Na 19ª edição do Acampamento Terra Livre – a maior mobilização indígena do Brasil –, lideranças e organizações indígenas pedem a retomada da demarcação de territórios

Free Land Camp 2022 - March for Democracy in Brasilia. © Tuane Fernandes / Greenpeace
Indígena sobe em um mastro e coloca no topo uma bandeira do Brasil manchada de sangue durante “Marcha pela Democracia” no Acampamento Terra Livre de 2022, em Brasília.
© Tuane Fernandes / Greenpeace

Acontece esta semana, em Brasília (DF), a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do Brasil. Lideranças de todo o país se reúnem para discutir prioridades, organizar suas demandas e fazer incidência política junto às maiores autoridades da República. Com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”, o movimento indígena pede a retomada da política de demarcação de territórios originários, que ficou parada durante o governo anterior.

Cumprindo o que prometeu ainda em campanha, Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma Terra Indígena no período em que esteve no poder, submetendo os povos indígenas a quatro anos duros e violentíssimos, marcados por diversos ataques, como o aumento dos garimpo ilegais. Relatório lançado semana passada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) traz os dados: os indígenas foram as maiores vítimas da violência no campo ocorrida em 2022. Em 2022, 38% das vítimas assassinadas por conflitos no campo eram indígenas.


Contra genocídio indígena

“A demarcação de Terras Indígenas é um direito ancestral previsto na Constituição Federal. Aqueles que invadem uma Terra Indígena destroem as florestas e atacam indígenas, que há mais de 500 anos lutam pela proteção das suas famílias, culturas e terras”, disse Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

Para a Apib, a demarcação dos territórios ancestrais é essencial na preservação de todos os biomas do país, mas também na luta contra o genocídio dos povos originários e na manutenção da democracia brasileira.

Existe a expectativa de que, de fato, o governo federal faça o anúncio da demarcação de algumas Terras Indígenas nas próximas semanas. O grupo de trabalho dos povos originários, que participou da transição de governos ano passado, indicou 13 territórios que estão prontos para serem demarcados – faltando, para isso, apenas a assinatura presidencial. Seriam mais de 1,5 milhão de hectares dedicados à manutenção dos costumes e sobrevivência dos povos originários. 

O Ministério do Povos Indígenas (MPI), por sua vez, indicou à Casa Civil a demarcação de 11 territórios. Existe uma possibilidade de que Lula visite o acampamento e faça o anúncio das demarcações, o que seria uma grande vitória e o resultado das articulações e mobilizações feitas pelo movimento indígena.  

Acampamento Terra Livre une povos indígenas em defesa de seus direitos e de sua existência em Brasília
© Christian Braga / MNI

Demarcar Terras Indígenas é democracia

A demarcação é um dos passos mais importantes para a garantia dos direitos dos povos originários. Com ela, a União mantém a posse da área, mas concede o uso àqueles que vivem tradicionalmente naquele território. Ao estabelecer os limites físicos para as terras, o estado brasileiro dá um passo importante na proteção daquele local, dificultando invasões e impedindo a posse por não-indígenas. 

Além de permitir que os povos indígenas mantenham seus costumes, línguas e crenças –colaborando assim para a sobrevivência física e cultural desses povos–, a demarcação de terras indígenas é uma obrigação do estado brasileiro, como previsto na Constituição de 1988, e é um direito que os povos indígenas conquistaram após anos de lutas e resistência. Hoje, existem 429 territórios demarcados, mas são apenas 30,8% do total de áreas reivindicadas pelos indígenas brasileiros.  

Ainda há muito a ser feito: segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 2021, das 1.393 Terras Indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos indígenas que não contam com nenhuma providência do Estado no que se refere ao processo de demarcação.

Além de ser uma questão de justiça com os povos originários, a demarcação das terras indígenas auxilia a conservação da natureza: apesar de representarem apenas cerca de 5% da população mundial, os povos originários protegem em suas terras cerca de 80% da biodiversidade do mundo inteiro

Free Land Camp 2022 in Brazil. © Tuane Fernandes / Greenpeace
Lideranças indígenas reunidas no Acampamento Terra Livre, em Brasília, em defesa da vida e do planeta
© Tuane Fernandes / Greenpeace

Terras Indígenas cuidam do Planeta

A Coordenadora-Secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marciely Tupari, disse que a expectativa pela notícia de possíveis demarcações é enorme: “Desde a campanha, o atual presidente se comprometeu com a demarcação de territórios indígenas. Estamos torcendo muito para que neste acampamento seja feito um anúncio de alguma demarcação. Sabemos que isso envolve muitas questões burocráticas, mas sabemos também que há territórios que estão aptos para a demarcação há muito tempo. Esperamos que essa demanda do movimento indígena seja atendida”.

Marciely lembrou também que a demarcação é um tema que não interessa apenas aos povos originários. A demarcação é importante não só pros povos indígenas que vivem naquele espaços, mas pro mundo também. Nós sabemos da importância dos territórios para a proteção da floresta, para a proteção da vida, para o equilíbrio do clima do planeta, para a proteção dos seres humanos que vivem na terra. ”, disse a coordenadora. 

O porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, afirma que, para além da demarcação, é preciso garantir também a proteção dos territórios originários. “Não adianta só demarcar. Precisamos efetivamente proteger esses territórios. O governo tem a tarefa de garantir essa proteção para que possamos dar passos adiante na promoção do etnodesenvolvimento que queremos. Existem diversas terras demarcadas que sofrem com invasões de madeireiros e garimpeiros. A Terra Indígena Yanomami é um exemplo. Então precisamos demarcar os territórios, mas também garantir a proteção..  

Milhares de lideranças indígenas participaram da marcha “Demarcação Já!” em Brasília (DF) durante o Acampamento Terra Livre (ATL) em abril de 2022
© Tuane Fernandes/ Greenpeace

19º Acampamento Terra Livre

A Apib é a organização que, juntamente com suas sete organizações de base, que representam os povos indígenas de todo o Brasil, organiza o Acampamento Terra Livre. Este ano, o ATL acontece na Praça da Cidadania, próximo da Esplanada dos Ministérios, e tem a expectativa de reunir 6 mil lideranças. A programação do acampamento vai de hoje (24) até sexta-feira (29) e conta com mais de 30 atividades.

Entre os destaques da programação constam plenárias sobre mulheres indígenas; parentes LGBTQIAP+; gestão territorial e ambiental de terras indígenas; e acesso a políticas públicas e povos indígenas em isolamento voluntário. Também estão previstas três marchas, lançamento de livros e cursos; e debates e uma vigília sobre o Marco Temporal.   

Consulte aqui a programação do #ATL2023     

Marcely Tupari lembra ainda que as demarcações são fruto de luta e resistência do movimento indígena. “Queremos que o governo não só demarque, mas que dê pra gente mecanismos de manter e proteger os territórios. Os territórios, para nós, são mais do que um pedaço de terra. O território é vida. O Brasil é território indígena e estamos apenas exigindo o pedaço que é nosso por direito. A gente precisa da terra pra ter vida, saúde e educação. Com o nosso território demarcado vamos ter tudo isso. É por isso que a gente está lutando muito e é o que vamos reforçar durante o Acampamento Terra Livre”.

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