No convés do navio, juventudes transformam rima, poesia e vivência em voz ativa por justiça climática nas duas cidades

Evento do Corre de Quebrada a bordo do navio Rainbow Warrior, em Recife, em 6 de dezembro de 2025.
© Marlon Diego / Greenpeace

O Corre de Quebrada fez do convés do Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-Íris) uma maré de justiça, onde as vozes das periferias ocuparam o centro do debate climático em duas cidades marcadas pela passagem do navio após a COP30: Recife e Rio de Janeiro.

A noite ganhou palavras de força, protesto e afeto. Afinal, como bem destacou Gaio Jorge, produtor cultural e organizador do evento no Rio de Janeiro, junto com a Roda Cultural do Méier, a batalha de rima é onde “a gente organiza a raiva, a nossa revolta, onde a juventude se mostra catalisadora de soluções”.

MC Ninja, vencedor da Batalha de MC´s pelo Clima no Recife.
© Marlon Diego / Greenpeace

Recife: rima, mar e mudança

No Recife, no dia 2 de dezembro, o convés virou encruzilhada, dessas que abrem caminhos.

Minha maior justiça é conquistar esse espaço”, rimou o ganhador da noite, MC Ninja.

Junto com a Batalha da Escadaria, Ibura Clam, Slam das Minas Pernambuco e Batalha do Trombone, o evento reuniu vozes e histórias marcadas pelas desigualdades e pela crise climática, mas também repletas de saberes, estratégias e respostas que nascem do território.

Okado do Canal, rapper e mestre de cerimônias, e Flora Rodrigues, produtora territorial do Corre de Quebrada no Rainbow Warrior, no Recife.
© Marlon Diego / Greenpeace

Foi uma noite de muito conhecimento sobre as soluções climáticas que já vêm sendo desenvolvidas há muito tempo nas favelas. São esses corpos, mentes e rimas que não deixam Recife afundar”, reforça Flora Rodrigues, produtora do Corre de Quebrada no Recife.

O clima como espelho das desigualdades

Recuperando a fala de Carlos Magno, do Centro Sabiá, no encontro sobre adaptação climática, “não vivemos apenas uma crise ambiental, vivemos uma crise de civilização”. É algo muito mais profundo, “é sobre a vida que a gente leva”. Tem a ver com o jeito como as cidades foram organizadas e quem sempre ficou para trás nesse processo.

E foi nessa toada que as rimas chegaram, trazendo a força de quem se reconhece não só como sobrevivente, mas como sujeito que transforma; não só como impactado, mas como existência que aponta e constrói o futuro.

A favela não precisa falar de problemáticas só de dentro da periferia”, ressaltaram Esther Dsan e Fabrício Santos, o Arteiro Poeta, no material de cobertura da noite. E completaram o que ficou evidente a cada verso: ninguém entende melhor o que precisa mudar e o que já está sendo feito para subverter um sistema que produz desigualdade e expõe corpos negros ao risco do que quem vive essa realidade todos os dias.

Evento do Corre de Quebrada com a Roda Cultural do Méier no Rainbow Warrior, no Rio de Janeiro, em 6 de dezembro de 2025. © Marlon Diego / Greenpeace

Rio de Janeiro: rima, território e solução

Foi nessa mesma energia que, dias depois, em 16 de dezembro, a experiência atravessou a costa brasileira e chegou ao Rio de Janeiro. Na Praça Mauá, o Corre de Quebrada se encontrou com a Roda Cultural do Méier, que há 13 anos faz do espaço público um lugar de encontro e denúncia, valorizando os saberes da periferia.

No convés do Rainbow Warrior, artistas, comunidades e jovens das periferias cariocas levaram suas vivências, lutas e sonhos para um dos principais cartões-postais da cidade, reafirmando o que já havia ecoado no Recife: o clima não é uma pauta distante. É cotidiano, é sobrevivência, é cultura.

MC WJ abrindo a Batalha de MCs pelo Clima no Rainbow Warrior. © Lucas Landau / Greenpeace

A batalha foi aberta por WJ, com a música Se tentar só vai tentar, que também lembrou que o debate climático é um direito das periferias. Para ele, discutir o tema dentro do hip hop é romper com a ideia de que esse é um assunto que não chega ou não pertence aos bairros mais pobres.

“A gente é impactado todos os dias pelas mudanças climáticas e pela falta de direitos, fruto da negligência histórica do governo. Mas hoje a gente tá mostrando como a gente faz isso até dentro da cultura. É nosso lugar de fala. É nosso direito ter essas informações e debater sobre elas”, afirmou WJ.

Marcele Oliveira no Corre de Quebrada, no Rio de Janeiro. © Lucas Landau / Greenpeace

Marcele Oliveira, a jovem campeã do clima na COP30, também marcou presença. Cria de Realengo, ela contou da experiência do projeto Resenha Climática, que teve início em junho de 2024, do qual ela é uma das cofundadoras. A iniciativa também tem como objetivo promover o encontro entre clima e Hip Hop, aproximando as comunidades dos debates climáticos por meio de expressões artísticas e culturais, como as Batalhas do Conhecimento.

“Quando a gente lançou o projeto, a galera ainda não usava tanto termos como racismo ambiental ou justiça climática, mas todo mundo sabia falar das dificuldades, das violências e das desigualdades. O rap sempre foi esse lugar de conscientização, inclusive sobre o clima”, reforça.

Para Marcele, levar essa história para dentro do Rainbow Warrior também carrega um simbolismo. “O Rainbow sempre pareceu pra gente como algo muito distante, relacionado a histórias do Greenpeace salvando baleias do outro lado do mundo. Quando ele chega aqui e se encontra com o hip hop, com o Corre de Quebrada, acontece uma conexão muito verdadeira entre o que parecia distante e o que é parte do nosso cotidiano”, completa.

MC Gordão ZN na Batalha de MCs pelo Clima no Corre de Quebrada no Rio de Janeiro. © Lucas Landau / Greenpeace

Essa travessia ficou ainda mais evidente na voz de quem rimou, disputou e venceu a batalha da noite, o MC Gordão ZN. Morador de Guadalupe, na Zona Norte, Gordão carrega na própria história os impactos do racismo ambiental. Enchentes frequentes, ameaças a áreas de Mata Atlântica e a ausência histórica de políticas públicas fazem parte do seu cotidiano, e também do seu trabalho. 

“Eu sou educador social numa equipe de saúde mental e a gente trabalha com agroecologia. Tem uma mini horta, as crianças plantam e colhem e levam pra casa. É uma sementinha plantada na terra, mas também no coração e na mente delas, para que a justiça ambiental seja um tema cada vez mais forte dentro das periferias.”

Allan Marola , produtor da Roda Cultural do Méier, e Gaio Jorge,  delegado do bioma Mata Atlântica na COP30 e coprodutor do Corre de Quebrada no Rio de Janeiro, no Rainbow Warrior. © Lucas Landau / Greenpeace

Entre batalhas de rima, lançamentos de versos e improvisos carregados de vivências, a pauta climática tomou forma concreta e cotidiana, protagonizada por quem mais sente no corpo os impactos do agora e, justamente por isso, enxerga com nitidez os caminhos possíveis. Seja no Recife ou no Rio de Janeiro, o convés do Rainbow Warrior virou palco de algo maior: o reconhecimento de que justiça climática só existe quando quem vive a crise no corpo, na memória e também na própria história também ocupa o centro da narrativa.

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