Evento reúne juventudes amazônidas para fortalecer a luta por justiça climática, debater transição justa e preparar ações rumo à Conferência do Clima em Belém

Criado em 2021, o Festival Amazônia Terra Preta, realizado pelo Instituto Mapinguari, em Macapá (AP), nasce da urgência de unir justiça climática e luta racial em um território central para o avanço das políticas de enfrentamento à emergência climática: a Amazônia.
“O festival surgiu trazendo a principal mensagem de que a Amazônia é terra de gente preta que também protege a floresta, atua pelo clima e luta por justiça social e climática. Ele vem amadurecendo ano após ano até a gente chegar neste momento preparatório para a COP30”, afirma Yuri Silva, diretor técnico do Instituto Mapinguari.
Em 2025, o festival está na quarta edição e traz o tema central “Guardiões do Clima e Juventudes rumo à COP das Pessoas”. O evento vem se consolidando como um espaço de formação, resistência e celebração, conectando ancestralidade, território e mobilização política — tendo os jovens como protagonistas na preparação para a principal conferência sobre mudanças climáticas do mundo, que será realizada pela primeira vez no Brasil, na cidade de Belém (PA), em novembro.
Juventudes, território e mobilização
Como destaca Hannah Balieiro, diretora executiva do Instituto Mapinguari, o festival coloca como central a discussão sobre justiça climática e racismo ambiental, “a partir de um recorte amazônico, mas não só para os amazônidas — e sim a partir da região para outros territórios também”.
Nesta edição, o foco se volta à COP30: “Esse foi um evento pensado em como a gente consegue conectar as pessoas que estão dentro dos territórios e trazer capacitação para entender esse contexto de COP, suas pautas prioritárias, e como articular essa troca com o governo federal”. Hanna também integra o Comitê COP30, uma coalizão da sociedade civil brasileira que busca fortalecer a incidência de organizações da América Latina para uma Conferência centrada na perspectiva socioambiental.

O desafio de aproximar o debate
A proximidade da COP em Belém pode até ter aumentado o interesse da população brasileira pelo tema, mas uma pesquisa recente revela que o entendimento sobre como o debate global se relaciona ao dia a dia e às lutas locais ainda não faz parte do cotidiano da população do país que sedia o evento.
A pesquisa “Protagonismo do Brasil na COP30”, conduzida pelo Instituto Ideia e Instituto LACLIMA, revelou que 71% da população brasileira não sabe o que é a COP. Foram ouvidas 1.502 pessoas em todas as regiões do país e os resultados, apresentados no Brazil Forum UK, na Universidade de Oxford, no último dia 14 de junho, acendem um alerta: como engajar uma população que em sua maioria ainda desconhece um dos espaços mais estratégicos para definir políticas climáticas globais?
Para responder a essa lacuna, iniciativas centradas nos territórios, como o Festival Amazônia Terra Preta, cumprem um papel muito importante ao promoverem o diálogo com as populações mais impactadas pelas consequências das mudanças climáticas — e que precisam ser protagonistas do debate. “A gente quer que as pessoas entendam sobre o que a gente está falando e recebam a mensagem de que elas precisam se mobilizar”, afirma a comunicadora do Instituto Mapinguari, Anália Barreto.

