Vilãs nas redes sociais, ferramentas estão sendo usadas para identificar aves em região onde o desmatamento tem avançado rapidamente na Amazônia

Os pesquisadores da expedição “Amazônia que Precisamos” registraram, até agora, 262 espécies diferentes de aves na região do rio Manicoré. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

Manicoré (AM) – Imagine um gravador que passa o dia inteiro registrando os sons da floresta: animais andando, chuva caindo, galhos despencando. Agora imagine um algoritmo capaz de identificar e agrupar esses sons, ajudando pesquisadores a estudar animais de interesse, sons específicos e vocalizações que só certos bichos produzem. Pois não é preciso imaginar – este recurso não só existe como está sendo utilizado hoje dentro de uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia brasileira.

Isso porque esse é um dos instrumentos que a equipe de avifauna da expedição “Amazônia Que Precisamos” está utilizando para conhecer e estudar pássaros e aves.

A expedição “A Amazônia Que Precisamos” é a primeira expedição científica promovida pelo Greenpeace após a pandemia de covid-19. Mais de 30 pesquisadores, a maioria vinculada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), estão desenvolvendo estudos de biodiversidade no rio Manicoré, no Sul do Amazonas.

Inovação tecnológica

A inovação tecnológica trazida pela equipe de avifauna funciona assim: os cientistas levaram para o trabalho de campo 11 gravadores, que foram distribuídos em lugares específicos ao longo do rio Manicoré e seus diferentes tipos de florestas, campinas, campinaranas e campos naturais. 

Esses gravadores ficam 24 horas ligados e podem captar todos os sons que estão em seu raio de alcance, como o canto das aves e pássaros, a queda de árvores, o coaxar de sapos, e o andar de animais selvagens. A cada dez minutos, sessenta segundos completos são gravados pelos equipamentos. 

Ao recolher os gravadores, o material gravado será analisado por um algoritmo, que “filtra” todos os sons e descarta tudo que não for canto de pássaros. “O que ocorre é que, com relação aos pássaros, cada espécie tem uma vocalização diferente. Então é muito fácil, quando você está amostrando a população de uma área, saber o que tem por ali e o que não tem baseado nos sons e cantos que você ouve”, disse o pesquisador Gustavo Martins, um dos integrantes da equipe de avifauna da expedição. Gustavo é biólogo e faz mestrado em Ecologia no Inpa.   

Ele contou que este algoritmo traz eficiência e agilidade ao trabalho dos cientistas. “Imagine se um ouvido humano tivesse que parar para ouvir 20 a 30 mil horas de vocalizações de pássaros? O algoritmo agiliza esse processo, identificando os sons que nos interessam, as espécies que ocorrem em determinado local e em que horário do dia elas estão ativas”, explicou.

O pesquisador Gustavo Martins preparando um dos gravadores utilizados na expedição: Foto: Todd Southgate/Greenpeace

Redes

Além dos gravadores, os cientistas trabalharam também com grandes redes de neblina, que ajudam na coleta e identificação das aves que existem nas margens do rio Manicoré. As redes possuem 30 metros de comprimento e 3 metros de altura e são abertas todos os dias no início das manhãs – que é a hora em que os pássaros estão mais ativos no interior da floresta.

A coordenadora da equipe, a bióloga, professora e doutora em Genética e Biologia Evolutiva Camila Ribas, afirmou que um dos aspectos mais interessantes do trabalho com os pássaros é que eles contam a história dos lugares por onde voam. “Para alguém como eu, que estuda biogeografia, que é a relação dos animais com os ambientes, é sempre importante saber mais sobre esses animais e sobre o que eles dizem dos lugares por onde transitam”, disse a cientista. 

Camila contou que as aves têm afinidades ambientais bem específicas – ou seja, certas espécies só ocorrem em terra firme, outras apenas em florestas que alagam. “As aves são relativamente fáceis de observar, bem conhecidas e são um bom indicador das paisagens. Elas também são atraentes por conta da variação de cor e de plumagem. Existem diversas perguntas evolutivas que a gente pode fazer quando lida com esses animais. O estudo de diversidade e biogeografia em aves é bem avançado hoje em dia. Por meio dos pássaros, nós podemos tentar entender como a Amazônia evoluiu”.

As “redes de neblina” foram utilizadas para conhecer a avifauna da região do rio Manicoré. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

Conservação

Camila disse também que a região do rio Manicoré é um daqueles lugares da Amazônia onde foram feitos pouquíssimos estudos científicos. Por isso a expedição “A Amazônia Que Precisamos” está ajudando a preencher uma “lacuna de conhecimento” que existe sobre a maior floresta tropical do planeta. Foram registradas, durante a incursão a campo, 262 espécies diferentes de aves. O total de espécies esperadas para a região é de 590 espécies, baseadas nas informações coletadas em campo pelos pesquisadores.

Os mais de trinta cientistas participantes da expedição estão estudando plantas, répteis, anfíbios, aves, peixes e mamíferos. Os dados gerados neste trabalho vão compor o Plano de Gestão do Território de Uso Comum do Rio Manicoré, concedido para as comunidades daquela região por meio da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), de março de 2022. Além disso, as informações colhidas pelos cientistas também vão reforçar a proposta das comunidades extrativistas daquela área que tentam, há 16 anos, criar uma unidade de conservação: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do rio Manicoré. 

A CDRU coletiva é uma grande conquista para as comunidades tradicionais do Rio Manicoré, pois reconhece os seus direitos territoriais e garante o uso sustentável dos recursos pelos comunitários – ela, no entanto, precisa ser devidamente implementada. A RDS, quando criada, também aumentará a proteção ambiental e o envolvimento do Estado para garantir que os objetivos de conservação dos comunitários sejam cumpridos. 

Segundo a doutora em Genética Camila Ribas, ao estudar a evolução das aves é possível entender a evolução dos ambientes na Amazônia. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

Pesquisa e tecnologia

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Rômulo Batista, o uso de novas tecnologias é uma ferramenta importante, que pode ajudar a transformar a Amazônia e as condições de vida de seus habitantes.

“Precisamos abandonar as práticas da Economia da Destruição, que explora e esgota os recursos naturais amazônicos, oprime e violenta os povos da floresta  e coloca diariamente a nossa biodiversidade, ainda pouco estudada, em risco. Temos que  investir mais na pesquisa, na tecnologia e na inovação, construindo uma economia que seja capaz de manter a floresta em pé, conservar sua biodiversidade e respeitar direitos de povos e comunidades tradicionais gerando renda e bem estar social para eles. É somente por esse caminho que vamos garantir um bioma íntegro, justo e com qualidade de vida para as populações que aqui vivem. Esta é a Amazônia que precisamos”, afirmou Rômulo.   

O Sul do Amazonas possui diversas “lacunas de conhecimento” e é hoje uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

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