Natalie Keyssar/The New York Times via Redux Pictures

A liderança da primeira brasileira a ocupar o cargo de secretária-geral da ISA marca nova fase para a governança dos recursos marinhos internacionais.

Novo ano, novos desafios? É assim que começa 2025 para Letícia Carvalho, oceanógrafa brasileira que inicia oficialmente seu mandato como secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês). Eleita em agosto de 2024, ela se torna a primeira mulher, cientista e latino-americana a ocupar esse cargo.

A eleição ocorreu durante a 29ª Assembleia da ISA, realizada em Kingston, Jamaica, e foi fruto de um esforço coordenado entre diversos ministérios brasileiros, como Meio Ambiente e Mudança do Clima, Relações Exteriores, Minas e Energia e a Marinha. Anteriormente, Letícia Carvalho atuou como coordenadora principal do Ramo Marinho e de Água Doce do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em Nairóbi.

Sua carreira é marcada pela atuação em temas críticos, como conservação de áreas marinhas protegidas, gestão de recursos hídricos e combate à poluição marinha.

Os desafios de criar regras para os oceanos profundos

A ISA é responsável pela regulação da exploração mineral no leito marinho internacional, uma área que cobre cerca de 54% dos oceanos, considerada patrimônio comum da humanidade. 

Ativistas do Greenpeace Grécia projetam uma mensagem dizendo: "Nosso oceano não está à venda", perto do Templo de Poseidon, perto de Atenas.
Ativistas do Greenpeace Grécia projetam uma mensagem dizendo: “Nosso oceano não está à venda”, perto do Templo de Poseidon, perto de Atenas. / Greenpeace

Nos últimos anos, a organização foi foco de intensos debates devido à crescente demanda por minerais utilizados em baterias de carros elétricos, como cobalto e níquel, encontrados em alta concentração nas profundezas do Oceano Pacífico.

A mineração em águas profundas é um enorme risco para os ecossistemas marinhos. A atividade impacta diretamente a biodiversidade e também pode afetar o papel dos oceanos no enfrentamento da crise climática, já que os mares precisam estar saudáveis e com seus ecossistemas equilibrados para armazenar grandes quantidades de carbono e evitar um maior acúmulo de CO2 na atmosfera.

Enquanto empresas pressionam pela criação de regulamentações para iniciar atividades industriais, mais de 30 países pedem uma moratória ou mesmo o banimento, devido à falta de informações precisas sobre os impactos ambientais. Nesse contexto, Letícia assume o desafio de equilibrar interesses econômicos e ambientais. 

Vitória no Ártico 

Após a autorização do governo da Noruega para a concessão de licenças de mineração em águas profundas no Ártico, prevista para 2025, ativistas, cientistas e pescadores se mobilizaram para protestar e pedir a suspensão dessas licenças. A Comissão Europeia e a comunidade internacional apresentaram evidências acerca do impacto ambiental dessa atividade. Em dezembro de 2024, o governo norueguês decidiu interromper essa rodada de licenciamento por todo o ano de 2025. Ativistas e cientistas do mundo todo ressaltam que essa decisão é fundamental para a proteção dos oceanos e enfatizam que a Noruega deve se alinhar a mais de 30 países que pedem uma moratória sobre a mineração em águas profundas.

Avançar a mineração no mar profundo, sem garantias científicas, pode trazer danos irreparáveis à biodiversidade marinha

Para agravar a complexidade, a ISA enfrenta pressões de empresas como a The Metals Company, que pretende iniciar exploração comercial até 2026. No entanto, a ausência de regulamentações ambientais claras torna o cenário altamente incerto. 

A ciência pelos oceanos 

Com 26 anos de experiência em cargos executivos na administração pública brasileira e em organizações multilaterais, Letícia Carvalho é reconhecida por mediar interesses diversos. Durante sua atuação no PNUMA, liderou projetos globais de conservação marinha e combate à poluição por plásticos nos oceanos, além de promover políticas para a sustentabilidade hídrica.

“A escolha de Letícia Carvalho reflete a importância de uma liderança técnica em um momento decisivo para a governança dos oceanos. Ela demonstra um compromisso íntegro com decisões fundamentadas na ciência, essenciais para avançarmos em direção a soluções sustentáveis que respeitem a biodiversidade marinha, considerem a crise climática e garantam o acesso e os benefícios dos recursos naturais para as futuras gerações. Reforçamos nosso desejo de ver a ISA mais próxima dos governos e da sociedade civil com o objetivo de assegurar a saúde do oceano”, destacou Mariana Andrade, porta-voz da Frente de Oceanos do Greenpeace Brasil. 

O que esperamos de uma liderança feminina

A chegada de Letícia Carvalho à ISA marca também uma quebra de paradigmas. Sua liderança é uma conquista para todas as mulheres cientistas da América Latina que lutam por um mundo mais justo e equilibrado. Sua nomeação reforça a importância de mulheres em cargos de liderança em áreas historicamente dominadas por homens. 

Assim como lutamos por um mundo onde haja equidade—que significa oferecer oportunidades e direitos iguais para todos, respeitando as diferenças e necessidades específicas—também esperamos que Letícia utilize esse conceito para estender a igualdade de atenção e proteção aos ecossistemas marinhos, reconhecendo-os como seres que constituem de direitos.

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