Apesar de declarar o Marco Temporal inconstitucional pela segunda vez, a decisão da Suprema Corte fragiliza a demarcação e pode afetar mais de 600 Terras Indígenas

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese do Marco Temporal, na quinta-feira (18), com o placar final de 9×1 – apenas o Ministro André Mendonça votou contra. Entretanto, manteve a constitucionalidade de vários pontos da Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Genocídio Indígena. A decisão coloca em risco a segurança e os direitos fundamentais de 391 povos originários no Brasil.
Para Danicley Aguiar, coordenador da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, o STF “perdeu a oportunidade de também rejeitar a relativização do usufruto exclusivo das Terras Indígenas, em nome de um suposto desenvolvimento econômico, combatendo o preconceito histórico que estigmatiza os povos indígenas como incapazes de constituir estratégias de desenvolvimento.”
Os pontos que não foram rechaçados causam preocupação, como o aumento da complexidade da demarcação de Terras Indígenas e a indenização de posseiros. Além disso, flexibilizam o uso exclusivo dos povos indígenas sobre os seus territórios e fragilizam o direito à consulta livre, prévia e informada.
“É um sentimento ambíguo: alívio pela confirmação da rejeição da tese do Marco Temporal, mas também preocupação com os retrocessos mantidos na decisão, que fragilizam direitos territoriais e alimentam um cenário de permanente tensão e insegurança jurídica — justamente o oposto da estabilidade que se dizia buscar, reforçando o conflito institucional e a instabilidade normativa. Para além de um dever jurídico do Estado, a proteção e a efetiva demarcação das Terras Indígenas constituem condição indispensável para a concretização dos direitos dos povos originários e para a implementação das políticas ambientais e climáticas, nos termos dos arts. 225 e 231 da Constituição Federal”, destaca Angela Barbarulo, gerente jurídica do Greenpeace Brasil.
Confira a análise do Greenpeace Brasil sobre o resultado do julgamento do STF sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701/2023)
Em vitória importante do movimento indígena, o STF reafirmou a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal, pela segunda vez. Além disso, declarou a inconstitucionalidade de pontos importantes da Lei nº 14.701/2023, como a aplicação de critérios de suspeição e impedimento de antropólogos que atuam na demarcação de Terras Indígenas e a impossibilidade da lei retroagir sobre atos dos procedimentos demarcatórios já concluídos.
Por outro lado, a Corte não entendeu inconstitucionais alguns artigos da Lei do Genocídio Indígena que, na prática, podem dificultar processos demarcatórios de novas Terras Indígenas. Entre eles, aspectos relacionados à indenização de posseiros e a ampla participação de atores que podem impugnar demarcações durante todo o processo. Também causa preocupação a flexibilização do usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre os seus territórios, com a possibilidade de realização de atividades econômicas por não-indígenas.
A Corte, ainda, validou o produto da Comissão Especial de Conciliação, construído sem a participação do movimento indígena. O texto será enviado ao Congresso Nacional, que tem autonomia para decidir sobre como prosseguir, porém o cenário recente não caminha para medidas que garantam mais proteção aos direitos dos povos indígenas.
Por fim, o STF declarou a inconstitucionalidade por omissão do Estado brasileiro na demarcação de Terras Indígenas, demandando a apresentação de um plano estruturado. De fato, a morosidade nos processos demarcatórios precisa ser superada, porém é necessário que se dê a estrutura e as condições adequadas para que os órgãos responsáveis – em especial a Funai – possam conduzir seu trabalho com autonomia e estrutura.
Julgamento sem presença indígena
Iniciado presencialmente no dia 10 de dezembro com leitura do relatório e sustentações orais, o restante do julgamento foi em plenário virtual, comprometendo a participação dos povos indígenas, aliados e de toda sociedade na decisão.
Ao todo, três ações que contestavam a validade da Lei 14.701/2023 foram analisadas, entre elas a ADI 7582, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na qual o Greenpeace Brasil atuou como amicus curiae (amigo da corte).
A maioria dos ministros da Corte seguiu o voto do relator, Gilmar Mendes, validando regras para a exploração de Terras Indígenas. Somente Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia discordaram, inclusive das indenizações e concessões de terras alternativas aos povos indígenas.

Risco para toda democracia
Proteger e promover os direitos indígenas é uma tarefa de todos os brasileiros, sobretudo do Estado. “Ao enfrentarmos a transgressão permanente dos direitos indígenas, reforçamos o princípio da pluralidade que orienta a democracia brasileira; garantindo o respeito aos modos de vida, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, além do direito às terras que tradicionalmente ocupam”, afirma Aguiar.
Atualmente, a Funai possui cerca de 679 processos demarcatórios que podem ser afetados pela decisão do STF, sendo 149 estudos de identificação e delimitação, e mais de 530 reivindicações territorial, dos quais 120 envolvem a revisão de limites e, pelo menos, 60 a constituição de Terras Indígenas.

Marco Temporal segue no Congresso
Um dia antes do julgamento iniciar no STF, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), atropelou a democracia e pulou etapas da tramitação para marcar às pressas a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 48), que trata do Marco Temporal. Apesar dos protestos e alertas, foi aprovada com 52 votos – confira a lista dos senadores que votaram a favor da PEC 48 e lembre desses nomes nas eleições de 2026.
A PEC 48 força a inclusão do Marco Temporal na Constituição Federal, apesar da tese já ter sido negada e reconhecida como inconstitucional pelo STF em 2023. E agora foi rejeitada pela segunda vez, o que é uma vitória diante das ameaças do Congresso.
Neste momento, a PEC 48 está nas mãos de Hugo Motta (Republicanos/PB), presidente da Câmara dos Deputados, que precisa ouvir a voz do povo brasileiro e principalmente dos povos indígenas: Marco Temporal NÃO!
Defender os direitos indígenas é fortalecer a democracia e garantir o respeito aos modos de vida, crenças e territórios dos povos originários. Seguiremos firmes, por quanto tempo for necessário e sem recuar.
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