
O oceano profundo absorve mais de 90% do calor excedente e cerca de 40% do CO₂ emitido pela humanidade. Colocar esse sistema em risco é uma aposta perigosa
A distância média da Terra à Lua é de aproximadamente 384.400 km, e mesmo sendo tão longe de nosso planeta azul, o ser humano conhece mais a superfície da Lua do que o mar profundo.
Essa afirmação acaba de ganhar uma base científica ainda mais chocante por meio do estudo publicado na revista Science Advances, que demonstrou que a humanidade observou visualmente apenas 0,001% do fundo do mar em profundidades superiores a 200 metros, uma parcela minúscula, menor que o território do Distrito Federal. E esse número ainda pode estar superestimado.
A maior parte dessas imagens foi obtida em apenas três países: Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia. Nas águas brasileiras, por exemplo, foram realizados apenas 135 mergulhos em profundidade superior a 200 metros, todos liderados por embarcações e equipes estrangeiras. Ou seja:
O Brasil praticamente não conhece o seu próprio oceano profundo.
Esse dado é alarmante, especialmente diante das ameaças que pairam sobre essas regiões, como a mineração em águas profundas. Uma indústria desastrosa e perigosa, que tenta expandir mesmo sem que a ciência tenha informações mínimas sobre os ecossistemas que estariam em risco.
O que é o mar profundo? E por que sabemos tão pouco?
O “mar profundo” é tudo o que está além dos 200 metros de profundidade no oceano, uma zona que cobre mais da metade do planeta e abriga ecossistemas únicos, frágeis e ainda amplamente desconhecidos. Tudo que é mar profundo e está além das fronteiras dos países é patrimônio da humanidade. E mal sabemos o que tem lá.
Segundo o estudo liderado pela Ocean Discovery League, captar imagens nessas profundezas é caro, processual e tecnologicamente restrito a poucos países.
Para Mariana Andrade, Coordenadora do Greenpeace Brasil, nosso país precisa reconhecer a potência e a vulnerabilidade do seu próprio oceano.
Sem ciência, governamos o mar profundo às cegas. Decisões diplomáticas precisam estar ancoradas em dados e pesquisa para garantir que a biodiversidade das grandes profundidades, que sustenta nossa própria vida, seja protegida antes que desapareça sem sequer ser conhecida.
Quais são os animais que vivem lá embaixo?
Mesmo com tão poucos registros, o que já foi visto é suficiente para mostrar que o oceano profundo é o lar de uma biodiversidade extraordinária, que conecta os mais profundos cantos do planeta à vida aqui no continente.
Peixe-morcego-panqueca (Halieutichthys aculeatus)

Habita as regiões de fundo arenoso e lamacento do Atlântico Oeste, especialmente no Golfo do México e na costa sul dos Estados Unidos. Tem o corpo achatado como um disco e nadadeiras modificadas que funcionam como “perninhas”, permitindo que caminhe sobre o fundo marinho.
- Onde vive: Os adultos vivem no fundo do mar entre 5 e 820 metros de profundidade, enquanto os jovens habitam a coluna d’água.
- Tamanho: Até 10 cm de comprimento total.
- Curiosidade: Essa forma incomum o ajuda a se camuflar parcialmente nos sedimentos e capturar pequenos invertebrados.
- Importância: Espécie bentônica que contribui para o equilíbrio ecológico dos fundos marinhos, alimentando-se de pequenos crustáceos e moluscos. Sua presença indica hábitats de profundidade relativamente preservados, essenciais à biodiversidade oceânica.
Peixe-diabo (Gigantactis vanhoeffeni)

Vivem nas profundezas dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, na chamada zona abissal, onde a luz solar não chega e a pressão é extrema. Essa espécie se destaca pelo filamento luminoso extremamente longo, o mais comprido entre os peixes-lanterna conhecidos.
Fêmeas adultas vivem solitárias no fundo do mar, enquanto os machos passam a vida fundidos a elas, compartilhando o mesmo sistema circulatório.
- Onde vive: entre 1.000 e 3.000 metros de profundidade, em oceanos tropicais.
- Tamanho: até 20 cm (as fêmeas); os machos são minúsculos.
- Curiosidade: a fêmea possui um anzol luminoso na cabeça que serve de isca para atrair presas — e também os machos, que se fundem a ela num tipo único de simbiose reprodutiva.
- Importância: sua luz bioluminescente inspira pesquisas sobre química natural e tecnologia de iluminação subaquática.
Polvo de vidro (Vitreledonella richardi)

