A ONU deve escutar os cientistas e  fazer escolhas para garantir soberania alimentar e um planeta habitável. Ceder aos apelos do agronegócio só agrava a fome, a desigualdade e a emergência climática

Gado em pastagem, ao lado de área desmatada e recém queimada, em Candeias do Jamari, Rondônia. | Créditos:  Victor Moriyama
Gado em pastagem, ao lado de área desmatada e recém queimada, em Candeias do Jamari, Rondônia. | Créditos: Victor Moriyama

0 (zero) é o principal compromisso da Cúpula de Sistemas de Alimentos (Food Systems Summit, ou UNFSS, sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas, ONU.  A reunião integra parte da “década de ação” da ONU para atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e enfrentar conjuntamente as crises de pobreza, desigualdade e mudanças climáticas – causada pela emissão de gases que aquecem o planeta devido a queima de combustíveis fósseis, sobretudo nas atividades econômicas humanas. 

O último desses encontros aconteceu entre 23 e 24 de setembro, em Nova Iorque, EUA.  Mas, ao  invés de atacar a raiz do problema, a Cúpula desperdiçou essa excelente oportunidade de atuar em prol da resolução definitiva da fome e da crise climática. Durante a reunião as promessas de uma agropecuária sustentável e do aumento da monocultura, que são bases do atual sistema perverso que estimula o crescimento da fome conforme temos visto, estiveram onipresentes na maioria dos discursos posando como soluções mágicas.  

As garantias de que o mesmo sistema que nos levou ao atual cenário de fome arcará com os custos das soluções foram pouco debatidas. Dúvidas  compartilhadas pelos principais cientistas do campo da alimentação do mundo,  e, também, por grande parte dos movimentos sociais.   

Não é de se surpreender que a principal porta-voz das promessas de uma nova agropecuária “sustentável” e do aumento de produção com base em tecnologia foi Thereza Cristina Corrêa da Costa, a ministra brasileira da agricultura e pecuária. Em sua fala na ONU, Tereza Cristina anunciou a construção da Coalizão sobre Crescimento Sustentável da Produtividade, uma aliança entre Brasil e EUA.

A ministra esqueceu de mencionar que esse sistema “sustentável” de aumento da produção agropecuária é regado a veneno.  O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Apenas na gestão de Tereza Cristina foram liberadas mais de 967 substâncias antes proibidas. O Lobby dessas empresas no Brasil é tão forte que o país pretende aprovar mais flexibilização de novas substâncias tóxicas,  o Projeto de Lei (PL) 6299/2002,  conhecido como Pacote do Veneno é uma das Leis que pode ser votada a qualquer momento no plenário da Câmara dos Deputados.

Para os países agrícolas do Hemisfério Sul, o modelo atual de produção agroexportadora de commodities  também significa a destruição da auto suficiência alimentar doméstica, a chamada soberania alimentar.  A grande maioria dos agricultores familiares acabam engolidos por um sistema voltado para exportações de commodities – quando o que deveria ser comida vira produto do mercado financeiro. Muitos  são impedidos  de vender  sua produção por falta de incentivos para se produzir e consumir localmente. Nesse sentido, um exemplo claro do caminho que vem sendo trilhado foi o recente veto presidencial ao PL 823/21, que servia de apoio à agricultura familiar .

Agroecologia e soberania alimentar

Sem transformar o atual sistema em uma nova agricultura é impossível lutar contra a erradicação da fome e enfrentar as mudanças climáticas. Precisamos apoiar uma produção de alimentos promovida pelos agricultores familiares, livre de veneno e com sistemas tradicionais de cultivo de sementes não transgenicas. Uma produção que garanta soberania alimentar a todos e que reduza os impactos ambientais que estão nos empurrando para uma grave crise climática e humanitária. 

Os movimentos sociais exigiram que a Cúpula integre outros modelos de produção de alimentos no combate à fome.  O encontro resultou em um documento com nove demandas por alimentos e direitos para todos os povos. 

 “O retorno a uma agricultura baseada na diversidade é a grande transformação que se espera nas lutas contra a fome, a crise ambiental e a climática. Algo que apenas a agroecologia, praticada principalmente pela agricultura familiar,  pode garantir, e não a indústria de alimentos e o agronegócio, que até hoje vem agravando esses problemas”, afirma Adriana Charoux, coordenadora da campanha “Agroecologia contra a Fome”, do Greenpeace Brasil.

É a agroecologia e não o agronegócio a solução para as atuais crises da fome e do clima. Se seguirmos ignorando essa verdade,  o nosso legado será deixar o planeta ardendo enquanto crianças e velhos seguem na fila por restos e ossos. 

No país do Agropop tem gente com fome | Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo
No país do Agropop tem gente com fome | Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

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