Levantamento examinou peixes vendidos em 17 cidades e constatou que habitantes da Amazônia estão ingerindo mercúrio acima dos limites recomendados.

Foto no Mercado Ver-O-Peso, em Belém (PA).
Foto no Mercado Ver-O-Peso, em Belém (PA).
© Décio Yokota/Iepé

Um novo estudo realizado em cidades da Amazônia revelou que os peixes vendidos em feiras e mercados da Região Norte estão contaminados por mercúrio. A pesquisa mostrou que, dos 1.010 peixes analisados de 80 espécies, todos estão com contaminação acima do índice considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de ≥ 0,5 µg/g (lê-se “0,5 micrograma por grama”).

Tabela 1. Percentual de peixes analisados que apresentaram concentração de mercúrio acima de ≥ 0,5 µg/g

Unidade da FederaçãoÍndice * 
(valores arredondados)
Roraima40%
Acre36%
Rondônia26%
Amazonas22,5%
Pará16%
Amapá11%
Média da região:21%

Cidades pesquisadas

A pesquisa abrangeu seis estados – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima – e 17 cidades, incluindo as capitais. Os peixes analisados foram comprados em mercados públicos, feiras livres e em pontos de desembarque pesqueiro. A ideia era reproduzir a experiência do consumidor local, que vai a esses locais em busca de alimento para a sua família. 

Entre outros locais, foram visitados o Mercado Ver-O-Peso, em Belém (PA); a Feira da Manaus Moderna (AM); a Feira do Pescado Perpétuo Socorro em Macapá (AP) e a Feira do Cai N’Água, em Porto Velho (RO). 

A coleta dos peixes foi realizada de março de 2021 a setembro de 2022. A análise foi realizada pelos laboratórios do Centro de Tecnologia Mineral – CETEM (RJ) e do Instituto Evandro Chagas – IEC (PA).

O estudo foi realizado por um grupo de instituições que inclui a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o WWF-Brasil, o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e o Greenpeace Brasil.

Neurotóxico

O médico e pesquisador da Fiocruz Paulo Basta, um dos coordenadores do estudo, alerta que a contaminação dos pescados por mercúrio não é um problema restrito às Terras Indígenas.

“O que mais me chamou a atenção nesse estudo é que, nas cidades do Norte do Brasil, estão sendo vendidos peixes com um teor muito alto de contaminação. Isso mostra que o problema do garimpo e da contaminação por mercúrio não é apenas dos povos e territórios indígenas. Esse problema vai mais longe”, diz o médico Basta.

O mercúrio é usado amplamente em diversos garimpos ilegais por toda a Amazônia no processo de separação do ouro de outros materiais. Depois, a substância é despejada no meio ambiente, sem o manejo adequado. Uma vez despejado nos rios, o mercúrio se acumula nos organismos dos peixes e das pessoas que consumirem esses animais. 

Apesar de não se sentir o gosto do mercúrio no alimento, a substância é neurotóxica, ou seja, provoca graves danos ao sistema nervoso. Em seres humanos, a contaminação por mercúrio pode causar perda da visão periférica; dificuldades motoras, na fala, no caminhar e de audição; fraqueza muscular; comprometimento neurológico; coma e óbito. Bebês que porventura venham a ser contaminados enquanto estão nas barrigas de suas mães tendem a sofrer sequelas neurológicas muito mais graves.

Os mais afetados: mulheres e crianças

Os pesquisadores avaliaram também a ingestão diária de mercúrio em camadas populacionais específicas, como mulheres e crianças. O resultado foi assustador: nos mais diversos grupos etários, a ingestão de mercúrio excedeu a dose recomendada. 

Rio Branco (AC) foi a cidade mais crítica: as mulheres em idade fértil de Rio Branco estariam ingerindo até 9 vezes mais mercúrio do que o ideal; enquanto crianças acreanas de 2 a 4 anos, até 31 vezes a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental do governo norteamericano (na sigla em inglês, Environmental Protection Agency – EPA).

Os resultados também foram graves em Roraima: mulheres em idade fértil estão ingerindo até 8 vezes mais mercúrio do que a dose indicada; entre crianças de 2 a 4 anos, a taxa de ingestão de mercúrio pode ser de até 27 vezes mais que o tolerado. 

Combate ao garimpo

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, esse estudo reforça a urgência de superarmos o garimpo como atividade econômica na Amazônia.

“O garimpo é uma atividade predatória, pois além de predar o meio ambiente, preda a saúde pública e coloca em xeque outras cadeias produtivas importantes para a economia regional. Precisamos de uma economia capaz de conviver com a floresta, e o garimpo representa exatamente o inverso”, disse o especialista. 

Soluções

Em nota técnica, os pesquisadores recomendam uma série de medidas para acabar com a contaminação dos peixes, como a erradicação dos garimpos ilegais, o combate ao desmatamento – já que queimadas e supressão de árvores também lançam, de outras maneiras, mercúrio nos ambientes naturais – assim com a realização de mais estudos para detalhar e complementar os resultados divulgados agora.

“O mercúrio é uma substância de larga permanência, ele fica por décadas nos ambientes e organismos. Por isso, precisamos criar orientações nutricionais de recomendação de alimentação de pescado seguro, as autoridades precisam fiscalizar os garimpos e precisamos fiscalizar, notificar e entender melhor os casos de contaminação por mercúrio. Ainda carecemos de muitos dados e estatísticas oficiais sobre este problema”, contou Paulo Basta.

Peixes pesquisados

As amostras que subsidiaram o estudo foram  coletadas em Altamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Humaitá (AM), Itaituba (PA), Macapá (AP), Manaus (AM), Maraã (AM), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santarém (PA), São Félix do Xingu (PA), São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tefé (AM). 

Foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas. Entre elas, estavam espécies com grande apelo regional, como tambaqui, curimatá, pacu, jaraqui, trairão, tucunaré, pirapitinga, curimatá e dourada.

Do total geral da amostra, 110 eram peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros apresentaram níveis de contaminação maiores que as espécies não-carnívoras – o índice foi 14 vezes maior. Por isso, os cientistas incluíram no estudo uma indicação de consumo para as principais espécies de peixes amostradas, considerando o nível de contaminação e a localidade.

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