Investigação aponta que grandes redes de supermercados e fast food do Reino Unido alimentam seus frangos com soja originada do desmatamento do Cerrado
Grandes redes de supermercados e alimentação do Reino Unido estão vendendo frango contaminado com a destruição do Cerrado brasileiro. É o que aponta uma investigação realizada pela equipe do site Unearthed, do Greenpeace UK, em parceria com os jornais The Guardian, ITV News e The Grocer, e publicada hoje (25).
Segundo a investigação, as redes Tesco, Asda, Lidl, Nando’s e McDonald’s utilizam soja brasileira fornecida pela Cargill – gigante norte-americana de negociação da commodity – na alimentação dos frangos que comercializam. Estima-se que a trader envia anualmente para o Reino Unido mais de 100 mil toneladas de soja, boa parte produzida às custas do desmatamento do Cerrado.
Em agosto, a equipe de investigação rastreou a viagem de um navio graneleiro, o BBG Dream, desde o porto de Cotegipe (BA), carregando 66 mil toneladas de soja em uma viagem que incluiu uma parada nas docas de Liverpool (Inglaterra). A equipe conseguiu confirmar que a Cargill havia arrendado o navio e que os grãos a bordo vinham do município de Formosa do Rio Preto, onde o Cerrado vem sendo rapidamente desmatado.
Em apenas uma fazenda da região, a Fazenda Parceiro, mais de 50 km² de vegetação foram desmatados apenas nos três primeiros meses de 2020, segundo a analista de risco de sustentabilidade Chain Reaction Research. A Cargill confirmou que adquire soja desta fazenda, que pertence à SLC Agrícola. A SLC administra 17 grandes fazendas no Brasil, 10 delas no Matopiba. Mais de 210 km² de desmatamento foram registrados nas fazendas da SLC Agrícola desde 2015
A Cargill afirma, como já fez antes, que não quebrou regras, nem suas próprias políticas, ao comprar da fazenda em questão e que não compra de áreas desmatadas ilegalmente.
As revelações surgem no momento em que o governo britânico debate uma nova legislação para excluir o desmatamento das cadeias de abastecimento do Reino Unido, que tornará ilegal a importação de alimentos relacionados a qualquer destruição ambiental ilegal no país de origem.
Cerrado é vital para a biodiversidade do Brasil
O Cerrado é um dos grandes biomas brasileiros, conhecido como a “caixa d’água” país, devido a sua enorme capacidade de armazenar água, dando origem a algumas das principais bacias hidrográficas que banham o território nacional. A região é o lar de cerca de 5% de todas as espécies de plantas e animais do mundo e uma região extremamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas e que vem sendo profundamente impactada pelo avanço do agronegócio.
Ativistas e políticos reforçam a importância da nova legislação, já que áreas como o Cerrado brasileiro, por exemplo, possuem regras menos rígidas quanto ao desmatamento, o que permite que empresas como a Cargill explorem indefinidamente ambientes naturais importantes no Brasil e em outras partes do mundo.
De acordo com o Código Florestal brasileiro, proprietários de terra no Cerrado podem desmatar legalmente até 80% de sua propriedade, enquanto que na Amazônia este percentual é de 20%. E se a produção de carne continua a impulsionar o desmatamento na Amazônia, a soja está fazendo o mesmo no Cerrado, onde estima-se que 90% do desmatamento é impulsionado pela soja.
“São biomas irmãos e igualmente importantes para o clima, para a produção de água, para a biodiversidade e para a vida das pessoas. Mas com menos proteção, o Cerrado acabou entrando na mira do agronegócio, enquanto o modelo de produção de alimentos em escala industrial continua fazendo vítimas diariamente”, afirma Rômulo Batista, do Greenpeace Brasil.
Em 2019 o Greenpeace Brasil publicou um vasto estudo (Segure a Linha – A expansão do Agronegócio e a disputa pelo Cerrado) que analisou os impactos sociais e econômicos no Matopiba, região de interesse econômico que inclui terras do Cerrado do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Como resultado, o estudo constatou que, embora o desmatamento e a produção de soja tenham disparado nessa região, isso não se refletiu em avanço econômico e social para as populações locais.
Meses mais tarde, outra investigação encontrou conexões entre algumas das maiores negociantes de soja, entre elas Cargill e Bunge, com a fazenda Estrondo, que tem longo histórico de grilagem de terras, desmatamento e violência contra comunidades locais, os geraizeiros.
Há dez anos, a Cargill prometeu eliminar o desmatamento em suas cadeias de abastecimento de commodities, como a soja, até este ano (2020). Mas admitiu no ano passado que não cumpriria o prazo. Em vez disso, adiou a meta para 2030. São mais dez anos para a destruição, onde poderá ser tarde demais.
Assista a série Segure a Linha
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