Luta por justiça climática, acordos políticos insuficientes e Brasil vencedor do antiprêmio Fóssil da Semana marcam os primeiros dias do mundo em Glasgow
A COP26 tornou-se palco da luta da juventude e comunidades indígenas e tradicionais de todo o mundo por justiça climática. Lideradas pelo Fridays For Future, ou Sextas Pelo Futuro em tradução livre, milhares de pessoas foram às ruas da cidade escocesa de Glasgow nesta sexta-feira (05). A sociedade civil mobilizada pede compromissos sérios e ações efetivas de países e empresas para conter a crise climática, que já impacta milhões de pessoas e ameaça de forma catastrófica as próximas gerações.
A jovem ativista indígena amazonense, Samela Sateré Mawé, representante da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), do Fridays for Future e colaboradora do Greenpeace Brasil, ao discursar durante a mobilização denunciou: “Estamos sofrendo todos os dias com a crise climática. Estamos todos os dias defendendo nossos territórios com nossas vidas. Povos indígenas estão morrendo, nossos irmãos e irmãs estão morrendo. Crianças Yanomami estão morrendo em rios contaminados por indústrias de mineração ”.
A violação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais promovida pelo governo Bolsonaro rendeu uma “homenagem”, dessas que não há nada a se orgulhar. O Brasil é envergonhado mundialmente ao ganhar o Prêmio Fóssil da Semana pelo tratamento medonho e inaceitável aos povos indígenas, principalmente pelos ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro à ativista indígena Txai Suruí, de Rondônia. Na segunda-feira (1), durante seu discurso na COP26, Txai Suruí ressaltou os efeitos do aquecimento global e mencionou o assassinato de defensores do meio ambiente. Ela foi a única voz brasileira a falar no segmento de abertura, que contou com as presenças de Joe Biden, António Guterres, Angela Merkel e outros líderes globais.
O antiprêmio é concedido pela Climate Action Network, uma rede formada por mais de 1.300 organizações ao redor do mundo, entre elas, o Greenpeace, para os países que não se comprometem com a #CriseClimática.
Neste sábado (06), no Dia de Ação Global por Justiça Climática, está programada uma outra grande mobilização, para a qual estima-se a presença de 50 mil pessoas.
Leia a seguir um resumo dos acordos e compromissos assumidos durante a primeira semana da 26a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas:
A presença da delegação brasileira na COP26 está sendo pautada por promessas para conter a crise do clima e revisar a atual Contribuição Nacional ao Acordo (NDC), mas sem planos concretos de como vai cumprir o que diz.
Entre elas, promete se tornar carbono neutro até 2050 e cortar em 50% as emissões brasileiras até 2030. Quanto a se tornar carbono neutro, o governo sinaliza que o fará por meio de compensações em vez do corte das emissões de gases de efeito estufa (GEE). O discurso atual é que a meta seja alcançada por meio de compensações via mercado de carbono, o que não faz com que haja uma real diminuição das emissões, e sim uma concessão para que os grandes poluidores continuem poluindo por meio da compra de créditos de carbono.
O Brasil também se comprometeu a reduzir em 30% a emissão de metano até o final da década, em relação a 2020, em conjunto com mais de 100 países. Para isso o país precisará diminuir seu rebanho bovino, principal emissor desses gases no Brasil e responsável por mais de 70% das emissões de metano.
Até agora, as promessas são controversas, uma vez que o próprio governo tem orquestrado um verdadeiro desmonte das políticas ambientais nacionais. Em suma, o governo brasileiro tem usado a COP como uma oportunidade de limpar sua imagem no campo ambiental. E é preciso lembrar que enquanto adere a compromissos e altera metas, o desmatamento segue fora de controle e o plano que tem se visto na prática é o de passar a boiada. Por exemplo, o Senado está prestes a aprovar o Projeto de Lei 2633/2020 que irá beneficiar grileiros que invadiram e desmataram terras públicas, estimulando ainda mais desmatamento e consecutivamente emissões.
