um dos principais motores da crise climática. E o setor pecuário, sozinho, é a maior fonte de metano de origem humana no planeta, um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO₂ no curto prazo. Ainda assim, as grandes corporações do agronegócio vão à COP com discursos prontos para tentar se vender como parte da solução, apagando do discurso sua participação no problema.

O metano: o gás invisível que superaquece o planeta

O metano é um gás de efeito estufa 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO₂) em um período de 20 anos. Ele já é responsável por quase um terço do atual aquecimento global22, e suas emissões continuam subindo.
Inclusive no Brasil, de acordo com os dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) divulgados em novembro, a agropecuária foi responsável por 29% das emissões brutas do Brasil em 20243. Desse total, 70% correspondem às emissões de metano, cuja principal fonte é o rebanho bovino.

Mesmo assim, menos de 4% das notícias sobre clima citam a agropecuária como fonte de emissões4. Isso não é coincidência: a indústria investe milhões em marketing, lobby e relações públicas para disfarçar seu papel e atrasar medidas concretas.

O desmatamento: um vilão intencionalmente omitido

Nos eventos do agro paralelos às negociações (side-events), quase não se ouve a palavra desmatamento, ainda que no Brasil a agropecuária tenha sido responsável por 97% do desmatamento nos últimos seis anos (2019-2024)5, e o desmatamento tenha respondido em 2024 por 42% das emissões nacionais. Para demonstrar que o problema ainda está longe de ser superado, o Greenpeace publicou dois estudos de caso mostrando como gado criado em áreas irregulares contaminou a cadeia da JBS. 

Agronegócio e desmatamento na Amazônia © Christian Braga / Greenpeace
Pastagens e campos de soja na Amazônia. © Christian Braga / Greenpeace

COP30: o novo palco do greenwashing do agronegócio

Com base em um guia recente da Desmog sobre greenwashing, ou “maquiagem verde”, separamos alguns dos termos que os gigantes do Agro tem trazido para a COP30:

1. “Agricultura regenerativa” e “pecuária tropical” – a ilusão da terra mágica

A nova promessa do agronegócio é que os solos e as árvores onde o gado é criado poderiam “compensar” as emissões dos próprios animais6, e até ajudar o clima. Alguns chegam a afirmar que o gado criado nos trópicos teria um papel positivo na absorção de carbono da atmosfera. Mas no fundo dessas melhorias, sempre está o aumento crescente da produção. 

Na prática, o metano liberado por inúmeros bois criados em larga escala anula qualquer benefício possível desses sistemas. Termos como “agricultura regenerativa”, “pecuária de baixo carbono” ou “carbono positivo” soam bem, mas costumam ser diferentes versões do mesmo truque: um punhado de terra melhor manejada para distrair da nuvem de gases de efeito estufa produzido pelo setor. E, se considerarmos o desmatamento, é ainda mais absurdo que o setor tente se colocar como solução climática. 

2. A meta de “sem aquecimento adicional” – o truque contábil do século

Outro malabarismo que representantes do setor devem incluir nas discussões é a nova métrica de metano chamada meta de “sem aquecimento adicional” (GWP*)7, que soa bem, mas é uma armadilha. Cientistas alertam que é uma tentativa de minimizar os impactos do setor8 e que permite alegar neutralidade sem efetivamente mudar seus sistemas de produção. Ou seja, eximindo-se da responsabilidade de reduzir significativamente as emissões, enquanto seguem poluindo. A Embrapa e o agronegócio brasileiro9 estão defendendo a adoção da métrica.

O problema? Os níveis de metano na atmosfera já são mais de duas vezes e meia maiores do que antes da Revolução Industrial10. Esse tipo de meta não reduz emissões, apenas mascara o problema. O planeta precisa de cortes reais e imediatos, não de ilusões contábeis.

3. “Financiamento para a transição” – virando o jogo para lucrar mais

O agronegócio pede que o mundo pague para que ele mude11, ou melhor, não mude. Planos de negócios disfarçados de plano climático, garantindo lucros ao setor com o dinheiro que deveria ser usado para uma transformação profunda (como apoiar a agroecologia ou a diversificação proteica). Ao demandar financiamento climático internacional para o setor, o agronegócio tenta transferir a responsabilidade e o custo da sua própria transição12 para o contribuinte e para os fundos globais. Mais recursos canalizados para projetos que apenas otimizam seus lucros, como a recuperação de pastagens e o uso de tecnologias experimentais e pouco transparentes13.

Manifestação pacífica do Greenpeace Brasil na sede da JBS em abril de 2025. © Greenpeace
Manifestação pacífica do Greenpeace Brasil na sede da JBS em abril de 2025. © Greenpeace

4. “Nós alimentamos o mundo”- o mito mais conveniente do agronegócio

Um dos discursos mais repetidos é o de que o agronegócio “alimenta o mundo”, mas a realidade é outra: a fome aumenta em várias partes do planeta14. No Brasil, é a agricultura familiar quem gera emprego e renda no campo e garante a produção de comida saudável e sustentável para a população, mas só receberá cerca de 15% do financiamento do Plano Safra em 2025/2615.

