Financiamento climático para quem resiste e construção de soluções com quem é mais impactado são algumas das demandas

Às vésperas da COP30, a Conferência Mundial do Clima que ocorrerá em novembro, em Belém, o Corre de Quebrada conversou com jovens moradores de territórios periféricos da capital paraense para ouvir suas visões sobre o evento, as percepções diante da crise climática e os sonhos e desafios que movem suas lutas. São jovens que fazem da cultura e da ação coletiva ferramentas diárias de transformação da realidade.
Neste 24 de outubro, Dia Internacional contra as Mudanças Climáticas, a data ganha um significado ainda mais profundo em um contexto de COP na Amazônia. Enquanto líderes mundiais debatem o futuro do planeta, as populações periféricas já vivem os impactos da emergência climática. E é por isso que o Corre de Quebrada se soma a essas vozes: precisamos falar sobre como responder agora aos impactos desiguais dessa crise. A luta contra as mudanças climáticas precisa ser construída com quem sente as consequências mais duras todos os dias.


© Lírio Moraes / Greenpeace
Cultura como resistência
Viena, artista da periferia de Belém que usa a música como instrumento de mudança, conta que a crise climática é tema muito presente nas batalhas de rima e em todo o movimento Hip Hop da cidade. Espaços esses que funcionam como trincheiras de expressão para quem vive em bairros historicamente vulnerabilizados, como periferias e baixadas, onde a ausência de políticas públicas e o acesso limitado a direitos são parte do cotidiano.
“É onde a gente se expressa para apontar as coisas que desagradam a gente, como forma de relatar o cotidiano”, afirma Viena ao refletir sobre a força política do movimento. “É inerente a todos os elementos do Hip Hop esbarrar na pauta climática. Este é o espaço onde a gente sente segurança para apontar e falar o quanto as consequências das mudanças climáticas, que fazem parte do nosso dia a dia, recaem sobre a gente. Afinal, somos os primeiros a serem impactados.”

Vozes da quebrada
Black Sun, jovem ativista e artista do Guamá, bairro de Belém, reforça essa conexão entre cultura periférica, crítica social e clima. Criado em uma família profundamente ligada ao Hip Hop, ele vê o movimento como um dos principais canais de denúncia e resistência.
“O Hip Hop acontece para dar voz às pessoas, principalmente para aquelas que são as mais afetadas. É o povo da Vila da Barca, é o povo da invasão, é o povo do Guamá. São essas as pessoas que têm que ser escutadas.”
A cultura periférica, para ele, não é apenas expressão: é política viva. É o modo como as juventudes se organizam para mobilizar, denunciar e transformar suas realidades, construindo redes coletivas de luta e resistência.
Atualmente, Black divide o tempo entre os estudos para o Enem e a paixão pelas batalhas de rima, que considera parte essencial de quem ele é. “O Rap e todo o movimento Hip Hop fazem com que eu me sinta bem, feliz, realizado na vida. Me faz querer continuar lutando pelos meus sonhos.”
Mas ele também vê com preocupação o risco de a COP30 se tornar um evento de vitrine, voltado apenas a quem já tem privilégios, enquanto as populações mais impactadas pela crise climática seguem invisíveis.
“A Estação das Docas tá linda, mas a gente ainda convive com escolas sem saneamento básico, ruas em estado precário, crianças passando por esgoto a céu aberto”, destaca. “O investimento também precisa chegar na cultura, nas escolas, em projetos sociais, não só em pontos que vão ser vistos por quem tem dinheiro.”

