Em agosto, levamos perto de 14 toneladas de alimentos produzidos por pequenos agricultores a 60 comunidades em situação de extrema pobreza de 6 cidades do país.

Foto: Antônio Carlos Costa Luz /Greenpeace
Legenda: Doação de alimentos saudáveis para 60 comunidades

Sob fogo, desmatamento, secas ao sul, enchentes ao norte, tratoraço acelerado, PL da grilagem aprovado, PL do veneno no ameaço e marco temporal no páreo, nossa sociedade segue inexplicavelmente em um modelo que coloca a sobrevivência de nossa espécie e do planeta em xeque. 


Não por falta de alerta. Em agosto, o relatório do IPCC (painel intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas) sentenciou, pela primeira vez, o quanto, de fato, a humanidade é responsável pelo aquecimento global. Nas entrelinhas, lê-se: não há mais questionamento “se” somos responsáveis, mas “quanto”, “se é reversível”, “em quanto tempo” e “o que é possível fazer” em relação a isso.

A agroecologia entra exatamente no campo da esperança, pois é um sistema de produção alimentar atrelado à nossa única chance de sobrevivência, que necessariamente pressupõe uma forte e profunda redução das emissões de CO². Por isso que, para além de atuar para ontem, no front de uma urgência extrema – a epidemia de fome no Brasil –, nossa campanha Agroecologia contra a Fome consiste em uma estratégia estruturante, que visa fortalecer uma saída para o planeta.


Os povos indígenas, cujas terras são as mais preservadas deste país, segundo recente estudo Mapbiomas, deveriam ser fonte óbvia de referência acerca da interdependência entre humanidade e natureza. No entanto, 6 mil lideranças estão na Praça dos Três Poderes, em Brasília, na maior mobilização em 35 anos, tendo que lutar pela terra que lhes pertence, pois sabem que, na mesma medida, eles pertencem a ela.


Compartilhando esse sentimento pela terra, que também está no coração e nas mãos do pequeno agricultor que fornece o alimento para nosso projeto, seguimos em plena atividade, realizando doações nas regiões de maior vulnerabilidade social do país. 

Em agosto, pudemos fornecer comida de verdade produzida nos assentamentos do MST para nada menos que 60 comunidades em situação de extrema vulnerabilidade nas cidades de Belém e Ananindeua, no Pará; Porto Velho e Ariquemes, em Rondônia; Rondonópolis, no Mato Grosso; e Salvador, na Bahia.

Ao todo foram 13981 quilos de alimentos saudáveis, distribuídos em 771 cestas, beneficiando cerca de 3 mil pessoas, considerando que cada família recebeu uma cesta e tem, em média, 4 pessoas. 

Saiba mais, abaixo, como foram as doações em cada localidade.

Mato Grosso – a fome é grande onde o agronegócio é forte

Em Rondonópolis, Mato Grosso, entregamos em 11 de agosto mais de 3 mil quilos de comida saudável, somando 188 cestas, contendo 18 variedades de alimentos cada, entre frutas, verduras, legumes, farinha, leite, queijo, ovos etc. 

“Essa é uma região onde o agronegócio é forte e as contradições acentuadas: riqueza X pobreza; agrotóxicos X doenças, contaminação do solo, das águas e do ar; desmatamentos; violências, etc”, relata Itelvina Maria Masioli, 57, do MST, que colaborou na organização das doações. 


Uma equipe de 11 integrantes do MST reuniu a produção de 8 diferentes assentamentos e contou com a colaboração da Caritas Diocesana e a Pastoral Social de Rondonópolis, que conhecem a realidade local, para identificar as comunidades onde as cestas foram destinadas.

“Fiz parte da brigada que organizou as cestas e fez entregas. Quando descia do carro e pegava a cesta para doar, com os ovos na mão, vinha a dona da casa, geralmente com seus muitos filhos, com aquela alegria que já estendia os braços para receber. Percebia nos olhos deles que a cesta chegou num momento importante para aquela família. Uma penca de banana, um quilo de batata, uma dúzia de ovos fazem a diferença”, conta Idalice Rodrigues Nunes, 47, assentada e dirigente do MST.


