Quinze pesquisadores participaram da expedição “A Amazônia Que Precisamos”, no Sul do Amazonas, para desenvolver estudos de biodiversidade

Raíssa Rainha: “A pandemia foi terrível para os cientistas. Felizmente, agora podemos voltar a campo e coletar dados”. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

Manicoré (AM) – “É um alívio, mas isso não significa que a gente não fique tenso ou nervoso. Ainda temos medo”. É dessa maneira que a bióloga Raíssa do Nascimento Rainha, de 29 anos, fala sobre voltar ao interior da Amazônia para realizar pesquisas após dois anos da pandemia de covid-19 – que interrompeu trabalhos científicos por todo o planeta. 

A doença deixou milhares de mortos pela região amazônica; e o contínuo desinvestimento do Brasil em Ciência fez com que a maior floresta tropical do planeta ficasse sem cientistas trabalhando em campo. Por outro lado, as queimadas, o desmatamento e a grilagem só aumentaram.

Raíssa é uma das participantes da expedição A Amazônia Que PrecisamosA primeira expedição científica promovida pelo Greenpeace após o arrefecimento da pandemia. Neste momento, mais de 30 pesquisadores, incluindo professores e alunos de pós-graduação, desenvolvem estudos no rio Manicoré e em partes do rio Madeira, no Amazonas, para entender o que existe de biodiversidade nesta região. 

Rio Manicoré

Os cientistas estão estudando as plantas, os mamíferos, os répteis, os anfíbios, as aves e os peixes da área. Um diagnóstico socioeconômico também está em curso, para conhecer melhor e ter dados mais precisos sobre as comunidades que vivem por aqui. Esses dados vão fortalecer a proposta de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Manicoré.

2019 foi a última vez de Raíssa em campo, quando ela esteve na Serra do Divisor, no Acre. Cientista vinculada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e com Doutorado em Ecologia/Evolução, ela tem como objeto de estudo sapos e lagartos. 

A pandemia foi terrível para os cientistas. Muitos colegas tiveram que defender teses e dissertações sem ir a campo, muitos mudaram seus objetos de estudo e vários terminaram seus mestrados e doutorados e ficaram parados. Felizmente, agora podemos voltar a campo e coletar dados”, disse. 

Testes necessários

Raíssa lembrou, porém, que este retorno às atividades não ocorre sem preocupações. “Ainda precisamos nos testar para covid-19 e fico um pouco ansiosa com a possibilidade de levarmos alguma coisa para as comunidades ribeirinhas”, contou.

Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), o biólogo Mateus Ferreira, 34, compartilha do sentimento de Raíssa: “É uma felicidade poder voltar ao campo. O convite para a expedição veio num momento interessante, em que a situação parece mais controlada e conseguimos ter um pouco mais de liberdade para as ações”.  

Mateus contou que, como professor, sentiu bastante os efeitos da pandemia, tendo que assumir muitas turmas virtuais e muitas disciplinas em pouquíssimo tempo. “Sem fazer campo, nós não conseguíamos acesso a dados novos. Tivemos que lidar com leituras, análises e ainda consegui publicar um artigo com dados antigos que eu tinha. Mas os próprios laboratórios estavam fechados, era muito difícil ir a esses espaços para continuar nossas pesquisas e trabalhos”. 

Vale lembrar que vivemos um período muito difícil para quem trabalha com Ciência no Brasil. “A falta de investimento na pesquisa é real. Os orçamentos das universidades estão sendo cortados e as bolsas de fomento estão paralisadas. Existe um projeto de sucateamento da Ciência no Brasil”, reclamou o professor. Na expedição A Amazônia Que Precisamos, Mateus faz parte da equipe de avifauna, que está estudando os pássaros do rio Manicoré. 

Mateus Ferreira: “É uma felicidade poder voltar ao campo. O convite para a expedição veio num momento interessante, em que a situação da covid-19 parece mais controlada”. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

Voltar à natureza

Outra pesquisadora que sentiu o baque foi a ictióloga Lúcia Rapp Py-Daniel. Uma das mais famosas conhecedoras de peixes da Amazônia, Lúcia disse que passou o ano de 2020 envolvida basicamente com questões administrativas.

“Sem poder fazer pesquisa de campo, me concentrei na Coordenação de Biodiversidade do Inpa, da qual sou titular e onde respondo pelo trabalho de 120 pessoas. Passei um ano inteiro ocupada com coisas como pagamentos, folhas de pontos e férias. Um aspecto horroroso dessa história é que Manaus, onde fica a sede do Inpa, sofreu com duas ondas severas de covid-19. Tivemos muitos colegas e servidores do Instituto que morreram. Foi um período muito duro”, explicou.

Desde 1978, Lúcia vai a campo todos os anos. Os únicos períodos em que não navegou os rios da Amazônia em busca de novas espécies de peixe foi entre 1985 e 1990, quando suas filhas eram crianças; e 2019 a 2021, por conta do coronavírus.  

Voltar à natureza, ver as comunidades, pegar o barquinho e ir embora no rio: eu estava com saudade de tudo isso. Nós, cientistas, adoramos essas extravagâncias (risos). Estar nessa expedição tem sido muito gostoso e é um grande alívio”, disse Lúcia. 

Porta-voz da Campanha de Florestas do Greenpeace, Rômulo Batista contou que “não há melhor lugar para o Greenpeace estar” do que no interior da Amazônia. “No aniversário de 30 anos da instituição, penso que estamos no melhor lugar possível neste momento: junto à floresta, junto às comunidades tradicionais e junto a todos aqueles que creem e lutam por um futuro melhor e mais justo”, declarou.

Lúcia Rapp Py-Daniel: “Voltar à natureza, ver as comunidades, pegar o barquinho e ir embora no rio: eu estava com saudade de tudo isso”. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace

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