Relatório de Conflitos no Campo no Brasil 2024, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) revela que o números de conflitos é o maior da última década
Os dados do Relatório de Conflitos no Campo no Brasil 2024, publicados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), revelam que os povos indígenas estão na linha de frente de uma guerra desigual, concentrando 29% das vítimas diretas de violência por terra, seguidos por posseiros e quilombolas. Os indígenas também são as principais vítimas dos conflitos pela água (71 registros). Esses números não são apenas estatísticas. Eles representam vidas, histórias e comunidades inteiras ameaçadas pela violência.
O relatório da CPT, elaborado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc), identificou 1.768 conflitos por terra no campo em 2024, um número superior a 2023 e o maior da última década. Os estados da Amazônia lideram o ranking de conflitos, entre eles estão Maranhão, Pará, Rondônia e Amazonas.
Os conflitos possuem origem na luta histórica pelo direito à terra no país e hoje, são impulsionados por leis aprovadas, por um Congresso alinhado ao agronegócio. A promulgação da Lei 14.701/2023, que instituiu a tese do Marco Temporal, serviu como combustível para o avanço da violência e da insegurança jurídica sobre as Terras Indígenas. Essa lei não só contraria a decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, que havia declarado a tese inconstitucional, como também abriu brechas para despejos, revogou demarcações e fragilizou a atuação da FUNAI.
“Seja no contexto urbano ou dentro dos seus territórios, os povos indígenas têm enfrentado diferentes ameaças na luta pelos seus direitos e no direito à uma vida com dignidade. A Lei 14.701/2023, que aprovou o Marco Temporal e está atualmente em vigor, vem intensificando a violência e ameaçando a sobrevivência dessas pessoas”, relata Grégor Daflon, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil.
Pressão política, conflito real
A correlação é clara: quanto mais retrocessos nos direitos indígenas, mais conflitos no campo. As tentativas de negociação promovidas pela Mesa de Conciliação, no Supremo Tribunal Federal, estão longe de fortalecer os direitos indígenas. O discurso da conciliação, sem o compromisso com os direitos e sem a presença dos povos indígenas, acaba sendo esvaziado, e dá apenas o direito de reivindicar a posse forçada dos territórios originários, ao setor do agronegócio.
Nos diferentes biomas do país, não só os povos indígenas, como também quilombolas e populações tradicionais, enfrentam violências pela bala, fogo e veneno. A região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), por exemplo, registrou o maior número de conflitos por terra em toda a série histórica da CPT, com 415 casos, e um salto nos conflitos por água, que passaram de 23 para 39. No Maranhão, os registros de contaminação por agrotóxicos explodiram: de 32 em 2023 para 276 em 2024, um aumento de 762%, afetando sobretudo comunidades indígenas e tradicionais.
A Amazônia Legal, por sua vez, contabilizou 998 conflitos por terra e 155 por água e também foi a região mais afetada pelos incêndios, com destaque para o estado de Mato Grosso, responsável por 25% de todos os casos de incêndios registrados no território nacional. Um exemplo disso, é a Terra Indígena Kayapó (PA), que lidera o ranking de focos de incêndio em 2024, com 3.246 focos até setembro, segundo dados do monitoramento territorial realizado pelo Greenpeace Brasil. Em muitos desses casos, o fogo tem sido deliberadamente utilizado como instrumento de expulsão, numa estratégia de limpeza territorial para facilitar invasões e atividades ilegais, como o garimpo.
O caso do brigadista do Ibama Uellinton Lopes dos Santos, encontrado morto na TI Capoto-Jarina, mostra o grau de risco em que estão não apenas os indígenas, mas também aqueles que atuam em defesa do meio ambiente e da vida.
A engrenagem da violência
Boa parte dessa violência é provocada por fazendeiros (44%), que também são os principais responsáveis pelos incêndios (47%) e pelo desmatamento ilegal (38%). Essa violência encontra respaldo e incentivo na atuação política de grupos como o “Invasão Zero”, que se organiza em vários estados para atacar diretamente ocupações, retomadas de território e comunidades acampadas.
No Congresso Nacional, parlamentares ruralistas fazem lobby e pautam o debate em torno do chamado “Pacote Anti-Indígena”, uma coleção de propostas que busca criminalizar lideranças, restringir demarcações, liberar mineração e outras atividades predatórias em Terras Indígenas.
A diminuição nas ações de resistência, como ocupações e acampamentos, demonstrada no relatório, também mostra o clima de medo e repressão instaurado após a aprovação da Lei 14.701, como o exemplo da comunidade Pataxó Patxohã, em Santa Cruz Cabrália (BA), que foi atacada por homens armados e encapuzados que colocaram fogo em duas casas, incluindo a do cacique e a do vice-cacique.
O que era luta por justiça virou alvo direto da violência. Cada hectare invadido, cada aldeia incendiada, cada corpo violentado é uma derrota não apenas para os povos indígenas, mas para todos nós. Defender os direitos indígenas é defender a democracia, a vida e o futuro. Assine agora a petição Marco Temporal Não! e nos ajude a chegar a 150 mil vozes que exigem o respeito aos direitos originários garantidos pela Constituição. Além disso, você também pode compartilhar os dados disponibilizados pela CPT, que são de grande importância para a visibilidade em torno dos problemas de violência enfrentados pelos povos indígenas do Brasil.
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