Para povos e comunidades tradicionais, é necessária a transição do modelo econômico destrutivo para um centrado na conservação

Manifestantes se reúnem em frente ao Fórum Mundial de Bioeconomia @ Nay Jinknss / Greenpeace

“Ninguém tem na ponta da língua o que é bioeconomia, mas todo mundo interessado nesse debate já está fazendo a lição de casa. Vocês precisam definir o que querem desse conceito e colocar uma proposta na mesa”. A afirmação foi feita pelo ecologista Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM),  para um público de lideranças extrativistas, indígenas e quilombolas durante o Encontro Amazônico da Sociobiodiversidade, em Belém (PA), realizado entre os dias 18 e 20 de outubro. Essa fala simboliza o status atual da discussão que vem tomando conta da agenda econômica para a Amazônia.

O debate sobre Bioeconomia tem ganhado destaque e sido encarado como uma solução definitiva para a região. “Mas a coisa não é tão simples assim – os defensores da Bioeconomia no Brasil e no mundo ao mesmo tempo que a vendem como ferramenta para o enfrentamento da emergência climática, também seguem relativizando a urgência de uma agenda de contenção da Economia da Destruição, bem como o necessário reconhecimento do protagonismo natural dos povos e comunidades tradicionais na construção e implementação de uma agenda de transição econômica”, afirma Iran Magno, porta voz do Greenpeace.

O Encontro Amazônico da Sociobiodiversidade foi organizado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que lideram um debate público sobre o papel da Bioeconomia na conservação do bioma amazônico. O encontro foi feito em contraposição ao Fórum Mundial da Bioeconomia, um debate internacional coorganizado pelo governo do Pará junto a empresários brasileiros e entidades internacionais. 

Como os povos e comunidades tradicionais não foram integrados à construção e realização do Fórum Mundial, o Encontro Amazônico da Sociobiodiversidade foi construído para divulgar a posição dos povos da Amazônia sobre o assunto. Lideranças presentes no Encontro Amazônico da Sociobiodiversidade afirmam que a agenda ou estratégia de conservação baseada em transformar a Amazônia num balcão de negócios será recusada pelos povos locais da Amazônia. Bioeconomia precisa conviver com a floresta, assegurar direitos e distribuição de renda justa, como eles defendem abaixo.

.“A bioeconomia é quando você se utiliza de recursos da floresta ou da biodiversidade, mas de forma que seja renovável. A visão empresarial está completamente errada. Bioeconomia é não trabalhar com trabalho escravo e não avançar com o desequilíbrio ambiental”, afirma Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).

Como lembra a líder indígena Alessandra Munduruku, não existe bioeconomia dentro da lógica de destruição. “Bioeconomia que destrói a floresta não serve. Para expulsar indígenas e quilombolas não serve. Bioeconomia é água limpa e floresta em pé. Isso sim é bioeconomia, que a gente já vem fazendo há muito tempo”.

De acordo com a FAO, braço da Organização das Nações Unidas (ONU), para alimentação e agricultura, Bioeconomia é “a produção, utilização, conservação e renovação de recursos biológicos, incluindo conhecimento, ciência, tecnologia e inovação, para fornecer soluções sustentáveis ​​(informações, produtos, processos e serviços) dentro e em todos os setores econômicos e permitir uma transformação para uma economia sustentável (Global Bioeconomy Summit Communiqué, 2020). Mas será que isso tem se traduzido para a realidade da Amazônia?

O projeto de criar um polo de agronegócio no Sul do Amazonas, que começou a ser desenhado por ruralistas em 2019 e ganhou apoio do governo Bolsonaro, é um exemplo do modelo econômico vigente baseado na destruição e que agrava o desmatamento, grilagem e conflitos por terra na Amazônia. A área, batizada de Amacro — iniciais de Amazonas, Acre e Rondônia —, reúne 32 municípios dos três estados e, segundo um levantamento realizado pelo Greenpeace, integra os atuais eixos de grilagem de terras na Amazônia.

Enquanto isso, os povos da Amazônia sentem que a discussão sobre o futuro da economia da região é feita de forma alheia à realidade da região. “A bioeconomia pra nós é uma parte que dá uma vida digna para quem vive dentro da biodiversidade. E isso tá sendo trabalhado de cima pra baixo com pessoas que não tem nada a ver na Amazônia”, afirma dona Maria Nice Machado Aires, coordenadora Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão

“Só uma economia centrada na reprodução da vida será capaz de superar os desafios inerentes à conservação da floresta e ao desenvolvimento social da região”, afirma Iran.

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!