Com PerifaLAB e Utopia Negra, Greenpeace discute transformação ecológica em espaço inédito dedicado à sociedade na cúpula das maiores economias do mundo
Pela primeira vez, o Brasil assumiu a presidência do G20 e inovou ao criar o G20 Social, com objetivo de ampliar a inclusão da sociedade nas discussões do grupo das principais economias do mundo, composto por 19 países, mais a União Europeia e a recém-incluída União Africana.
Sob o lema ‘Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável’, o evento contou com centenas de organizações, atividades e shows, e reuniu mais de 20 mil pessoas no Rio de Janeiro, dias antes da Cúpula dos Líderes.
O Greenpeace, com apoio do PerifaLAB e do Utopia Negra, fez parte da programação do G20 Social com um debate sobre o ‘Plano de Transformação Ecológica: Recomendações Brasileiras‘, discutindo soluções para as maiores agravantes do aquecimento global: a produção predatória de energia e de alimentos.
A plateia foi formada majoritariamente pelos estudantes do programa Jovem Aprendiz, do Sest Senat Deodoro, e artista Luna Vitrolira fez uma emocionante apresentação para abrir a discussão, que foi liderada por:
– Braulina Baniwá, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga);
– Beatriz Saes, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO);
– Ricardo Abramovay, economista e professor titular da USP;
– Cristina Borja Reis, subsecretária do Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda.
Mostramos que um mundo melhor é possível com uma economia que valoriza as pessoas e a natureza, em vez de atender apenas ao lucro de poucos, como temos visto ao longo dos anos. É impossível combater a pobreza e a poluição ignorando a história, principalmente as relações econômicas.
Transformação ecológica é transformação cultural
O Plano de Transformação Ecológica, ou Novo Brasil, foi apresentado na COP28 pelo Ministério da Fazenda com a intenção de superar a “pesada herança colonial“, rompendo com 500 anos de exclusão social, destruição do meio ambiente e subordinação internacional, conforme descreveu o ministro Fernando Haddad.
Mas, para garantir eficiência e evitar contradições, é fundamental a participação social. “A transformação ecológica é, antes de tudo, cultural”, enfatizou Cristina Borja Reis, representante do Ministério no G20 Social. “Além de estimular finanças sustentáveis, é um conjunto de iniciativas com diferentes complexidades e tempos de implementação”.
Países colonizados, como o Brasil, foram forçados a integrar a economia mundial sob termos desiguais que duram até hoje. Por isso, a descolonização é uma pré-condição para reverter o colapso ecológico, reconhecendo as lutas anticoloniais como agentes-chave de transformação.
Historicamente, o consumismo excessivo dos países ricos (Norte Global) é sustentado pela exploração da natureza e do trabalho nos países pobres (Sul Global). Não à toa, os países ricos geram 10 vezes mais impactos no clima do que os pobres, que são os mais afetados pelas tragédias climáticas, especialmente as pessoas pretas e pardas.
Para alcançar o equilíbrio climático, as nações ricas devem voltar a ter padrões sustentáveis de consumo, deixando as nações pobres livres e com autonomia para atender às suas próprias necessidades. Afinal, seres humanos estão no planeta há mais de 300 mil anos, durante 97% do tempo vivemos em harmonia com a natureza. Retomar as nossas raízes é essencial.
Economia tem que incluir a ciência indígena
Como solução, tem se popularizado a bioeconomia ou sociobioeconomia: um modelo econômico focado no bem-estar social e ambiental, alinhado aos princípios democráticos e que valoriza os conhecimentos ancestrais.
Braulina Aurora é cientista indígena do povo Baniwá, antropóloga e, recentemente, lançou o estudo ‘Bioeconomia Indígena: Saberes Ancestrais e Tecnologias Sociais‘ onde destacou a importância das terras e dos conhecimentos tradicionais nos processos econômicos, inclusive para proteção ambiental e mitigações climáticas.
“O palco é a Amazônia, mas poderia ser qualquer outro território sobre o qual há expectativa de exploração em escala de produtos da sociobiodiversidade [como açaí e castanha-do-Brasil] que geram economia. Mas que economia é essa? Na condição de povos da oralidade em uma relação com a natureza de forma familiar de sobrevivência, ainda há muitos desafios para que os indígenas sejam ouvidos. Suas economias, produções e modos de vida nem sequer entram nas estatísticas da economia”, escreveu.
No G20 Social, Braulina Baniwá explicou que a “transição justa ecológica tem que valorizar os povos originários em seus territórios” , reforçando que o neoextrativismo verde vai seguir invadindo e dominando territórios ancestrais, dizimando culturas e agravando injustiças socioambientais.
Diferentemente da lógica do acúmulo de dinheiro, a economia indígena é produzida sustentavelmente no ritmo das aldeias e dos ciclos da natureza, visando o bem viver coletivo. Não à toa, as Terras Indígenas representam menos de 1% dos desmatamentos da Floresta Amazônica, sendo as áreas mais conservadas e servindo de referência para o resto do mundo.