Mais de 100 países assinaram um acordo voluntário para o fim do desmatamento até 2030, com a mobilização de 19,2 bilhões de dólares para esse esforço, incluindo o Brasil. No entanto, além de voluntária, na prática, essa meta dá luz verde a mais uma década de destruição da floresta. Ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro, na prática, impõe um política de legalização da destruição da floresta, com avanços na desregulamentação e fragilização da legislação ambiental e promovendo ameaças aos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
A diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, alertou sobre o fato do acordo ser uma falsa solução: “Há um bom motivo pelo qual Bolsonaro se sentiu confortável em assinar este novo acordo. Permite outra década de destruição da floresta e não é vinculativo.”
Financiamento e cooperação
Outro tema central na COP26 é o da cooperação internacional e da necessidade de assegurar o financiamento de 100 bilhões de dólares por ano de países mais ricos para os menos desenvolvidos, acordado em 2015, no Acordo de Paris. O intuito é que os maiores responsáveis pelo superaquecimento do planeta assumam a responsabilidade pelos danos causados e apoiem a recuperação e adaptação daqueles que menos contribuíram para a atual crise climática e mais sentem seus impactos.
Mais uma vez faltam ações efetivas e sobram falsas soluções. Enquanto não fornecem detalhes suficientes que assegurem a meta necessária para o enfrentamento da crise climática, voltam à mesa mecanismos que não resolvem o problema, mas transferem responsabilidades como compensação e mercado de carbono.
Estamos testemunhando uma COP com a forte presença de populações indígenas, jovens e organizações de todo o mundo que também se posicionam contra essas medidas de mercado. É urgente que esse debate seja discutido sob a perspectiva da justiça climática e busque a garantia de que pelo menos 50% dessas contribuições sejam destinadas a medidas de adaptação. E que se considere, ainda, pagamentos por perdas e danos causados a países e comunidades afetadas pelos impactos das mudanças climáticas.
Metano
Líderes de mais de 100 países prometeram reduzir a emissão de metano em 30% até 2030. O compromisso é um começo, mas ainda insuficiente, já que precisamos acelerar o fim da queima de combustíveis fósseis por completo, rever toda a produção pecuária e colocar metas para a redução do consumo de carne, que impulsiona as emissões de metano, e foi subestimada no acordo.
Carvão
40 países e alguns bancos se comprometeram a eliminar o carvão. Para os países mais ricos, a data de término é 2030 (ou o mais rápido possível depois disso), para outros é 2040 (ou o mais rápido possível depois disso). Perceberam o “ou”? Sim, falta clareza, falta plano e faltam obrigações. Ainda assim, é mais um passo a pressionar o setor do carvão para um fim, que já tardou. Os novos signatários mais notáveis são Vietnã, Egito e Ucrânia, devido ao papel do carvão em suas economias. O Brasil, que não depende do carvão como esses países, segue subsidiando essa fonte e, na contramão do mundo, prevê sua sobrevida até 2050.
Combustíveis fósseis
Até agora, alguns sinais fortes foram enviados em torno da eliminação dos combustíveis fósseis e os novos compromissos da Índia para 2030 foram mais longe do que o esperado.
Mais de 20 países e instituições financeiras concordaram em encerrar o novo apoio público direto para o setor internacional de energia fóssil até o final de 2022. Em vez disso, esse apoio será priorizado para apoiar totalmente a transição para energia limpa. Este é um movimento significativo em direção ao fim da era dos combustíveis fósseis – especialmente dada a escala global de financiamento do setor e o fato de que os EUA estão apoiando o acordo. Os países devem assumir compromissos nacionais vinculantes para encerrar imediatamente todos os novos projetos de combustíveis fósseis, seja por meio de financiamento externo, licenciamento doméstico ou permissão.
Para a diretora executiva do Greenpeace International, Jennifer Morgan, ainda é preciso haver avanços. “Tem sido uma semana ruim para as empresas de combustíveis fósseis, mas não o suficiente, as coisas precisam ficar muito piores para elas antes que este COP termine, se quisermos chamar Glasgow de sucesso. Vimos alguns grandes anúncios, mas muitas promessas foram voluntárias e muitas vezes as letras miúdas incluem grandes lacunas. A meta não mudou, é 1,5°C e, embora estejamos mais perto do que estávamos, ainda há um longo caminho a percorrer”.
