Nova legislação irá aumentar o controle sobre os produtos ligados ao desmatamento e violações socioambientais. A lei também vale para os países da própria UE

Área desmatada no município de Barreiras, no Cerrado do oeste baiano. Nova legislação da UE protege parte do Cerrado, mas ignora as regiões do bioma com vegetação mais rasteira. © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Nesta terça-feira (13), o Parlamento Europeu aprovou uma nova lei anti-desmatamento para a União Europeia (UE), com o objetivo de controlar a entrada de produtos ligados à destruição de florestas e violações dos direitos humanos em áreas de floresta ao redor do mundo.

Para o Brasil, a medida ajudará a fechar as portas do mercado internacional para desmatadores e violadores dos direitos humanos, enquanto traz mais segurança para as empresas que produzem sem desmatamento e de forma responsável.  

Atualmente, a UE é responsável por 16% do desmatamento de florestas tropicais ligado a commodities comercializadas internacionalmente, como carne, óleo de palma ou soja.

Uma pesquisa realizada nos países da UE mostrou que 82% dos entrevistados acreditam que as empresas não devem vender produtos que destroem as florestas do mundo, enquanto 78% acreditam que os governos deveriam proibir produtos de áreas desmatadas. A legislação foi uma resposta ao desejo da sociedade, que não quer fazer parte da destruição. 

“Ninguém quer ter que se preocupar se o supermercado onde faz a compra da semana está ligado à morte e à destruição, e a votação dessa lei é um grande passo para quebrar esse vínculo. Com apoio público esmagador e agora apoio também político, a única coisa que está no caminho de erradicar a destruição de florestas e abusos de direitos humanos do mercado da UE são os governos que encobrem as empresas que se recusam a limpar suas cadeias”, disse Sini Eräjää, porta-voz da campanha de florestas do Greenpeace na União Europeia. 

Como pontos fortes, a lei aprovada inclui uma lista ampla de commodities e produtos, que inclui óleo de palma, soja, café, cacau, gado e madeira. Durante as negociações para a votação, entraram também a borracha, milho e outros tipos de animais, como suínos, ovinos, caprinos e aves. É importante ressaltar que as regras também valem para os próprios países da UE, onde a exploração de madeira em áreas naturais é um grande problema. Esse deve ser um ponto de pressão para que seja enfraquecido por ministros do parlamento europeu de países como Finlândia e Suécia. 

O texto aprovado trouxe outras importantes atualizações, como definições mais robustas de desmatamento e degradação florestal, que garantirão maior proteção das florestas contra a expansão agrícola e práticas destrutivas de extração de madeira, proteção mais forte dos direitos humanos, especialmente os direitos dos povos indígenas e comunidades locais, e a inclusão de instituições financeiras europeias entre as empresas que serão fiscalizadas. Com isso, as carteiras de investimento destes bancos terão que fazer o trabalho de diligência prévia, ou seja, um processo robusto de verificação para comprovar que não existe ligação do financiamento a projetos e empresas que promovem a destruição de florestas.

E o Brasil com isso?

Uma das medidas estipuladas na nova lei é a necessidade de rastreabilidade dos produtos da fonte até o destino final, um dos grandes problemas da carne e da soja brasileira, onde as empresas ainda se arrastam para cumprir suas promessas de zerar o desmatamento das cadeias produtivas. Na votação, foi mantida a necessidade de fornecer a geolocalização da área de produção do produto comercializado. 

A falta da  rastreabilidade total (de ponta a ponta) das cadeias favorece, por exemplo, a entrada de gado irregular na cadeia. Isso acontece porque o animal pode passar por diferentes fazendas ao longo do seu crescimento, e algumas delas podem apresentar desmatamento e/ou violações de direitos humanos. Mas, na hora da venda, o processo é realizado por uma fazenda regularizada. 

Apesar do governo brasileiro ter questionado a legislação sob o argumento de que a lei não traria benefícios ambientais, violaria as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e traria impactos sociais, sabe-se que esforços para mitigar a crise climática são necessários e, além disso, o país tem plenas condições de atender critérios rígidos de rastreabilidade. No passado, o Brasil aumentou sua produção ao passo que o desmatamento foi reduzido.  

“O desmatamento na Amazônia foi reduzido em 80% entre 2004 e 2012, ou seja, sabemos como produzir sem desmatar. Da mesma forma que desde 2006 a Moratória da Soja mostrou ser possível mapear, identificar e bloquear produtores que não estão em conformidade com o desmatamento zero. O Brasil tem potencial de se destacar nos esforços tanto para atender os critérios da lei anti-desmatamento quanto na agenda climática, no entanto, tem seguido o caminho oposto”, avalia Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace. 

O atual governo implementou ao longo dos últimos anos uma política antiambiental que enfraqueceu órgãos ambientais, cortou orçamentos e travou o Fundo Amazônia, reduziu drasticamente o número e eficácia das atividades de fiscalização e estimulou a violência no campo através de seu discurso e omissões, como por exemplo na falta de ação para coibir o crime ambiental e de invasão em territórios indígenas.

“Em vez de assumir um lugar de destaque, o governo Bolsonaro optou por se apequenar nas relações internacionais e estimular o que existe de mais retrógrado em termos de desenvolvimento e meio ambiente, e agora temos as maiores taxas de desmatamento desde 2006 e uma sinalização de que o mercado não irá tolerar produtos atrelados à destruição”, ressalta Mazzetti.

Ainda há o que avançar

Apesar da versão votada adotar a definição da Food and Agriculture Organization (FAO) de “other wooded lands” (outras áreas com cobertura arbórea) em adição a florestas – o que é um passo importante para abranger outros ecossistemas -, isso ainda é insuficiente. Partes do Cerrado onde a savana é mais aberta e o Pantanal, por exemplo, continuam ameaçados pela expansão agropecuária e pelo impacto do consumo da UE.

O Parlamento, no entanto, aprovou uma cláusula de revisão que permitiria à Comissão aumentar a proteção a todos os ecossistemas naturais no próximo ano. Portanto o trabalho não acabou, seguiremos pressionando. 

Em 2020, incêndios de grandes proporções consumiram mais de 20% do Pantanal, no Centro-Oeste do Brasil. A falta de chuvas recorrente na região, somada à ausência de políticas de proteção ambiental, deram início a uma crise sem precedentes, que coloca em risco pessoas e a rica biodiversidade do bioma. © Leandro Cagiano / Greenpeace

Após a votação, terão início negociações sobre a lei final entre o Parlamento Europeu, os governos nacionais e a Comissão Europeia. 

O Cerrado brasileiro, que ocupa 25% do Brasil, já perdeu metade de sua vegetação nativa. Segundo levantamento do MapBiomas, em 37 anos as atividades agrícolas no Cerrado cresceram mais de 500%. A savana mais biodiversa do mundo está sendo rapidamente substituída pela soja. O Pantanal também é sede de violações frequentes de direitos humanos, com o assassinato e violências contra indígenas que lutam pelo seu território tradicional. Em 2020, o Pantanal teve mais de um quarto da sua formação original queimada.

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