A própria ciência já provou que a Amazônia foi plantada há pelo menos 8.000 anos, e seus descendentes continuam a cultivar muitas espécies até os dias atuais. O projeto Sementes do Xingu é um exemplo: centenas de coletores, sobretudo mulheres de vários povos indígenas, quilombolas e da agricultura familiar, mantêm viva a tradição e apanham toneladas de sementes nativas para restauração florestal.
Carro elétrico não resolve o problema
Para sustentar a transição energética nos países ricos, querem continuar explorando os países pobres. “Como a industrialização de minerais extraídos no Brasil e usados para inovação tecnológica no Norte Global”, alertou Beatriz Saes, presidente da ECOECO.
A adoção de energias 100% renováveis implica na expansão de painéis solares, turbinas eólicas e baterias que exigem a exploração de materiais para atender principalmente o Norte, que continua aumentando sua a demanda por energia. Seguindo o cenário do IPCC, mesmo que todos os países alcancem emissões líquidas zero até 2050, o Norte Global ultrapassa os limites planetários.
No Brasil, a Amazônia é a região com mais violações por extração mineral para a transição energética, concentrando 46% dos conflitos; a maioria das disputas envolvem território, água, saúde e trabalho, de acordo com relatório ‘Transição Desigual’.
O economista Ricardo Abramovay conta que “a bateria de um carro elétrico depende da extração de 225 toneladas de terra para obter minerais como lítio e cobalto. É inviável!”. Ele defende que o foco deve estar em transportes coletivos, públicos e de qualidade, locomoções curtas, ciclovias e cidades planejadas para as pessoas.
Os projetos de energia renovável são a segunda maior causa de desmatamento na Caatinga, atrás apenas do agronegócio. Isso porque os empreendimentos eólicos que geram hidrogênio verde dependem do domínio de grandes áreas, o que tem levado o governo brasileiro a investir energia eólica offshore (em alto mar).
Além disso, também há investimentos públicos para avaliar extração de minerais estratégicos e o próprio presidente Lula apoia a exploração de petróleo na Amazônia pela maior empresa estatal do país. Entretanto, assegurar uma transformação ecológica justa é considerar os impactos sobre as comunidades e os ecossistemas locais.
Agronegócio brasileiro agrava aquecimento global
O Brasil é o maior exportador de carne e soja do mundo, cuja produção tem impulsionado o desmatamento — 74% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE) são causadas pelo agronegócio. Para reverter esse cenário, é necessário mexer no financiamento público.
Hoje, o setor agropecuário é favorecido em mais de R$ 400 bilhões via Plano Safra, o maior programa de crédito do país. Se esse montante de verba pública fosse destinado a agroecologia e seus produtores, atenderia as reais urgências das famílias brasileira, contribuindo contra a fome, a pobreza e crise climática.
A agroecologia rompe com a monocultura, dispensa o uso de agrotóxicos e promove a geração de renda de forma sustentável, respeitando a biodiversidade. Em sua maioria, os cultivos agroecológicos são conduzidos por agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais. No filme Antes do Prato, o Greenpeace mostra casos de sucesso que, com mais recursos, podem ser replicados país afora.
O agravamento da crise no clima se reflete, cada vez mais, em eventos extremos, como chuvas torrenciais e ondas severas de calor em volume acentuado e fora dos níveis considerados normais. Em 2024, o Brasil enfrentou a pior seca da história na Amazônia, recordes de queimadas que deixaram metade do país sob fumaça e enchentes devastadoras.
Apoiando e pressionado por uma transformação ecológica nos sistemas de energia, alimentação e finanças, conseguimos melhorar essa realidade. “A humanidade tem que buscar segurança alimentar, residências seguras e segurança energética”, reforçou Abramovay.
Portanto, construir um mundo melhor exige uma economia que cuide da terra e do povo, priorizando alimentos saudáveis, moradia digna e energia sustentável para todas as famílias.
“Eu também sou natureza”
Confira a poesia de Luna Vitrolira que abriu o debate sobre transformação ecológica no G20 Social, em 14 de novembro:
Vivemos uma crise socioecológica.
É esse o nosso cenário, é tempo de caos e crise.
Estamos numa catástrofe.
A nossa gente anda sofrendo do suor dessa rotina.
Parece que essa dor continua e não termina.
Se juntos podemos tudo, a gente luta também.
Não vamos deixar que a terra continue nessa guerra.
E é por isso que aqui estamos.
Para lutar pelo futuro, por aqueles que amamos.
Não pelo que alguém dita, mas pelo que se acredita.
Peço para que vocês se conectem com suas verdadeiras essências.
Sejam os bichos, sejam os seus ancestrais.
Vamos pegar no batente, proteger o ambiente.
Não é tarde para o bem, para fazer acontecer pela vida de alguém.
É preciso mudar tudo, refletir todo esse sistema.
Respeito aos povos tradicionais e comunidades locais.
Eu também sou natureza.
Essa é a minha sina.
O sol nasce e se põe, recomeça e nos ensina.
Dá tempo de ser feliz, sejamos seu aprendiz, pois a vida não termina.
Eu que sou mulher preta.
Apanhei demais da vida, sem direito, na tarjeta.
O que é isso? É uma bala?
Meu povo não nasceu para ser calado.
A liberdade é meu axé de fala.
Enquanto houver esperança, a luta faz sentido.
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