
No cenário das grandes decisões sobre o mar, o Brasil aparece com uma nova lei e uma velha missão: garantir que ela funcione.
Com um discurso caloroso sobre o oceano, o presidente Lula abriu a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), que acontece esta semana em Nice, na França, ao lado de outros chefes de estado. O evento é considerado o encontro mais importante da diplomacia global pelos oceanos — e procura discutir ações para a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 14, dedicado à Vida na Água.
Na plenária, Lula afirmou com urgência: “O oceano está com febre”.
Ao colocar o oceano como palco da cooperação internacional e da promoção da paz, o presidente expressou gratidão à Secretária-Geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, Letícia Carvalho, e confirmou que o Brasil irá ratificar o Tratado pela Biodiversidade em Alto Mar (também chamado de Tratado Global dos Oceanos ou BBNJ) ainda em 2025.
Reforçando a urgência de proteger 30% em áreas oceânicas e de acabar com o desmatamento da Amazônia até 2030, o presidente reconheceu a necessidade de uma transição para longe dos combustíveis fósseis, em frente ao Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que compôs a delegação do Brasil de forma inesperada.
O Brasil ainda anunciou compromissos voluntários como:
- Ampliação das Áreas Marinhas Protegidas;
- Avanço na implementação do Planejamento Espacial Marinho;
- Integração do oceano nas metas climáticas brasileiras (NDCs);
- e incentivo à ciência, educação e cultura oceânica.
Com uma delegação brasileira composta por nomes de peso — como as ministras Marina Silva e Luciana Santos, o pronunciamento do governo brasileiro destacou que a COP30 será um marco para as decisões climáticas globais, das quais o oceano não pode ser separado. Lula solicitou o apoio do Secretário-Geral da ONU, António Guterres para ressaltar a importância da conscientização, da educação e da credibilidade dos alertas aos impactos das mudanças climáticas neste momento vital para o planeta.
“Para o Greenpeace e a sociedade civil brasileira, a jornada de Nice a Belém, da Conferência da ONU sobre o Oceano à COP30, começou há muito tempo. Temos trabalhado na construção de uma visão comum sobre o nexo oceano-clima-biodiversidade como uma agenda unificadora, reafirmando nosso compromisso com a defesa dos direitos humanos e com a proteção da biodiversidade marinha em todos os ecossistemas, dos manguezais e recifes de corais ao mar profundo.”
Afirma a porta-voz da frente de Oceanos, Mariana Andrade.
Nas vésperas da Conferência, o Greenpeace Brasil participou de uma mesa redonda na Câmara dos Deputados, organizada pela Frente Parlamentar Ambientalista para discutir com parlamentares e outras instituições da sociedade civil acerca da necessidade de uma maior coragem e ambição nos compromissos brasileiros na proteção do oceano. O evento, que ocorreu na mesma semana da aprovação da Lei do Mar (PL 6969/2023), celebrou o despertar do Brasil para a importância do oceano como elemento central das conversas sobre clima, biodiversidade e direitos humanos.

O projeto de lei conhecido como “Lei do Mar” foi aprovado na Câmara dos Deputados em 27 de maio de 2025, por 376 votos a favor da criação da Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar). Esta política tem implicações profundas: ela integra diversos instrumentos de gestão dos ecossistemas marinhos e costeiros e indica caminhos para ordenar atividades econômicas que ocorrem na zona costeira e no território de mar do Brasil.
O que a lei propõe?
Entre os principais pontos, a nova legislação:
- Reforça o combate à pesca ilegal e à poluição marinha;
- Define diretrizes para o uso sustentável do espaço oceânico, inclusive em setores como turismo, energia e mineração;
- Garante a participação das populações tradicionais na gestão e na tomada de decisões sobre o mar;
- Cria indicadores ambientais com base em ciência e conhecimentos locais;
- Determina que, nas zonas de transição entre o mar e outros biomas, deve valer sempre o regime de proteção mais favorável.
A especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno, afirma:
“A aprovação da Lei do Mar na Câmara significa uma vitória para o país! Sua construção precisou da mobilização de diversos campos e atores da sociedade, que se articularam por mais de dez anos com o poder público e lograram elaborar um texto que contempla comunidades costeiras, organizações, movimentos sociais e diversos ministérios envolvidos. Todos saímos ganhando”.
Avanço em meio a mares turbulentos
A aprovação da Lei do Mar acontece numa conjuntura tensa. Dias antes, o Senado aprovou o chamado “PL da Devastação”, que desmonta exigências do licenciamento ambiental. O risco era que essa votação contaminasse o debate — e referências a esse retrocesso ambiental estiram presentes durante toda a votação. Ainda assim, a Lei do Mar passou. Agora, segue para o Senado e, se sancionada, os municípios costeiros terão até quatro anos para se adequar.
Em declaração ao Greenpeace Brasil, o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE) — relator da proposta na Câmara — reforçou que a nova legislação representa um avanço concreto na forma como o país se relaciona com seus ecossistemas marinhos e com as populações que deles dependem:
“A Lei do Mar vai garantir ações sustentáveis, transparentes e democráticas na gestão do oceano. Afinal, a participação de comunidades costeiras e entidades ambientais é essencial na formulação de políticas públicas voltadas à proteção da biodiversidade. Claro que ainda temos muito a avançar, o negacionismo climático continua vivo principalmente no meio político. Mas esse foi um passo histórico para o Brasil se tornar uma referência global no combate aos efeitos da crise do clima.”
A fala sintetiza o sentido mais profundo da proposta: tirar o oceano da invisibilidade política e colocá-lo no centro das decisões sobre clima, biodiversidade e justiça ambiental.
Com a aprovação na Câmara, o projeto vai agora ao Senado. A sociedade civil, movimentos sociais, cientistas e entidades que atuam no espaço costeiro e marinho seguem mobilizados para garantir que ele avance sem perdas. Porque proteger o oceano é também proteger as pessoas, o clima e o futuro do planeta.
O que podemos esperar?
A Conferência do Oceano acontece entre os dias 9 e 13 de junho. Em um ano tão importante para o oceano, é fundamental que os países utilizem esse momento para priorizar decisões coerentes com a saúde do oceano. Os compromissos assumidos em fóruns multilaterais precisam tomar forma e serem articulados com políticas públicas nacionalmente. Da Lei do Mar à ratificação do Tratado Global dos Oceanos e a não expansão de novas fronteiras exploratórias de óleo e gás, decisões sobre uso e gestão dos recursos marinhos são também decisões sobre o futuro de todos nós.
Apoie as ações do Greenpeace em defesa dos oceanos.
Sua voz é essencial nesta luta.
*Esse texto foi elaborado em conjunto com a porta-voz da frente de Oceanos, Mariana Andrade.
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