Esse argumento é sobre lucros, não sobre segurança alimentar. O modelo agroindustrial global prioriza commodities e exportações, não a soberania alimentar. Outros impactos como a “financeirização da terra” e a concentração fundiária são parte desse modelo, que frequentemente impacta e/ou desloca povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

5. “Progresso e desenvolvimento” – o discurso do passado travestido de futuro

Por trás da retórica bonita sobre empregos e desenvolvimento, o agronegócio vende a expansão agropecuária, inclusive sobre a florestas e seus povos, como “progresso”.

Mas a realidade é que o modelo defendido pelo setor mantém comunidades locais dependentes e sem acesso justo à terra, enquanto os lucros seguem concentrados nas mãos de grandes corporações e poucos fazendeiros. O relatório “Segure a Linha” do Greenpeace mostrou que 58% dos municípios do Matopiba, tida como região de rápida expansão do agronegócio, continuavam pobres e são ainda mais desiguais do que a média de seus estados.

E, no Brasil, a agropecuária segue como um dos principais setores fonte de trabalho análogo à escravidão16, e empresas como a JBS, por falta de controle de suas cadeias produtivas, seguem expostas a violações de direitos humanos e conflitos pela terra17.

Gado em pastagem, ao lado de área desmatada e recém queimada, em Candeias do Jamari, Rondônia, em 2021
Gado em pastagem ao lado de área desmatada e recém queimada, em Candeias do Jamari, Rondônia, em 2021 © Victor Moriyama / Amazônia em Chamas

6. “Os combustíveis fósseis são o verdadeiro problema” – a cortina de fumaça final

E o truque final é o desvio de atenção. O agronegócio aponta para o petróleo e o carvão e diz: “nós não somos o problema”. Mas continua emitindo metano em larga escala e desmatando para abrir novas áreas de pastagem e plantações de soja para ração animal.

Um relatório do Greenpeace Nórdico em parceria com outras organizações estimou que cinco empresas de carne – JBS, Marfrig, Tyson, Minerva e Cargill – emitem, juntas, mais do que as emissões reportadas pela Chevron, Shell ou BP. E as 45 maiores empresas de carne e laticínios do mundo têm emissões estimadas maiores do que as da Arábia Saudita, considerado o 2º maior país produtor de petróleo do mundo18.

Sim, os combustíveis fósseis são grandes responsáveis pela crise climática, mas de acordo com a FAO, o sistema agroalimentar também é um grande emissor de gases de efeito estufa, respondendo por um terço das emissões no mundo e, no Brasil, a agropecuária responde por 71% das emissões, incluindo o desmatamento. Não existe solução climática possível se ambos não forem enfrentados.

Menos lobby, mais ação

Mesmo diante dos fatos inegáveis que os apontam como grandes responsáveis pela crise climática, os gigantes do agro tentam inverter o papel, passar de vilão a vítima que precisa de apoio financeiro para “se tornar sustentável”19. O discurso é envolto em termos técnicos e promessas de inovação, produtividade e “transição justa”, mas no fim serve ao mesmo propósito: captar recursos sem mudar o modelo que destrói florestas e aquece o planeta. Estamos na COP30 para expor esses truques e pressionar por transformações reais.

Esse tipo de atuação atrasa negociações e impede compromissos claros sobre como zerar o desmatamento. É preciso concretizar a promessa de sairmos de Belém com um mapa do caminho com planos concretos, mecanismos de implementação e fontes claras de financiamento. Por isso, o Greenpeace apresentou um plano de ação para colocar as florestas no centro das negociações climáticas, com a missão de implementar e monitorar a meta global de deter e reverter o desmatamento até 2030.Enquanto o agronegócio pinta de verde suas promessas, as florestas seguem em risco.

Exija ação real dos líderes mundiais: assine a petição #RespeitemAAmazônia.

  1. Changing Markets ↩︎
  2. UNEP ↩︎
  3. Seeg ↩︎
  4. Sentient Media ↩︎
  5. Mapbiomas ↩︎
  6. Bloomberg Linea ↩︎
  7. Repórter Brasil ↩︎
  8. Repórter Brasil ↩︎
  9. Cicarne Embrapa ↩︎
  10.  https://www.esa.int/Applications/Observing_the_Earth/The_2024_Global_Methane_Budget_reveals_alarming_trends ↩︎
  11. Folha de São Paulo ↩︎
  12.  Desmog ↩︎
  13. O Joio e o Trigo ↩︎
  14.  https://www.globalhungerindex.org/ ↩︎
  15.  Plano Safra ↩︎
  16. https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/perfil-trabalhadores-da-agropecuaria-pecuaria-construcao-civil-e-de-carvoarias-foram-os-mais-resgatados-de-condicoes-analogas-a-escravidao-no-pais ↩︎
  17.  HRW ↩︎
  18. FAO ↩︎
  19.  Estadão Agro ↩︎

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