Investigação do Greenpeace Internacional aponta para relações comerciais entre fazendas que usaram fogo no auge dos incêndios de 2020 no Pantanal com frigoríficos, varejistas e redes de fast food de todo o mundo

Terra devastada após incêndio no Pantanal em setembro de 2020. A pecuária é a atividade predominante entre as propriedades particulares no Pantanal e muitos incêndios começam em queimadas para limpeza de pasto que saem do controle

Que a indústria da pecuária ocupa mais de 80% das áreas desmatadas da Amazônia, muita gente já sabe. Mas um relatório que acaba de ser lançado pelo Greenpeace Internacional aponta que o setor está relacionado também com produtores que promovem a destruição do Pantanal, que sofreu com incêndios recorde em 2020.  

Segundo a investigação, em apenas 15 propriedades produtoras de carne do Pantanal  foram registrados 73 mil hectares de áreas queimadas no ano passado, em um período em que o uso do fogo estava proibido nas esferas estadual e federal. Essas mesmas fazendas trazem na bagagem longos históricos de irregularidades ambientais, como desmatamento e incêndios ilegais, além de contratos com grandes frigoríficos e compradores mundiais. 

Os casos expõem a falha dos grandes frigoríficos em garantir que o gado vinculado à destruição ambiental e outras violações – seja de forma direta ou indireta – seja excluído de sua base de fornecimento.

Carne e fogo 

Em 2020, o Pantanal perdeu cerca de 30% de sua área para o fogo, enquanto enfrentava uma seca histórica. Apesar de a atividade pecuária já estar consolidada no bioma, muitas fazendas ainda utilizam do fogo para a renovação de pastos, e em períodos de seca intensa o fogo pode sair rapidamente do controle, avançando sobre áreas naturais ainda preservadas, o que ocorreu no ano passado em escala nunca antes vista. 

O Pantanal é um hotspot de biodiversidade e possui a maior concentração de vida selvagem do continente. Uma população expressiva de onças pintadas vive ali e o bioma também hospeda um dos maiores santuários de araras-azuis. Essas e outras espécies estão drasticamente ameaçadas pelo fogo.

O fogo e as mudanças climáticas alteram os ecossistemas de maneira que a biodiversidade, muitas vezes, não consegue se adaptar. Como isso nos afeta? Uma biodiversidade em equilíbrio mantém a natureza saudável, questão fundamental para evitar a ocorrência de doenças e pandemias. Além disso, a fumaça das queimadas chegaram no ano passado a diversas cidades como Cuiabá, Manaus e Rio Branco, e podem aumentar ainda mais o risco de doenças respiratórias, em um momento em que ainda enfrentamos a crise do Covid-19. 

Apesar de seu enorme valor ambiental e para a biodiversidade, cerca de 90% do Pantanal brasileiro é reivindicado como terra privada hoje em dia, incluindo áreas dentro de Terras Indígenas (28%) e sobrepostos à Unidades de Conservação em terras públicas (58%), entre reservas federais, estaduais e municipais. Cerca de 80% destas áreas correspondem a fazendas de gado.

O Greenpeace Internacional identificou 15 fazendeiros que são fornecedores atuais ou recentes (2018–2019) dos principais processadores de carne do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – e que estão ligados aos devastadores incêndios de 2020 no Pantanal, além de possuírem histórico de irregularidades ambientais, como multas e embargos por desmatamento ilegal, queimadas não autorizadas, além de problemas em seus registros de propriedade. 

Os incêndios dentro dos limites destas propriedades queimaram juntos mais de 73.000 hectares  – o equivalente a mais de 94 mil campos de futebol –  no auge da crise das queimadas, entre 1º de julho e 27 de outubro de 2020, desafiando as proibições ao uso do fogo em vigor desde julho de 2020 pelos governos regionais e por decreto presidencial.

