Nesta segunda-feira, 10 de fevereiro, o Grupo de Voluntários de Belém realizou uma impactante ação de projeção na sede da Seduc/PA. Frases como “Direitos Indígenas Não se Negociam” e imagens de lideranças à frente da luta pela educação no Pará, como Alessandra Korap Munduruku, iluminaram a fachada do prédio, reforçando a urgência da revogação da Lei 10.820.

Há 30 dias, o grupo se mantém acampado junto ao movimento indígena na Seduc, exigindo o fim dessa legislação que ameaça direitos indígenas na educação. Na semana passada, um avanço importante: o governador Helder Barbalho assinou um termo de compromisso para a revogação da Lei. E hoje, a vitória se concretizou – a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) oficializou a revogação.
Confira o relato de Rui Gemaque, ativista do Grupo de Voluntários de Belém, sobre a mobilização, a resistência e a conquista dessa luta pela educação indígena.
Por Rui Gemaque
A Cabanagem é agora. O levante popular protagonizado por indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses no século XIX na então província do Grão-Pará reverbera com força nos dias de hoje no norte do Brasil. Em Belém do Pará, cidade já batizada antes de Mairí pelos povos originários, no ano em que será sede do maior evento de discussões climáticas, emerge um movimento em defesa da educação; quem (consegue) acompanhar o acontecimento de perto logo diz ser a Cabanagem moderna.
Em janeiro deste ano, grupos indígenas do oeste do Pará, região de Santarém, chegaram à Belém para ocupar a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), solicitando diálogo, ou melhor, serem ouvidos pelo governo estadual que em dezembro de 2024 aprovou a Lei 10.820/2024, que fragiliza o ensino escolar em localidades mais distantes de centros urbanos, como comunidades rurais e ribeirinhas. O anseio do movimento é: revogação total da referida Lei e a exoneração do atual secretário de educação Rossieli Soares. A causa ganhou força com a união de quilombolas da região nordeste do estado, professores da rede estadual de ensino, organizações, sociedade civil e personalidades da mídia nacional e internacional. A manifestação também ocorre em outros pontos do estado, como na BR-163.
Esse levante é liderado principalmente por mulheres indígenas, quilombolas e da área da educação. Alessandra Korap Munduruku é um dos nomes de destaque da mobilização, ao lado de Auricélia Arapiun, Margareth Maytapu, Yuna Tembé, Lidia e Lidiane Borari, Eliete Nazaré, e muitas outras. O Grupo de Voluntários Greenpeace Belém não poderia ficar neutro ou ausente diante desse acontecimento já considerado histórico.

A percepção geral é que há muito tempo não se via algo que enfrentasse com tanto rigor e insistência o governo estadual, expondo fragilidades e vulnerabilidades de um maquinário organizacional que se empenha em publicidade positiva e “sustentável”. Prova disso é a decisão do MPF para que as mídias do governo e do governador Helder Barbalho retirassem um de seus vídeos sobre o assunto por conter inverdades. Jota do Quilombo, liderança da Amarqualta (Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes de Quilombo do Alto Acará), costuma dizer: além da disputa presencial e jurídica, existe uma disputa online, um embate no meio virtual.
Boa parte das informações da imprensa circulam a partir da internet e não dá pra negar a relação dos grandes veículos de comunicação com atores políticos. Então, uma das dificuldades que a luta enfrenta é a propagação de notícias tendenciosas, tachando os manifestantes de violentos, por exemplo.
Em contraponto, a comunicação popular foi uma arma poderosa para potencializar a voz do movimento; a juventude indígena engajada nas redes sociais alcançou, literalmente, milhões de pessoas através de seus perfis pessoais e perfil da Comissão Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) no instagram; aqui registro minha admiração ao Jander, Cristian e Thaigon Arapiun, Luiza Tupayú, Thiago Maiandeua, Walter Kumaruara, Vanessa Campos e outros comunicadores indígenas e não indígenas que se juntaram à causa, registrando e divulgando em fotos e vídeos aquilo que a imprensa tradicional não quis cobrir.
Nesse ponto nós, Greenpeace Belém, nos disponibilizamos para ajudar sempre que possível, numa massiva mobilização online em nossas redes, integrando uma vasta teia de aliados. Eu pessoalmente vi a necessidade de estar presente na ocupação, sendo um elo com o mundo externo apoiando na logística de doações. Percebi também a importância de acompanhar ainda mais de perto, acampando com os parentes, já que informações surgem a toda hora, de modo imprevisível e estar articulado com a equipe de comunicação presencialmente em tempo real potencializa apoio, incidência e troca de conhecimentos.
Considero muito edificante estar vivenciando cada instante aqui dentro, conversar com pessoas de vários povos, com os mais velhos sobre as lutas de ontem e de hoje, sobre a visão complementar da força jovem e experiência anciã… Imerso nisso tudo, surgiu a ideia de construir uma atividade que ajudasse na divulgação e registros marcantes desse movimento pela educação, ao modo Greenpeace. De maneira estratégica, utilizamos projeções com imagens e frases na fachada principal e na parede com a sigla SEDUC, pensando na simbologia e impacto. A recepção das pessoas presentes na ocupação, das crianças aos mais velhos, foi extremamente positiva e emocionante, levantando a auto estima e criando ainda mais esperança na coletividade e no alcance da meta principal: a revogação.
Em todos os momentos de reuniões e de fala, as lideranças foram extremamente gratas a todo o apoio dado, tenha sido ele como for. Enquanto finalizo esse texto, parte do grupo da ocupação está indo para a Assembleia Legislativa Estadual, onde hoje (12/02) será votada por deputados e deputadas estaduais a revogação da Lei 10.820/2024, depois de quase um mês de ocupação, depois de horas de reuniões sem acordos, manifestações sob a chuva e cercados de policiais e muitos outros perrengues, se vê progresso.

Mas ainda não acabou. Dadá Borari, professor e uma das lideranças do movimento, sempre afirma que a desocupação só acontecerá quando a revogação for divulgada no Diário Oficial do Estado e que estarão prontos para mais 30 ou 40 dias, caso seja necessário. Eliete Nazaré, parceira de Jota na representação quilombola, diz o mesmo, destacando a gratidão por viver esse momento de luta ao lado de outros povos e comunidades.
Poderia escrever ou falar de muitas formas sobre o que estou vivendo e aprendendo aqui e não conseguiria mensurar minha sorte e minha gratidão. Tenho certeza que me unir à causa e participar dessa coletividade me tornou alguém melhor.
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