O povo que faz a cidade acontecer
MC Rasta, organizador da República do Rap, batalha de rimas realizada na Praça da República, em Belém, chama atenção para outro aspecto importante: a necessidade de inclusão econômica e simbólica dos trabalhadores informais durante grandes eventos.
“O que eu queria mesmo era que tivesse um espaço para a galera que é ambulante, sabe? Porque eles são afastados totalmente quando tem um evento importante. Tentam, entre aspas gigantescas, ‘limpar’ aquela área pra que o povo da periferia não faça parte”, critica.
O MC destaca ainda o papel econômico e social das periferias na dinâmica da cidade.
“O povo periférico é quem faz a economia girar, quem trabalha, sustenta, faz a coisa acontecer. Belém é uma cidade maravilhosa, só que o poder público não tem o mesmo amor que a população tem por ela. São as pessoas que moram aqui que muitas vezes limpam, pintam, asfaltam, que cuidam. Eu queria que envolvessem de forma mais direta a população paraense, mostrando a real face do povo daqui.”
A COP das ruas
Enquanto ONGs, povos indígenas, jovens, cientistas e movimentos sociais se preparam para ocupar Belém durante a COP 30, com recomendações para os espaços de negociação, mesas de debate, protestos criativos, marchas e ações de pressão sobre governos e empresas, esses jovens sabem bem onde querem estar e o que querem dizer.

© Lírio Moraes / Greenpeace
Rui Gemaque, ativista do grupo de voluntários do Greenpeace em Belém e um dos organizadores do Rap pelo Clima na “COP das Baixadas”, evento que reuniu MCs da cidade para rimar sobre a crise climática, destaca a importância de fortalecer os espaços populares durante a Conferência.
“Eu quero estar ao lado dos movimentos sociais, nas ruas e em eventos paralelos às zonas oficiais da COP, fortalecendo a comunicação popular e as narrativas de quem vive todo o impacto da crise climática, xenofobia e outras mazelas da desigualdade”, diz. “Espero ver a união massiva de todos os movimentos sociais possíveis, falando, sendo ouvidos pelo mundo e dando respostas à altura do que se prega dentro da Zona Azul, onde estarão os representantes de governos e empresas.”
““Pisar no chão que a gente pisa”
Se pudesse estar diante das autoridades e negociadores da COP, Viena deixaria um recado simples e poderoso: um convite à escuta e à empatia.
“O que eu falaria caso eu conseguisse sentar em uma mesa dessas? Que é preciso pisar no chão que a gente pisa. As pessoas dos altos prédios não conseguem perceber o que acontece aqui embaixo. Basta pegar um ônibus de um ponto da cidade para outro pra ver como tudo muda, o calor, o tempo, o trânsito. Queria que as pessoas que estão em lugares de privilégio saíssem um pouco do conforto e viessem pra onde nós estamos. Porque a gente só tem esse local. Não tem como a gente se deslocar. Mas eles sim, podem vir até a gente.”

Financiamento e justiça
Quando questionados sobre o que esperam de concreto da COP30, um desejo comum: a mudança precisa ser pensada e implementada junto com quem vive diariamente os maiores impactos de uma sociedade desigual.
“A COP30 é para o povo, para escutarem o povo. Queremos respostas concretas que mudem a vida de quem vive na pele as piores consequências da crise climática todos os dias”, responde Black.
Gemaque completa com um desejo. “Gostaria que o financiamento climático se tornasse concreto, com valores e governanças justas. Que o dinheiro de quem mais contribui pro aumento da temperatura do planeta alcance pessoas comuns que lutam todo santo dia pra sobreviver. Sonho que empregadas domésticas, garis, pescadores, ambulantes, artistas, motoristas de aplicativo e outros trabalhadores desvalorizados possam ter conforto térmico dentro e fora de casa, viver sem medo de perder suas casas ou a vida, em enchentes e alagamentos. Isso é um guarda-chuva para outros temas como preservação da sociobiodiversidade, transição energética justa, demarcação de terras e taxação de bilionários.”
Cultura é política viva
O Corre de Quebrada convida todos a se juntar a essa rede, um espaço para trocar informações que fortaleçam as ferramentas que as quebradas já têm para cobrar e resistir. Quanto mais gente se junta, mais fortes se tornam as vozes.
Vozes que não esperam, não se calam e exigem: justiça climática para quem resiste.
A transformação que queremos já começou. E ela vem da base. O que falta é ser ouvida, ampliada, reconhecida e valorizada.

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