Em Santarém, eles participam de oficinas em que se apropriam de conceitos e técnicas de comunicação como ferramentas para a luta em defesa da floresta e da vida em comunidade
Se a Suécia tem a Greta, a famosa menina de 16 anos que lidera um movimento mundial crítico à omissão da sociedade diante das mudanças climáticas, o Brasil tem a Greicy, o Irleson, a Jociellen, o Darlon, a Janaín, o Rainner, e dezenas de outros jovens que, de dentro da floresta Amazônica, se organizam para defender seu território e o modo de vida que seus ancestrais têm praticado há décadas ou, até mesmo, séculos.
Eles vivem nas 144 comunidades extrativistas, ribeirinhas e indígenas espalhadas pelos 252 mil hectares do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, na região de Santarém (PA). Classificado como “ambientalmente diferenciado”, este PAE tem o privilégio de ser banhado pelos rios Amazonas (o maior do mundo), o esverdeado Tapajós e o Arapiuns (o menor e mais límpido dos três).
Na maioria das pacatas comunidades do PAE, a vida tem outro ritmo e o tempo não é “o do relógio”. As estações, o sol, a lua, as chuvas e, consequentemente, as épocas de cheia e vazante é que determinam a cadência das atividades diárias dos comunitários. Mas a vida dos jovens do PAE tem sido bastante dinâmica nos últimos meses.
Preocupado com diversas ameaças, cada vez mais próximas, como o desmatamento, a mineração, os agrotóxicos, a pesca ilegal, a caça predatória e apropriação ilegal do seu território, este grupo de jovens vem se organizando para defender o seu território, apesar de todos os desafios, como a própria extensão territorial do PAE e as enormes dificuldades de transporte.
Neste processo de formação em comunicação, eles botam, literalmente, o pé na estrada, atravessam rios, conhecem novas comunidades e encontram colegas que, até então, só conheciam de ouvir falar ou de alguma mensagem no zap – isso quando têm acesso à internet e celular, o que não é trivial para a maioria deles.
E, assim, cercados de seringueiras e cacauzeiros, à sombra das tradicionais cabanas, estudam conceitos e técnicas de comunicação, seu caráter político – comunicação como direito e como ferramenta de luta para garantir seus direitos, por exemplo – e acessam aparelhos e tecnologia em oficinas que vêm sendo realizadas no âmbito do projeto Todos os Olhos na Amazônia. No PAE Lago Grande, as organizações que atuam neste projeto são: Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR-STM), Fase-Amazônia, Artigo 19, Witness e Greenpeace.
“Estas oficinas já estão contribuindo para a luta que fazemos em defesa do PAE. É bastante claro para nós que as pessoas que moram na cidade têm muito o que aprender com o nosso modo de sobrevivência, com a nossa medicina da floresta, com o respeito que temos à natureza e às nossas raízes. Cada comunidade tem sua cultura, seu jeito de vida e muito conhecimento. A gente mesmo faz nossas casas, caça e conseguimos manter nossa floresta, sem destruição. Por tudo isso, nós somos o futuro!. E as pessoas precisam perceber isso”, afirma, assertiva, Greicy Nardines Branches Gomes, de 24 anos, da comunidade Araci.
Memória, identidade e resistência
Uma das propostas destas oficinas é que os jovens assumam o protagonismo de uma comunicação autônoma, soberana. Quer dizer, que não sejam apenas receptores, consumidores ou expectadores da comunicação, mas também produtores e disseminadores de suas próprias histórias, a partir da linguagem, narrativa e representações que lhes são mais apropriadas. Isso tanto para os veículos mais comuns, como rádio, redes sociais, impresso e tevê, como para os veículos tão peculiares em suas comunidades, como bilhetinhos, cartas, rádios-poste, cartazes e carros auto-falantes.
“A comunicação pode ser usada de modo popular como um instrumento de resistência, para trazer a memória da nossa história, para repassar nosso legado de geração para geração, o que sempre foi feito de modo oral. Comunicação é estratégica nisso. Queremos ter a autonomia de mostrar quem somos, quem éramos e o que queremos ser. Saber que podemos dispor da câmera de um celular para registrar violações é um grande passo. E hoje isso é acessível. Podemos nos apropriar dessas ferramentas. Mostrar que a gente existe e resistirá!”, explica Ian Sousa Tavares, de 19 anos, do povo Arapyún da Aldeia Camará, na Terra Indígena (TI) Sarambiá.
A oportunidade de pensar a comunicação com mais profundidade e de saber como funcionam equipamentos, como o celular, com uma perspectiva maior chamou atenção de Rainner Castro Barbosa, de 14 anos, morador da Aldeia Jaraki, na comunidade Lago da Praia. “Este aprendizado vai proporcionar um fomento a mais em relação aos encontros que a gente já realizava. Vamos conseguir abranger mais pessoas e mostrar que nas florestas têm gente, história e cultura. E, o mais importante, mostrar que não queremos que grandes empreendimentos se apossem dos nossos territórios”, garante ele.
Estas oficinas de comunicação estão inseridas em um processo mais amplo. Desde o mês de maio, a Feagle, a Fase-Amazônia, a Pastoral da Juventude (PJ), o Grupo Mãe Terra e o STTR-STM têm realizado oficinas, com estes mesmos jovens, focadas em questões como a valorização da identidade e da ancestralidade, memória da resistência, territorialidade e impactos da mineração.
Romaria – um outro modo de resistir
O ápice deste movimento de organização e resistência dos jovens em defesa do seu território culminará na I Romaria do Bem Viver, nos dias 16 e 17 de novembro, que discutirá temas como direitos humanos, identidade, juventude, políticas públicas, agroecologia e mineração. Em um percurso de 35 km, entre as comunidades de Cuipiranga e Murui, os jovens também poderão exercitar os aprendizados nas oficinas, realizando toda a assessoria de comunicação e a cobertura do evento, através do registro em foto, vídeo, texto e da publicação em diversos canais, especialmente as redes sociais.
Recado dado!
Os jovens do PAE estão fazendo a sua parte na luta pela proteção das florestas e de seus povos no Brasil. Desse modo, eles também contribuem com a luta mais global, esta que a sueca Greta vem protagonizando, porque, de acordo com os cientistas, a proteção da Amazônia é a melhor solução para evitar o agravamento da emergência climática e, assim, garantir a continuidade da própria humanidade neste planeta.
Não foi à toa que o cantor e compositor Gonzaguinha há tempos poetisou: “Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão”.
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