E completa: “Nunca deixamos de doar no movimento. Mas a parceria com o Greenpeace foi fundamental porque as agricultoras e agricultores também estão com dificuldade de comercializar sua produção”.

“As famílias que receberam, quando viam a qualidade dos produtos, que nenhum agrotóxico ou pesticida passou por perto, que vieram literalmente da roça, ficaram maravilhadas. Essa foi a primeira vez que receberam cestas com alimentos in natura, marcou muito, um atendimento com produtos 100% saudáveis”, conta Paulo Otávio Simioni, 29, da Caritas Diocesana de Rondonópolis. 

Rondônia – indígenas na luta pela vida, sem terra e sem comida

Nas cidades de Porto Velho e Ariquemes, a doação de 3,5 toneladas de alimentos foi realizada a 183 famílias indígenas no dia 12 de agosto. Foram 31 bairros, sendo 28 só na capital, atendendo cerca de 700 pessoas dos povos cassupá, karitiana, karipuna, kaxinawá, apurinã, migueleno, oro mon, paumari, guarasugwe, guajarara, mucuá, ticuna, mura, warao e puruborá. 

A maioria vive em contexto urbano, muitos têm trabalhos informais e foram afetados durante a pandemia. Alguns desses povos, como os puruborá, migueleno, cassupá e Guarasugwe, tiveram seus territórios invadidos e se encontram em luta, como conta a indígena Jucilete Cardoso da Silva, 56, “se não fôssemos expulsos, estaríamos na nossa terra tradicional, que é Limoeiro. É lá que eu vivi. É lá que eu pescava. É lá que eu estudei. É lá que eu quero morar com a minha família. Minha mãe lutou muito, mas ficamos os filhos para conquistar nossa terra de volta. É meu sonho, minha esperança, minha fé. Nós não temos terra na cidade para plantar, para sobreviver”.

Ao receber as cestas, “os mais idosos, que chegaram a viver em aldeias, falaram como foi bom comer alimentos que lembravam os antepassados, que comiam alimentos saudáveis”, relata Laura Vicuña, 52, do CIMI de Porto Velho, grandes parceiros na ação. A indígena Lucimar Migueleno conta: “minha mãe teve uma alegria muito grande, de comer alimentos da maloca”.

Para organizar as produções e levar o alimento de 7 assentamentos ao CIMI, Zonália Neres dos Santos Ferreira, 53, da direção estadual do MST, diz que foi um trabalho e tanto, pois os locais são todos bem distantes entre si.

“Enquanto a gente estava embalando as cestas aqui na minha casa, eu me emocionava pensando como a reforma agrária é importante para nosso país. Nós assentados, que passamos por tanta dificuldade, por tanto despejo, hoje, dentro da nossa humildade, da nossa condição precária, a gente se sente retribuindo. Se hoje somos solidários, aprendemos isso na luta do dia a dia para sobreviver”, se emociona Zonália. “Também foi maravilhosa essa ação com o Greenpeace porque nos ajudou a vender nossa produção que estava encalhada”, completa.

Pará – comunidades de terreiro e a piora da vida na pandemia

No dia 15 de agosto, doamos 4 mil quilos de alimentos, distribuídos em 200 cestas que atenderam cerca de 800 pessoas nos bairros periféricos Guamá, Marco, Bengüí e na Ilha de Cotijuba, em Belém; e no município de Anindeua. Todo o alimento, produzido por três assentamentos do MST, foi organizado em cestas e distribuído nos locais graças à parceria com Cedenpa, Perifa Connection e CNBB.

Maria Malcher, 39, do Cedenpa (Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará), relata: “pudemos atender grupos da região metropolitana de Belém, sobretudo os que estão atuando em bairros de periferia, nas comunidades de terreiro. Também a categoria de empreendedoras negras, indígenas waraos, estudantes africanos refugiados sem bolsa e gente que está na rua”.

“Uma jovem mãe solteira, com dois filhos, agradeceu a doação pois havia sido demitida do trabalho havia uns meses e não sabia como colocar comida na mesa de suas crianças”, relata Adriana Paula Tourão Vinente (Zanynde), 40, líder espiritual do Terreiro Abassa Afro Brasileiro Leko Xaponã, no bairro de Guamá.


