Iniciativa mostra que materiais de baixo custo e protagonismo comunitário podem orientar políticas públicas e garantir justiça climática na Amazônia

Fossa séptica biodigestora instalada na Escola Estadual Professor Raimundo Pereira da Silva, na Vila do Carmo do Maruanum, zona rural de Macapá (AP). © Marlon Vieira / Greenpeace

A instalação da fossa séptica biodigestora na Escola Estadual Professor Raimundo Pereira da Silva, na Vila do Carmo do Maruanum, zona rural de Macapá (AP), é resultado de uma parceria entre a escola e o Coletivo Utopia Negra Amapaense, que criou o projeto “Quilombo Vivo”, que une educação climática e adaptação com protagonismo comunitário. 

A tecnologia, desenvolvida pela Embrapa, é uma solução de baixo custo e alto impacto, além de ser também uma alternativa às fossas convencionais, que contaminam o lençol freático e acabam poluindo os cursos d ‘água. 

O modelo pode ser adaptado para áreas alagáveis, o que o torna especialmente relevante para comunidades amazônicas que vivem próximas aos rios e enfrentam tanto períodos de cheia quanto de estiagem. Em territórios em que a subida do rio acompanha o modo de vida, essa é uma resposta que garante saúde e resiliência.A instalação da fossa preenche uma lacuna importante para o território: o acesso ao saneamento básico. Macapá enfrenta desafios históricos nessa área e segue entre as capitais com os piores índices do país, segundo o Ranking do Saneamento 2025, do Instituto Trata Brasil.

Valdemy Barbosa da Silva, gestor da Escola Estadual Professor Raimundo Pereira da Silva, na Vila do Carmo do Maruanum, em Macapá (AP). © Marlon Vieira / Greenpeace

Saneamento básico é dignidade”, afirma Valdemy Barbosa da Silva, gestor da escola. A frase também dá nome à cartilha que ele segura nas mãos, produzida pelo Coletivo Utopia Negra, com orientações sobre o uso e cuidado com a fossa. 

“Esse projeto trouxe muitas melhorias para nós, moradores do quilombo. A fossa biodigestora não precisa de manutenção constante, como as convencionais, que logo enchem e acabam contaminando o solo. Essa nova tecnologia melhora nossa qualidade de vida e ajuda a prevenir doenças. Quando o saneamento não chega, o problema deixa de ser apenas ambiental e se torna uma questão de saúde pública, que pode chegar até a sobrecarregar os hospitais, por exemplo”, reflete o gestor.

O sistema, composto por caixas d’água interligadas, utiliza bactérias que decompõem a matéria orgânica do esgoto, eliminando odores, dispensando o esgotamento e gerando um biofertilizante natural, que Valdemy conta que será usado para fortalecer bananeiras, cajueiros e pés de açaí, espécies que poderão resistir melhor à estiagem com o reforço de nutrientes, além de tornar o espaço mais verde e resiliente às variações do clima.

O processo foi coletivo desde o início. “A gente dividiu o projeto em duas etapas”, explica Alícia Miranda, integrante do coletivo Utopia Negra. “A instalação da fossa, a tecnologia social adotada no Quilombo Vivo, e as oficinas formativas fizeram parte de um processo que colocou o fortalecimento comunitário no centro. Para nós, não se trata só de explicar como a fossa funciona, mas de discutir questões que atravessam a vida no quilombo, como mudanças climáticas, racismo ambiental e práticas sustentáveis”, complementa. 

A cada oficina, mais pessoas se envolviam e aprendiam a cuidar do sistema, que agora é gerido pela própria comunidade.

Alícia Miranda, integrante do Coletivo Utopia Negra Amapaense © Marlon Vieira / Greenpeace

A fossa virou conteúdo de aula, a educação ambiental ganhou força e os alunos passaram a multiplicar o conhecimento sobre saneamento e cuidado com o território. 

“A gente queria trabalhar com educação climática e adaptação alinhando essas temáticas ao uso de uma tecnologia social feita com, por e para quem vive os maiores impactos da crise climática e falta de acesso a direitos fundamentais, como saneamento básico. A fossa mostra que soluções comunitárias e acessíveis podem garantir dignidade e saúde”, explica Alícia Miranda, integrante do coletivo.

Mas, como reforça Valdemy, a responsabilidade não pode ser apenas da comunidade. Em um estado onde apenas 4% da população tem acesso à rede de esgoto e quatro em cada dez pessoas não têm água potável, a experiência de Maruanum mostra que a adaptação climática precisa de apoio do poder público

“Essa fossa é uma tecnologia acessível e poderia estar em muitas comunidades ribeirinhas. O governo precisa olhar com carinho pra isso. Saneamento é saúde, é dignidade, e faz parte da adaptação às mudanças do clima”, completa o gestor.A iniciativa do Utopia Negra e da comunidade quilombola do Maruanum revela o que o futuro da adaptação climática na Amazônia pode ser: um caminho onde conhecimento tradicional, inovação comunitária e políticas públicas caminham juntos para garantir justiça climática e qualidade de vida nas margens dos rios.


Instalação da Fossa Séptica Biodigestora na Escola Estadual Professor Raimundo Pereira da Silva, na Vila do Carmo do Maruanum, zona rural de Macapá (AP). © Marlon Vieira / Greenpeace

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