Lideranças quilombolas, periféricas e costeiras revelaram tecnologias sociais, ameaças aos territórios e caminhos para justiça climática real

Entre 2 e 7 de dezembro, o navio do Greenpeace, o Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-Íris), ancorou no Recife e abriu espaço para uma semana de trocas e mobilização. Durante esse período, o navio virou ponto de encontro para atividades que mobilizaram moradores, jovens e coletivos para falar de justiça climática, crise climática e soluções reais para comunidades que vivem na linha de frente.
Entre esses eventos, aconteceu a Roda de Conversa sobre Adaptação Climática Baseada em Comunidades, que reuniu coletivos, lideranças de territórios periféricos e costeiros e organizações parceiras para compartilhar vivências e soluções pensadas a partir dos saberes dos territórios, um tema urgente para quem vive, todos os dias, os impactos da desigualdade e do racismo ambiental.

O encontro partiu de um princípio simples, mas ainda distante das decisões oficiais: quem vive nos territórios conhece melhor os caminhos para enfrentar a crise climática.
Foi o que reforçou Sarah Marques, líder comunitária de Caranguejo Tabaiares (zona oeste do Recife): “Qualquer solução precisa ter a nossa voz e a nossa imagem. As mulheres negras do território carregam tecnologias ancestrais, das nossas avós às crianças de agora. Mesmo tentando calar a gente, seguimos resistindo: plantando, colhendo e espalhando sementes, como minha avó fazia. É assim que construímos uma cidade nova sem esquecer a antiga, onde ainda dava para sentir o vento passar.”
Uma fala que ecoou também entre as mulheres do Quilombo Mundo Novo, do município de Buíque, que trouxeram o Samba de Coco Resgate da Alegria como símbolo da força coletiva que atravessa gerações.

Pamela Antunes, da Comunidade Quilombola Mundo Novo, trouxe um alerta urgente sobre água, convivência com o semiárido e falsas promessas de “energia limpa”. Ela lembrou que sua comunidade já construiu uma série de tecnologias sociais, como cisternas, calçadões, biodigestores e canteiros ecológicos, mas que, mesmo assim, a falta de chuva transforma tudo em incerteza. “Quando não chove, a cisterna seca, racha. Quem não tem dinheiro espera o carro-pipa que só chega a cada 15 dias, às vezes um mês.”
Pamela também denunciou a desigualdade no acesso à água, que ainda favorece famílias brancas na região, e alertou para o avanço dos parques eólicos sobre territórios tradicionais: “Dizem que é energia limpa, mas não é. Se chegar na comunidade, acaba com a água, com a roça, com os animais e com a nossa paz.” Sua fala reforça uma mensagem fundamental para o debate climático: não existe solução sustentável que destrua modos de vida, retire direitos ou silencie territórios.

Da arte ao sertão, das encostas à beira-mar, cada relato mostrou que resistência e soluções caminham juntas. Jouse Barata de Queiroz, artista, grafiteira e representante do coletivo Cores do Amanhã, lembrou que o grafite virou ferramenta para proteger crianças e afirmar a existência. “A comunidade fica bem ao lado de um presídio e a gente não queria que as crianças fossem parar lá, por isso investimos em arte e no uso da palavra como ferramentas de resistência e transformação. Se a gente tiver que pintar a parede pra dizer que a gente existe, a gente pinta.”

Carlos Magno, do Centro Sabiá, provocou uma inversão necessária na lógica da política climática: “Se querem falar de temperatura subindo, de seca, de plantação morrendo, precisam ouvir o sertanejo, que vive isso há 200, 300 anos”, afirmou.
Para ele, não faz sentido que especialistas distantes apresentem diagnósticos em espaços como a COP30 sem escutar primeiro as comunidades que enfrentam desertificação e permanecem no território.
Magno reforça ainda que “as comunidades são o chão da transformação, pois carregam soluções próprias historicamente invisibilizadas. Mas sem financiamento, não há adaptação possível“, ressalta. “Ideia boa não basta. Cisterna custa dinheiro, feira agrícola custa dinheiro, drenagem custa muito dinheiro, e os grandes orçamentos raramente chegam na comunidade.”
Defender adaptação climática é garantir que essas populações recebam recursos e sejam protagonistas da mudança. “A crise não é só ambiental, é civilizatória. Precisamos ouvir quem está no território para encontrar saídas reais dessa encruzilhada.”
A escuta profunda também trouxe urgências estruturais. Igor Travassos, ativista, apontou a crise climática como instrumento de necropolítica: “Ela está sendo usada para varrer a gente dos territórios.” Ao lembrar que 85% da população brasileira estará morando nas cidades até 2040, reforçou que não existe desastre natural isolado, o que existe “é um projeto político que decide onde o orçamento chega e quem pode continuar vivendo onde nasceu”.

Entre tantas vozes, uma mensagem se repetia: adaptação climática não é apenas uma pauta ambiental, se conecta com modos de vida, permanência e futuro. E para que as soluções sejam efetivas, é preciso reconhecer e financiar o que já existe nos territórios: agroecologia, arte, saberes tradicionais, tecnologia social, cultura e organização comunitária.
A roda de conversa sobre adaptação climática foi apenas um dos momentos da presença do navio no Recife, mas sintetizou o espírito da mobilização: aproximar pessoas, fortalecer alianças e ampliar a visibilidade das práticas que já tornam cidades e comunidades mais resilientes.
Do navio ao chão dos bairros, das marés aos morros, uma certeza se firmou: do morro ao mar, justiça climática pras comunidades que resistem, porque as ações precisam chegar onde a crise chega primeiro, e porque todo mundo tem direito de viver em territórios seguros, livres e dignos.
Assine a petição: Do morro ao mar: justiça climática pras comunidades que resistem
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