Malcher pondera, ainda, que “quando fazemos opção de adquirir direto do agricultor fortalecemos o intercâmbio da família agricultora com as famílias da periferia”. A chave da campanha Agroecologia contra a Fome é exatamente essa conexão. “Se a gente se juntar, cada um da sua ponta, consegue tecer redes bem grandes, que vão alcançar pessoas que realmente precisam”, diz Jucilene de Souza Carvalho (Mãe Jaci), 46, líder da Casa de Mãe Herondina, na Ilha de Cotijuba.

“Sabemos que as mãos que cuidam desses alimentos são mãos que merecem respeito. A palavra de ordem do meu território é gratidão – por quem doa, pelo alimento, pelo empenho de chegar até a comunidade. E o fato de ser da agricultura familiar foi fundamental porque admiramos muito o trabalho dos companheiros do MST”, conta Vanuza Cardoso, 44, liderança espiritual do Território Quilombola de Abacatal, em Ananindeua.

Do lado de quem planta, há também satisfação: “acho importante o que a gente faz aqui. Produz tudinho, passa para essas pessoas que vêm aqui comprar e levam para quem está passando fome lá em Belém”, constata Dona Maria Noêmia, agricultora do assentamento Abril Vermelho, município de Santa Bárbara. “Nesses tempos de Covid 19, onde a baixa imunidade é problema, não deve imperar a baixa humanidade”, reflete Nilma Bentes, 73, liderança do Cedenpa.    

Bahia – alimentos de 25 assentamentos para 14 comunidades


Em Salvador, foram beneficiadas cerca de 800 pessoas, que receberam 3100 quilos de comida de verdade distribuídas em 200 cestas. A articulação foi realmente grande e as parcerias, fundamentais. O MST forneceu alimentos de mais de 25 assentamentos e a Coletiva Mahin, organização ligada à Coalizão Negra por Direitos, nos ajudou a distribuí-los em 14 comunidades ao longo da semana de 15 de agosto.

“Essa conexão entre a Coalizão, o MST e o Greenpeace mostra que movimentos potentes do nosso país estão com força para fazer uma ação política de segurança alimentar e nutricional, juntando os nossos sonhos. Acho que é um passo histórico. Uma aproximação entre sujeitos políticos muito fortes que chegou perto das lutas que a gente está fazendo aqui nas periferias de Salvador, nas Ilhas. São todos territórios negros. E é uma ação que tem muitos jovens e mulheres. Esse é um retrato de quem move a ação solidária no país.” afirma Vilma Reis, 51, socióloga e co-fundadora da Coletiva Mahin.

“O sentimento que eu tenho recorrente, desde que começamos nossa campanha de solidariedade no início da pandemia, é que estamos cumprindo uma tarefa, que é a tarefa de combater a fome, a tarefa de compartilhar o que nós temos, e não o que sobra”, reflete Lucinéia Durães do Rosário, 38, da direção estadual do MST. 

A alegria por compartilhar também se vê nas palavras de Elenilda Conceição Nascimento, 35, agricultora do assentamento Bom Jesus: “para nós é uma satisfação enorme saber que nossa produção orgânica tem ajudado a matar a fome de várias famílias desse Brasil afora. Nossa # desde o começo da pandemia é isolamento produtivo, ficar em casa, mas produzir na intenção de ajudar quem mais precisa. Comprar diretamente do pequeno produtor é uma forma de mostrar para esse desgoverno que quando ocupamos a terra, nós temos um objetivo – produzir, velar e cuidar da terra”.

“O Greenpeace, que muitas vezes a gente olhou de longe, que a gente vê na TV defendendo os mares, defendendo a Amazônia, de repente chegou perto da gente. Chegou perto da Coalizão Negra por Direitos, que tenta derrubar muros. Chegou perto de sujeitos políticos coletivos, desses segmentos como movimentos de mulheres, movimentos negros. É, então, um movimento socioambientalista, é meio ambiente com gente, com gênero, com enfrentamento ao racismo, à misoginia, às desigualdades impostas pela miséria econômica a que somos submetidos. Então para nós isso é muito forte”, conclui Vilma.

Continuamos realizando doações de comida saudável para quem está precisando muito.
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