Fazer essa conexão é fundamental para a mobilização coletiva, força necessária para a transformação rumo a uma sociedade mais justa e menos desigual.
Um olhar compartilhado por Yuri Silva é a necessidade de ecoar e fortalecer as vozes das juventudes quando falamos da luta climática. Para ele, a juventude desempenha papel fundamental, conduzindo de forma incisiva as discussões e mobilizações culturais que conectam ancestralidade, território e justiça climática. “Eu acredito que a juventude tem conduzido o debate sobre justiça climática de forma muito incisiva e assertiva. Por isso, poder entregar um evento que pauta juventudes, mas traz essa pauta a partir de uma jornada formativa, da mobilização através da cultura, das conexões com os nossos territórios, pra gente é fundamental”, reforça.
Hannah Balieiro comenta ainda que as ações comunitárias por justiça climática que já estão sendo colocadas em prática nos territórios são, em sua maioria, puxadas por lideranças mulheres, mais velhas, especialmente mães, que conciliam o cuidado com a família com a mobilização comunitária. “Mas é importante destacar que essas lideranças trazem junto com elas toda a força e dinâmica dos jovens, mobilizando e fortalecendo o protagonismo das novas gerações. Afinal, essa geração já está crescendo com os impactos da falta de justiça climática dentro dos seus territórios, seja em contexto urbano ou rural”, aponta.
Transição justa e adaptação climática como centro do debate
Entre os principais temas da programação, a pauta da transição justa e da adaptação climática teve espaço de destaque, apontando para o futuro que precisa ser construído a partir dos territórios impactados. Discutir a transição da matriz econômica, hoje baseada na exploração predatória dos combustíveis fósseis, para modelos regenerativos e aliados do clima é fundamental para garantir justiça socioambiental. Além disso, a adaptação climática também foi tratada como urgência: preparar comunidades para viver com qualidade e segurança frente aos impactos do clima é uma questão de sobrevivência — não apenas para hoje, mas também para as gerações futuras.

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Do cotidiano à ação coletiva
A participação ativa da sociedade na formulação e implementação de políticas públicas e garantia de direitos depende da organização e mobilização coletiva para conquistar protagonismo nos espaços decisórios. Questionado sobre como envolver jovens que ainda não conhecem o tema, Yuri Silva sugere partir das “dores e desafios do cotidiano, assim como também ressaltar as potencialidades e saberes para então estabelecer conexões e formar uma rede ampla de atuação climática na sociedade civil, capaz de influenciar decisões e fortalecer a justiça socioambiental na Amazônia”.
E falar de futuro exige colocar a adaptação climática no centro. Para Anália Barreto, “adaptação climática é uma necessidade urgente para que a gente tenha qualidade de vida. Nós, jovens de hoje, seremos os nossos mais velhos de amanhã”, comenta.
Mais do que resistir, é hora de virar o jogo. De transformar o sentimento de impotência em mobilização e exigir políticas públicas que atuem na prevenção, proteção e valorização de soluções já existentes nos territórios — nas cidades e na floresta.
“Precisamos cobrar do poder público ações que não se limitem ao pós-desastre. A resposta tem de vir antes para evitar a perda de pessoas, de casas e de sonhos de uma vida inteira. O Estado também precisa percorrer o caminho inverso: ir até as comunidades, reconhecer o que já está sendo feito, identificar quem são as populações mais vulnerabilizadas e trabalhar para ampliar essas soluções. Afinal, só o governo tem capacidade de escalar iniciativas bem-sucedidas e garantir que elas protejam mais pessoas”, afirma Hannah Balieiro.
“O ativismo climático é coletivo”, defende Yuri Silva. E essa coletividade precisa de organização. Da articulação entre grupos, da partilha de saberes, da construção de redes. Da força da juventude preta, indígena, ribeirinha, periférica. Da Amazônia que pulsa e se levanta — com os pés na terra preta e os olhos no futuro.

“A gente não está esperando o processo acontecer. A gente está criando oportunidades para imaginar outros mundos. É preciso parar o modelo de economia atual, um modelo predatório que destrói nossos territórios sagrados. Precisamos valorizar a economia do bem viver protagonizada pelos povos floresta, assim como precisamos fazer uma COP das pessoas”, defende Darlon Neres, de Santarém (PA), ativista ambiental do Coletivo Bem-Viver.
A dinâmica do Festival
A programação do Festival contou com mesas de debate sobre transição energética, sistemas alimentares, transição justa e adaptação climática. Além de oficinas culturais, como produção de gengibirra — uma espécie de cerveja de gengibre bastante apreciada na região —, percussão de Marabaixo — expressão cultural típica do Amapá — e oficinas temáticas, como “COP, que bicho é esse?”, em que os participantes puderam entender como funciona a estrutura da Conferência Mundial do Clima, tanto na parte das negociações quanto no espaço destinado à sociedade civil.
Entre as atrações culturais estiveram Verônica dos Tambores, Tocadores do Norte, Nic Dias e Rincon Sapiência, entre outros. O artista amapaense Jones Barsou realizou performances artísticas ressaltando a valorização da cultura amazônida.
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