Essas 15 fazendas estavam ligadas direta ou indiretamente em 2018–2019 a pelo menos 14 instalações de processamento de carne de propriedade da JBS, Marfrig e Minerva, que comercializam carne globalmente. 

Entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de outubro de 2020, estas 14 instalações exportaram no total mais de meio milhão de toneladas de carne bovina e produtos derivados de carne, no valor de quase US$ 3 bilhões, para mercados como Hong Kong (22%), China (21%), União Européia e Reino Unido (8%) e EUA (1%). 

Os casos expõem a incapacidade do setor de controlar toda a sua cadeia de produção, inclusive aqueles que fornecem indiretamente, permitindo a continuidade de um processo conhecido como “lavagem de gado”, onde o gado de fazendas com irregularidades é vendido e revendido, até que o rastro de crimes ambientais seja dissimulado. 

Se a indústria da carne levasse a sério a missão de retirar do mercado produtores que agem contra o meio ambiente, esses fornecedores já estariam fora do mercado em 2020, ao invés de estarem queimando o Pantanal. 

Sem pressa para acabar com a destruição

Desde 2006 o Greenpeace Internacional vem denunciando os danos ambientais promovidos pela produção pecuária em escala industrial na Amazônia. O ponto de partida dessa história de denúncias e violações ambientais foi o relatório O Rastro da Pecuária na Amazônia (2008), seguido de A Farra do Boi na Amazônia (2009), quando revelamos como a produção de carne vinha se tornando um importante causador de desmatamento da maior floresta tropical do mundo.

Depois desse escândalo, os três maiores frigoríficos que atuam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram junto ao Ministério Público Federal um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e aderiram por meio de um compromisso público aos “Critérios Mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma Amazônia”. Estas empresas se comprometeram a desenvolver sistemas de monitoramento para excluir de suas listas de fornecedores as fazendas que continuavam desmatando, que usavam mão de obra escrava ou que tivessem invadindo áreas protegidas.

Mas, na prática, as empresas que assinaram os acordos continuam monitorando apenas seus fornecedores diretos – ou seja, as fazendas de onde compram o gado diretamente – ignorando por completo o rastro de destruição deixado pela indústria nas etapas iniciais da criação, que vai do nascimento à venda de fazenda em fazenda, até a fazenda que fornece os animais para o frigorífico. 

Atualmente, nenhuma empresa produtora de carne ou derivados que recebe animais da Amazônia, do Cerrado ou do Pantanal pode garantir 100% que sua produção não esteja associada com a destruição das florestas ou a corrosão de direitos.

E isso se mostrou especialmente verdade a partir de sucessivos estudos, do Greenpeace Internacional e de outras organizações, como a Global Witness e, mais recentemente, a Repórter Brasil, apontando para o envolvimento da pecuária em violações socioambientais. Só em 2020, denunciamos o envolvimento da indústria com a criação de gado em Terra Indigena, em áreas protegidas e na realização de grandes queimadas coordenadas na floresta

Infelizmente, o que vemos hoje são empresas e grandes consumidores, como redes varejistas e de fast food, assumindo que não fizeram o suficiente para mudar a situação e pedindo, diante do público e de seus consumidores, mais tempo para continuar destruindo a floresta e nosso futuro. Esse tempo não existe mais. Já estamos em contagem regressiva para um caminho sem volta. 

De onde vem a sua comida?

As empresas têm enormes responsabilidades com o Planeta e precisam entender de uma vez por todas que os consumidores não aceitam mais a destruição das florestas e de toda a sua biodiversidade, gerando impactos negativos que vão ser sentidos por muitas gerações. 

Todos nós também podemos fazer a nossa parte, reduzindo o consumo de carne e pressionando as empresas e os supermercados a melhorarem suas práticas e a não comprarem mais carne contaminada com o desmatamento e queimadas. 

Quer saber mais? A atriz Alice Braga explica o que a comida que chega à sua mesa tem a ver com a crise climática e a destruição das florestas, no Brasil e no mundo. Assista e compartilhe:

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