Cerca de cinquenta pessoas, entre marisqueiras, pescadores, lideranças comunitárias, jovens e integrantes do Greenpeace, posam juntas no convés do navio Rainbow Warrior. O grupo segura faixas e cartazes com mensagens sobre justiça climática, defesa dos oceanos e memória do derramamento de óleo de 2019. Todxs sorriem e demonstram união e força coletiva. Ao fundo, aparece a parte traseira do navio com o banner “You Can’t Sink a Rainbow”. A cena transmite diversidade, acolhimento e mobilização dos povos do mar.
Foto: Marlon Diego / Greenpeace

Encontro em Recife reúne marisqueiras e pescadores para fortalecer a defesa dos territórios costeiros e compartilhar as ameaças da indústria fóssil 

Rituais são anunciações de coisas boas, bênçãos que depositamos sobre nossas ações e sobre os futuros movimentos que desejamos construir.

Como comunicadora, jamais imaginei ter a sorte de presenciar um evento iniciado com uma bênção: cânticos do mar ecoando no convés do navio, entoados por marisqueiras e pescadores que, com suas vozes, abrem caminhos para a resistência.

A bordo do lendário barco Rainbow Warrior, essa energia guiou um encontro onde memória, luta e futuro se entrelaçaram. Na última quarta-feira (3) o evento Entre Marés e Direitos reuniu lideranças da pesca artesanal e marisqueiras do Nordeste a bordo da embarcação do Greenpeace, ancorado em Recife, onde os participantes puderam fortalecer as ações coletivas das comunidades pesqueiras que cuidam do oceano e se viram vítimas do derramamento de petróleo no Nordeste em 2019. 

O avanço do petróleo sobre os maretórios

A proteção de territórios culturais e ancestrais de pescadores artesanais e extrativistas costeiros, esteve entre um dos temas debatidos no evento, ressaltando violações de direitos humanos cometidas por essa indústria e a importância das comunidades pesqueiras para a proteção da vida costeira. 

“Nós vamos morrer gritando”.

Helena do Nascimento, a Leninha, presidenta da Associação Mangue Mulher Maracaípe, comunicou a urgência:

Se a gente não defender nosso território, ninguém vai defender por nós. Nós pescadoras dizemos sempre: Vamos morrer gritando para permanecer no nosso lugar.

A fala dela reverberou como uma convocação coletiva. Em suas próprias palavras, quem vive e trabalha em harmonia com as marés só consegue proteger a pesca permanecendo no território, seguindo com sua atividade e lutando para sobreviver.

Com o mote “Do morro ao mar, justiça climática pra quem resiste!, o Rainbow Warrior transformou seu convés em arena de debates sobre:

  • direitos humanos violados pela indústria do petróleo
  • impactos reais da exploração fóssil em comunidades tradicionais
  • importância dos oceanos como bens comuns e como barreiras naturais contra a crise climática
  • papel das populações costeiras na proteção da biodiversidade marinha

O encontro reforçou que não existe justiça climática sem justiça territorial.

Uma mulher negra, sorrindo, fala ao microfone no convés do navio Rainbow Warrior durante o encontro com lideranças da pesca artesanal. Ela usa óculos escuros, camiseta branca com o símbolo do Movimento Mar de Luta e segura um caderno vermelho. Outras pessoas, sentadas e em pé, acompanham a fala ao fundo. A cena transmite acolhimento, força e participação ativa das comunidades costeiras.
Foto: Marlon Diego / Greenpeace

Seis anos do derramamento de óleo no Nordeste: memória que não cicatriza

 A presença do Rainbow Warrior na costa do Nordeste também tem o objetivo de chamar a atenção para os seis anos do maior crime ambiental que já ocorreu no Brasil: o derramamento de 5 mil toneladas de óleo na costa do Nordeste em 2019. Na época, o óleo chegou até às praias do Sudeste e afetou não somente a vida marinha de águas costeiras, manguezais e estuários da região, mas também as comunidades pesqueiras e marisqueiras e povos tradicionais locais. 

O derramamento de óleo que marcou o Nordeste em 2019 permanece como uma lembrança dura, que ensina e alerta para o futuro da Foz do Amazonas. As vozes do território ecoam a esperança de um caminho diferente, possível quando respeitamos os modos de vida dos povos do mar. Não queremos repetir erros, nem novos poços de petróleo

afirma a coordenadora de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade. 

Números que ainda doem

  • mais de 300 mil pessoas afetadas
  • cerca de 130 municípios impactados
  • R$ 188 milhões gastos com limpeza emergencial
  • mais de 3 mil quilômetros de litoral atingidos
  • danos ecológicos impossíveis de mensurar

“Fomos esquecidos”

Andrea do Espírito Santo, presidenta do Movimento Mar de Luta, reforçou a negligência histórica:

O maior crime com petróleo no Brasil não tem nenhum pescador com saúde monitorada. Enquanto trabalhadores da indústria recebem acompanhamento por décadas, nossas comunidades seguem esquecidas. Isso também é racismo ambiental.

O encontro também apresentou o documentário Pescadora de Direitos, que conta a história de Joana Mousinho, primeira mulher a presidir uma colônia de pescadores no Brasil e que esteve presente no evento.

Dirigido por Jéssica Raphaela, com roteiro de Kamilla Pacheco, o filme retrata como seu pioneirismo impulsionou a mobilização das pescadoras artesanais de Pernambuco na conquista de direitos para trabalhadoras da pesca em todo o país. Entre imagens de arquivo e paisagens do litoral nordestino ameaçadas pela especulação imobiliária, o curta evidencia como Joana segue fortalecendo a luta pelos territórios pesqueiros e pela proteção ambiental.

Representando o Movimento Mar de Luta, a presidenta Andrea do Espírito Santo reforçou que, para a Campanha Mar de Luta e o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras, participar da construção desse evento foi profundamente relevante e simbólico. Em suas palavras:

O crime do petróleo no Nordeste não pode cair no esquecimento nem permanecer impune. Nossa luta é por Justiça Socioambiental, por reparação integral que inclua a biodiversidade afetada e pelo fim dos combustíveis fósseis, sempre em defesa da pesca artesanal e de seus povos.

Aberto ao público

A embarcação do Greenpeace segue viagem rumo à sua próxima parada, a cidade do Rio de Janeiro, onde realizará visitações gratuitas abertas ao público. Nos dias 20 e 21 de dezembro, das 9h às 16h, o Rainbow Warrior estará ancorado na Praça Mauá, 224, com acesso pelo portão indicado, oferecendo à população a oportunidade de conhecer de perto o navio símbolo do ativismo ambiental, entender seu papel nas campanhas do Greenpeace e interagir com a equipe da organização e com a tripulação.

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