Um giro pelo mundo
Embora os líderes queiram alardear seus esforços, a maioria dos outros compromissos até agora não passam de pequenos passos e faltam outros compromissos substantivos.
- Estados Unidos – Como o maior emissor histórico, nada menos do que uma ação ambiciosa é necessária dos EUA para reduzir significativamente as emissões na próxima década. Mas a principal contribuição do presidente Biden para a COP até agora tem sido uma parceria com a União Europeia para reduzir 30% das emissões de metano até 2030. Embora seja importante, dada a potência desse gás de efeito estufa, isso não representa um plano transformador para cumprir a meta climática dos EUA para 2030. Os EUA precisarão apresentar outros planos mais tangíveis para cortar emissões, remover subsídios aos combustíveis fósseis e investir em infraestrutura verde na próxima década para que possam realmente reivindicar a liderança climática no cenário mundial.
- China – Antes da COP, havia esperança de que o presidente Xi Jinping anunciasse um pico nas emissões domésticas antes de 2025, ao lado de compromissos para reduzir o uso de carvão em seu sistema de energia – mas o fracasso em cumprir com qualquer um deles é obviamente uma grande decepção.
- União Europeia – Apesar de gostar de reivindicar liderança climática, a UE está atualmente adotando uma abordagem conservadora nas negociações, em vez de liderar uma ambição maior nas discussões em torno do texto final do Acordo de Glasgow. Seu fracasso em endossar fortemente a declaração da High Ambition Coalition (HAC) é particularmente decepcionante. A High Ambition Coalition (HAC), que reúne países de seis continentes, fez a promessa de proteger pelo menos 30% da terra e dos oceanos do planeta antes da cúpula One Planet em Paris. No anúncio, o HAC afirmou que proteger pelo menos 30% do planeta até o final da década é fundamental para evitar extinções em massa de plantas e animais. Bem como garantir a produção natural de ar e água limpos. A UE precisa reforçar urgentemente o seu apoio à posição do HAC e aumentar o apoio à adaptação para as nações mais vulnerabilizadas.
- Austrália – foi criticada depois que o Greenpeace revelou que três quartos dos projetos “significativos” de ajuda climática da Austrália no Pacífico não mencionam as mudanças climáticas.
- Rússia – Putin não compareceu à Cúpula dos Líderes Mundiais, mas a Rússia aprovou uma estratégia de desenvolvimento de baixo carbono fraca, deixando de se comprometer em alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e enfatizando um aumento na absorção de emissões de gases de efeito estufa por ecossistemas gerenciados, com reduções mínimas planejadas nos principais setores da economia.
- Reino Unido – Estabeleceu planos para introduzir regulamentações climáticas para o setor financeiro, mas os compromissos de tornar o setor financeiro líquido zero ainda não serão obrigatórios, e as regras parecem permitir bastante espaço para as instituições financeiras continuarem com seus negócios normais, ao invés de “religar todo o sistema financeiro”, como afirma o Chanceler.
- Índia – O primeiro-ministro Narendra Modi fez mais do que o esperado e se comprometeu a aumentar as metas de energia renovável, reduzindo a intensidade do carbono e a emissão líquida zero até 2070 – descrito pelo Greenpeace Índia como “ a direção certa para seguir”. Mas os ativistas pediram que Modi fosse mais longe para que o sistema de energia da Índia fosse 50% movido por fontes renováveis até 2030.
O Greenpeace seguirá acompanhando todos os detalhes até o fim da conferência, no dia 12 de novembro.
O que fica de mais marcante até agora é a força da voz das populações indígenas e tradicionais do mundo que, junto com a juventude, luta contra as tentativas de imposição de soluções políticas e de mercado que não mudem a situação à qual esses próprios países e empresas nos levaram.
Chega de acordos “voluntários”, chega de falsas soluções de mercado, chega de injustiça climática.
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