Seu corpo é quase totalmente transparente, é possível ver os olhos e o trato digestivo através da pele. Raramente observado em vida livre, só foi filmado algumas vezes por submersíveis em expedições científicas. O polvo-de-vidro faz parte do grupo dos cefalópodes, animais inteligentes que incluem os polvos e as lulas.
- Onde vive: entre 200 e 900 metros de profundidade, em oceanos tropicais.
- Tamanho: até 45 cm com os tentáculos.
- Curiosidade: Sua transparência atua como camuflagem perfeita contra predadores nas águas profundas.
- Importância: Após se reproduzirem, machos e fêmeas morrem, e seus corpos alimentam outras formas de vida nas profundezas. As larvas nascem flutuando livremente até crescerem e viverem no fundo do mar, mantendo o ciclo natural da vida no oceano.
Larva de Sergestes — crustáceo decápode de águas profundas (Sergestes edwardsi)

Parte essencial das cadeias alimentares marinhas, como elo entre o fitoplâncton e os predadores maiores, contribui para o transporte de carbono nas camadas médias e profundas do oceano. Vive em mar aberto, flutuando livremente na coluna d’água do oceano Atlântico tropical. A distribuição das larvas mostra retenção próxima de certas formações oceânicas isoladas, sugerindo adaptabilidade à dispersão e aos fluxos oceânicos.
- Onde vive: os adultos podem ser encontrados em grandes profundidades, chegando a cerca de 5.000 metros abaixo da superfície.
- Tamanho: Os adultos têm tamanho maior que o de camarões comuns, variando conforme a fase de vida e o sexo. Por isso, são considerados organismos intermediários entre o plâncton (muito pequeno) e os animais maiores que nadam livremente.
- Curiosidade: Possui órgãos bioluminescentes (“fotóforos”) comuns na família Sergestidae que auxiliam na camuflagem e comunicação nas camadas profundas do oceano.
- Importância: Parte essencial das cadeias alimentares marinhas, como elo entre o fitoplâncton e os predadores maiores.
Além de animais que vivem no mar profundo e mal conhecemos, há ainda ecossistemas inteiros em meio a bolas de minério que são chamadas de nódulos polimetálicos que levaram milhões de anos para se formar no fundo do mar. Esses nódulos são o principal alvo da mineração em águas profundas, e retirá-los de lá pode causar distúrbios sem precedentes no equilíbrio do mar profundo e na saúde do oceano como um todo.

O que é mineração em águas profundas?
A mineração em águas profundas é a prática de extrair metais como manganês, cobre, cobalto e níquel diretamente do leito oceânico. Para isso, máquinas gigantes, que são maiores que uma baleia-azul, raspam o fundo do mar, sugam nódulos ou arrancam o solo e bombeiam o material para a superfície.
É uma indústria ainda praticamente inexistente, mas que tenta avançar rapidamente.
Alguns dos impactos possíveis:
- Destruição irreversível de habitats
- Perda de biodiversidade
- Impactos no clima por meio da liberação de carbono absorvido
- Ruído e poluição
- Ameaça a comunidades costeira
Se sabemos tão pouco, como explorar?
A falta de dados exige precaução máxima. O próprio estudo citado alerta que, enquanto as mudanças climáticas já afetam áreas profundas do oceano, práticas como mineração no mar não devem avançar sem conhecimento científico adequado.
Empresas como a The Metals Company pressionam governos para abrir essa nova fronteira de exploração, ignorando evidências científicas e as consequências para o clima e a biodiversidade.
Essas companhias alegam que a mineração no fundo do mar é necessária para produzir baterias de veículos elétricos. Porém, a ciência aponta o contrário. Já temos produção de novas químicas de baterias sem cobalto e níquel, além da reciclagem e recuperação de metais que estão crescendo muito e reduzindo a demanda por novas minas.
Não precisamos destruir um ecossistema inestimável e desconhecido com a justificativa de que é nosso único caminho para a transição energética.
Chegou a hora de dizer não à mineração em águas profundas
Estamos diante de uma decisão histórica: podemos optar por proteger estes ecossistemas pouco conhecidos ou destruí-los antes mesmo de conhecê-los. A boa notícia é que a mobilização global cresce. Governos, cientistas e a sociedade civil pressionam por uma moratória global em águas internacionais e, no futuro, por uma proibição permanente.
Se pudéssemos voltar no tempo e impedir os primeiros poços de petróleo, o faríamos. Hoje, temos essa chance com a mineração no oceano profundo.
Junte-se a milhares de vozes que pedem pela proteção dos oceanos.
Assine a petição #Paremamineraçãoemáguasprofundas
Fontes: FishBase, FishBase, sealifebase, Nature
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